COSTA, Alexandre Araújo; COSTA, Henrique Araújo. Instrumentalismo x Neoinstitucionalismo: uma avaliação das críticas neoinstitucionalistas à teoria da instrumentalidade do processo. Revista Brasileira de Direito Processual (RBDPro). 2010 v. 18 n. 72 out./dez.

1. Introdução

A teoria instrumentalista de Cândido Dinamarco, consolidada na obra A instrumentalidade do processo, é hoje a concepção dominante sobre o processo civil nos meios acadêmicos brasileiros.1 Tal perspectiva teve uma recepção muito positiva quando foi lançada, na década de 1980, especialmente porque ela era compreendida como um aperfeiçoamento da corrente então hegemônica, ligada à escola paulista de processo e centrada nas categorias de ação e jurisdição. A teoria de Dinamarco não efetuou uma ruptura das categorias tradicionais (que eram familiares aos processualistas desde a década de 1940 e estão presentes na legislação desde a década de 1970) mas agregou a elas uma dimensão de instrumentalidade que adaptou o discurso processual ao ambiente democrático que surgia com a derrocada da ditadura militar.

Essa concepção serviu como marco orientador de várias das reformas da legislação processual ocorridas nas últimas duas décadas e sua posição no cenário da teoria processual consolidou-se de tal forma que ainda são incomuns as críticas ao instrumentalismo. Por isso mesmo têm especial relevância a perspectiva neoinstitucional desenvolvida pelo jurista mineiro Rosemiro Leal, com base nas categorias dos pensadores alemães Niklas Luhmann e Jürgen Habermas, e consolidada na obra Teoria processual da decisão jurídica.2 Essa proposta se opõe às visões centradas nos conceitos de ação e jurisdição, especialmente à teoria instrumentalista de Cândido Dinamarco, corrente que o neoinstitucionalismo pretende superar.

Como a crítica de Rosemiro não é respondida explicitamente por Dinamarco e não há até o presente momento um diálogo direto e abrangente entre a escola mineira e a escola paulista, torna-se especialmente importante a tarefa de realizar um cotejo entre essas duas perspectivas contrapostas, para ser possível analisar os pontos de tensão entre essas correntes e avaliar em que medida as críticas neoinstitucionais são adequadas.

2. A instrumentalidade do processo de Dinamarco

A instrumentalidade de Dinamarco é uma concepção muito aceita atualmente,3 cuja proposta, seguindo Abboud e Oliveira, sintetizamos em três eixos:4

  1. Valorização da categoria de jurisdição, com o deslocamento do principal eixo processual da ação para a jurisdição;
  2. Admissão do caráter teleológico do processo, reconhecendo que ele tem escopos sociais, políticos e jurídicos;
  3. Defesa de que o processo não pode ser considerado um fim em si mesmo (sentido negativo da instrumentalidade), e que os juristas devem perseguir os objetivos fixados nos três planos citados (sentido positivo da instrumentalidade).

Esses deslocamentos foram muito bem recebidos na década de 1980, especialmente com o processo de redemocratização, na medida em que abria espaço para a construção de uma teoria processual mais comprometida com as finalidades sociais. Todavia, a releitura da obra fundamental de Dinamarco, feita quase 25 anos depois da sua primeira edição, nos dá a impressão de que esse movimento poderia ter atingido proporções mais transformadoras do que as efetivamente teve, pois a instrumentalidade entrou para imaginário coletivo de uma forma menos radical do que as teses de Dinamarco possibilitariam, tendo sido limitada à noção amplamente aceita, de que “o processo não é um fim em si mesmo”.

Com isso, a proposta de Dinamarco terminou sendo reduzida, no senso comum dos juristas, à afirmação de uma instrumentalidade das formas, no sentido de que a interpretação das normas processuais deve estar mais vinculada ao conteúdo finalístico dos dispositivos que ao respeito literal às formas estabelecidas. Essa negação de um culto ao formalismo vazio passou a servir como uma válvula de escape interpretativa, que permitia contornar situações em que o respeito às formas conduzisse a resultados percebidos como absurdas. Com isso, a instrumentalidade do processo, tal como posteriormente veio a ser o princípio proporcionalidade, transformou-se em uma categoria teórica que, apesar de sua debilidade semântica5 (e provavelmente por conta dela), adquiriu relevância como topos argumentativo na dogmática contemporânea.

Essa compreensão não se choca com as concepções de Dinamarco, embora a formulação original da instrumentalidade possibilite leituras mais amplas. Os pressupostos metodológicos presentes na primeira parte de seu livro estão voltados a estabelecer uma visão interdisciplinar do processo, promovendo uma interlocução com a ciência política e as teorias do poder6. Segundo Dinamarco, “a visão instrumental do processo, com repúdio ao seu exame exclusivamente pelo ângulo interno, constitui abertura do sistema para a infiltração dos valores tutelados na ordem político-constitucional e jurídico-material.”7 Reforçando a feição finalística da instrumentalidade – ou seja, voltada a um uso adequado do processo – os instrumentalistas “querem um processo de feição humana, com o juiz atuando com sua sensibilidade para o valor do justo.”8-9 Disso entendemos que Dinamarco pretende uma abertura do processo a orientações pautadas axiologicamente em termos práticos.

Ainda nesse sentido, ele afirma que “já não basta aprimorar conceitos e burilar requintes de uma estrutura muito bem engendrada, muito lógica e coerente em si mesma (...). A nova perspectiva aqui proposta constitui motivo para a abertura do sistema processual aos influxos do pensamento publicista e solidarista (...).”10 E adiciona: “como escopo-síntese da jurisdição no plano social, pode-se então indicar a justiça, que é afinal expressão do próprio bem comum.”11

Entendemos que esses pressupostos propiciavam uma abertura interdisciplinar muito maior do que a efetivamente ocorrida, que se limitou a uma valorização da argumentação teleológica nos casos em que o formalismo conduzia a absurdos. Embora o texto de Dinamarco apontasse para uma permeabilidade da argumentação jurídica por outros tipos de discursos (sociais, políticos, éticos), o senso comum dos juristas se apropriou de suas ideias de um modo muito mais restrito. A instrumentalidade não se tornou uma categoria que possibilitou novos diálogos interdisciplinares, mas passou a servir apenas como válvula de escape que permitiu evitar algumas situações absurdas pontuais. Aplica-se o formalismo e a literalidade de uma forma geral, sendo ela afastada apenas nos casos em que o resultado seja tão incompatível com a axiologia dos julgadores que se pode invocar a instrumentalidade para justificar um afastamento pontual dos ritos.

É tentador interpretar essa apropriação restrita das ideias propostas por Dinamarco, especialmente da abertura interdisciplinar que ele propôs, como resultado de um caráter conservador do senso comum. Parece razoável entender que, incapazes de conciliar proposições tão inovadoras com uma dogmática voltada a garantir a segurança jurídica, os juristas tenham incorporado a instrumentalidade apenas para viabilizar eventuais afastamentos de um formalismo literal. Porém, esse tipo de interpretação não leva devidamente em conta uma tensão interna à própria construção da teoria instrumentalista: ela propõe uma abertura teleológica muito ampla, mas não estabelece uma crítica das categorias tradicionais, capaz de substituí-las por conceitos novos, efetivamente comprometidos com essa nova perspectiva.

Critica-se a ausência de uma perspectiva teleológica na concepção tradicional, como se esse defeito pudesse ser corrigido por meio do acréscimo de um novo princípio, e não por meio de uma revisão mais ampla das categorias envolvidas na teoria processual. Assim, o desenvolvimento do instrumentalismo não propiciou uma crítica das bases conceituais da teoria tradicional, tendo sido mantidas incólumes as suas categorias fundamentais (ação e jurisdição), bem como a noção de que o processo é voltado à realização da vontade concreta da lei. A instrumentalidade envolve uma ampliação teleológica dessa vontade concreta, mas não representa um rompimento com a concepção hermenêutica que reconhece no juiz uma função eminentemente técnica, e não política.

Esse compromisso com as categorias tradicionais evidencia que o limitado impacto epistemológico da tese instrumentalista não foi meramente eventual, pois a própria teoria foi construída sem oferecer categorias capazes de operar o rompimento com a forma de pensar tradicional do processualista. Tal como foi apresentada por seu principal autor, a instrumentalidade não nega à teoria do processo seu caráter unitário e coerente, o que se infere especialmente pelas obras posteriores de Dinamarco, muitas formuladas como glossários, a exemplo de seu último livro12. Assim, como afirmam Georges Abboud e Rafael Tomaz de Oliveira, é preciso “desvelar os vínculos que o pensamento da instrumentalidade possui com a tradição e até que ponto essa tradição é aceita acriticamente.”13

Exemplo de seu dogmatismo e respeito à tradição italiana é a filiação completamente chiovendiana de Dinamarco à teoria da jurisdição, o que se choca com sua postura de sustentação de um uso socialmente engajado em relação direito material. Afinal, a teoria de Chiovenda pressupõe a separação entre direito e processo, em contraste com Carnelutti, para quem o que vale é a solução do conflito.14-15

Supomos que pesaria demais para Dinarmarco tomar uma posição divergente de seu mestre Liebman, que por seu turno seguiu seu mestre Chiovenda em diversas concepções problemáticas, cujas consequências sofremos até hoje. Basta lembrarmos da teoria eclética da ação, que tenta compatibilizar o abstracionismo com o concretismo por meio das condições da ação, bem à semelhança da escola de Chiovenda.

Aparentemente seria mais consentânea com a proposta social de Dinamarco a adoção de um marco teórico que não se baseasse na distinção dos mundos material e processual – que ele mesmo conclui que deve ser relativizada, embora esse seja esse um pressuposto da teoria chiovendiana por ele utilizado. Ademais, a instrumentalidade não precisaria negar o papel criativo ao juiz. Bem assim, não haveria motivo para manter a construção artificial que é a “atuação da vontade concreta da lei” chiovendiana, a qual, conforme já destacado, é incompatível com a flexibilização do binônio direito e processo. A compatibilização buscada pela instrumentalidade propõe “a duplicidade de perspectivas, para encarar o sistema processual a partir de ângulos externos (seus escopos), sem prejuízo da introspecção do sistema.”16

Vejamos o que diz Dinamarco, demonstrando seu acoplamento às teorias mais tradicionais: “Excluída a integração do sistema processual no valor de criação das situações jurídicas de direito material [ou seja, negando-se o papel criativo do juiz] e tendo-se por demonstrada a tese dualista do ordenamento jurídico [direito material x processual], chega-se com naturalidade ao reconhecimento de que o escopo jurídico da jurisdição não é a “composição das lides” [como quer Carnelutti], ou seja o estabelecimento da regra que disciplina e dá solução a cada uma delas em concreto; a regra do caso concreto já existia antes, perfeita e acabada, interessando agora dar-lhe efetividade, ou seja promover a sua atuação [a exemplo do que defende Chiovenda].”17 Inserções nossas entre colchetes.

E segue o autor com observações que aparentam excessiva vinculação aos pressupostos chiovendianos. Isso é notado no que concerne a outro “fantasma” do nosso direito processual, assombrado pela divisão estanque de tutelas, gerando propostas de difícil compreensão. Vejamos, por exemplo, que para Dinamarco “os provimentos meramente declaratórios, condenatórios ou cautelares, embora não atuem por si mesmos o direito, constituem instrumentos ativados que ele seja atuado”.18

Ou seja, no pensamento do autor está presente uma distinção ontológica relacionada às cargas decisórias, segundo a qual somente as tutelas executivas e constitutivas seriam aptas a prestar integralmente jurisdição. Dinamarco se esforça sobremaneira para interpretar essa distinção de uma forma menos estanque, mas não a abandona. Isso demonstra seu apego às classificações tradicionais; ao mesmo tempo em que pretende fundar um processo incompatível com o modo de pensar que dominou o séc. XIX e a transição para o seguinte. Assim concordamos com Abboud e Oliveira ao sustentarem que “tais transformações que a teoria [da instrumentalidade] pretende descrever escondem um forte vínculo com a tradição que elas pretendem superar”.19-20 Mas talvez tenha sido esse mesmo vínculo que seja responsável pela grande aceitação da instrumentalidade entre os processualistas atuais.

Outro ponto a ser ressaltado é que a abertura interdisciplinar proposta por ele terminou sendo bastante centrada em uma visão juridicista da ciência política. Exemplo disso é que o “poder”, para Dinamarco surge, como apenas poder de decisão estatal, e não como categoria que permita uma reflexão mais ampla das relações de dominação dentro de uma sociedade21. Por isso, cabe razão a Calmon de Passos quando aponta que são ignorados pela instrumentalidade elementos “originados pelos estudos semiológicos, a revalorização do político, a partir dos desencantos existenciais recolhidos da experiência do capitalismo tardio e da derrocada do socialismo real, a crise do Estado do bem-estar social (...). Tudo isso denuncia a existência de um novo paradigma, a pedir seja repensado o que ontem tínhamos como certeza”.

Além dessa desatualidade epistemológica, Calmon de Passos destaca a reação acadêmica ao pensamento social em relação ao processo, tendo em conta o desenvolvimento constitucional que passou a valorizar uma participação mais abrangente de todos na produção do direito. Citando Perez Luño, que sintetiza ideias de Häberle, Denninger e Wiethölter, Calmon de Passos sustenta que “se na década de cinquenta o antiformalismo dos juízes legisladores foi assunto da ordem do dia, a experiência mostrou o alto custo social e político, em termos de segurança jurídica, dessa formulação que, no fundo, era a de um discurso anti-democrático (...)”.22 Ele também reforça a necessidade de atualizar o pensamento do processo, pois não devemos continuar agindo como se o panorama posto diante de nós fosse o mesmo das décadas de 50 e 60. Diz que se, ao invés dessa época, Cappelletti fosse um jovem dos dias de hoje, teorizaria de forma diferente do que fez e que anacronicamente ainda sustenta o pensamento social do direito.23

Esses elementos indicam que a instrumentalidade não propôs uma nova teoria geral do processo, mas apenas a incorporação de argumentos de viés finalístico ao discurso jurídico processual. Essa proposta de apropriação de uma teleologia por uma base conceitual que lhe é avessa pode ser creditada, ao menos parcialmente, ao caráter pouco filosófico da própria teoria instrumental. A instrumentalidade, tal como foi formulada, apresenta-se como uma forma prática de pensar, sem diálogos mais amplos com a filosofia do direito e a hermenêutica contemporâneas. Com isso, a instrumentalidade parece mais capaz de propiciar um ativismo judicial de magistrados movidos por suas convicções éticas e políticas do que de estabelecer uma estrutura conceitual suficiente para estabelecer uma teoria processual efetivamente renovadora. Essa limitação filosófica, bem como o estímulo a um ativismo judicial relativamente acrítico, gerou algumas críticas muito severas, como as de Calmon de Passos e Rosemiro Pereira Leal.24

Talvez tenha contribuído para as críticas o fato de que a instrumentalidade ganhou um sentido próprio, pois passou ela mesma a fazer parte do léxico processual, despreendendo-se de seu autor e valendo mais pelo senso comum do que pela formulação acadêmica que um dia teve. É certo que, em sua formulação acadêmica, a instrumentalidade apresentava, ao menos do ponto de vista teórico, um espectro mais amplo do que o adotado pelo senso comum. Mas, mesmo assim, ainda deixa a desejar em relação ao que ela poderia ter sido, em termos de capacidade transformadora da epistemologia processual. Faltou, como anteriormente registrado, que as janelas interdisciplinares fossem mais exploradas, com conceitos de poder mais contemporâneos e com a proposição de estruturas conceituais renovadas.

Em síntese, por mais que a popularidade do conceito tenha propiciado a sua falta de precisão semântica, é difícil de saber onde termina a instrumentalidade de Dinamarco (com todos os seus pressupostos metodológicos e reverência às teorias tradicionais) e onde começa a instrumentalidade do senso comum, consistente em uma “muleta” argumentativa voltada à flexibilização procedimental.

Tampouco são precisos os limites da instrumentalidade que poderia emergir de uma radicalização das aberturas interdisciplinares propostas inicialmente por Dinamarco, tendo em vista que ele terminou formulando teses um tanto tímidas em comparação com os pressupostos que ele alinhavou. Talvez isso tenha acontecido porque uma de suas preocupações ainda era combater a suposta neutralidade da ciência, cercando-se também de pontos de ligação com a teoria processual – aliás utilizando-se de toda a formulação teórica anterior. Ou seja, pretendeu aliar uma superação ideológica com uma continuidade teórica.

3. O neoinstitucionalismo de Rosemiro

Algumas das críticas mais elaboradas dirigidas ao instrumentalismo são de autoria da escola mineira, que representa um bom exemplo de uma corrente não hegemônica que vem desenvolvendo linhas de pesquisa que entrelaçam processo e hermenêutica com bastante desenvoltura.

Essa oposição entre uma escola mineira e uma escola paulista pode parecer exagerada a alguns, mas consideramos curioso que sempre pareça tão culta a comparação entre concepções dominantes em certos países e famílias jurídicas, e que ao mesmo tempo que sejamos pouco capazes de reconhecer e dialogar com tendências divergentes dentro do nosso próprio país. De alguma maneira, esse parece ser é um tabu, no sentido mais literal da palavra, já que nós equacionamos mediante um mandamento de silêncio: as várias escolas não podem dialogar.25

Talvez isso seja possível porque praticamente todas nossas escolas derivam de uma mesma raiz tradicional, fortalecida por uma escolha legislativa que consagrou uma opção eclética diante da teoria da ação. Ou talvez cada autor que receba alguma projeção por sua originalidade se volte a falar somente ao seu círculo, sem se preocupar em dialogar com o país como um todo, o que pode ser encarado como uma tendência à presunção. Ou seja, todas as explicações mais evidentes para essa falta de comunicação as hipóteses têm uma apontam para uma situação lado preponderantemente negativa. E por isso mesmo consideramos urgente o estabelecimento de um diálogo mais abrangente entre essas correntes, o que envolve inicialmente um reconhecimento das posições que elas defendem.

No caso da escola mineira, trata-se de uma iniciativa difícil de ser entendida como estudo processual no sentido clássico do termo, pois seus interlocutores encontram-se mais no seio do Instituto de Hermenêutica Jurídica (IHJ/MG) do que na comunidade processual como um todo. Outro fator que dificulta a interlocução desse modo de pensar é a combinação de uma linguagem demaisadamente hermética com uma postura pouco cortês com o ramo da instrumentalidade, que goza de prestígio no restante do país.

A título de exemplo, tomemos a afirmação de Rosemiro de que, “a aceitar irrefletidamente o ensino de Bülow a Liebman e deste aos instrumentalistas de hoje, alojando-se aqui os positivistas e neopositivistas, adeptos fatalistas da necessária garantia, interpretação e aplicação do direito em critérios ‘lato’ e ‘stricto sensu’ entregues à justiça civil de portadores natos de saberes oriundos de uma eticidade irretocável e experiência de vida pacífica e respeitosa, não nos é possível excluir os escopos metajurídicos processuais da esfera de uma judicância mítico-clarividente.” Aliás, observações muito duras também foram dirigidas ao instrumentalismo por Calmon de Passos.26

Segundo Rosemiro “dizer que o juiz é que diz qual é a vontade concreta da lei (Chiovenda e seus discípulos) é eternizar a justiça civil por uma corrente de legisladores cientes de sua inocuidade e já integrantes culturalmente e desde sempre de uma ‘sociedade’ de dominação legítima (...).”27 Estamos aqui no limiar da compreensão de uma crítica sobre o modo de pensar e agir do processualista típico. O que está em xeque é justamente a visão de mundo que temos e nosso marco teórico incapaz de trabalhar o direito a partir de uma ótica verdadeiramente constitucional, pois nossas ferramentas foram forjadas para o direito liberal individual. Naturalmente, essa é uma simplificação do pensamento neoinstitucionalista, mas julgamos que é preciso adotar uma forma mais clara e direta que a narrativa hermética típica dos cultores dessa perspectiva, do qual um exemplo claro é o seguinte trecho de Rosemiro Leal:

“No âmbito dos direitos objetivos-subjetivados (direitos individuais) que alguns alcançam na isegoria (realidade nua e natural como recinto conflitivo prático da montagem de um sistema continuado de dominação – no sentido de Weber) é que, por norma fundacional (direito fundamental posto co-institucionalmente), é garantida a auto-inclusão do outro desprovido (‘potus’) no sistema de fruição-objetiva de direitos a habilitá-lo ao exercício da isocrítica (criar, alterar, atuar normas jurídicas co-munitariamente igualado-munido em dignidade fundamento) retirando-o do mundo ‘civil’ dos estruturalmente desiguais para sempre (formas de vida aristotélio-wittgensteineanas).”28

Apesar do estilo hermético, convém reconhecer a grande densidade epistemológica dos textos de Rosemiro Pereira Leal, que é o autor mineiro de maior destaque no campo da teoria processual e também o criador da proposta neoinstitucionalista. Além do instrumentalismo, Rosemiro ataca com igual ferocididade o senso comum firmado em torno da ideia de um “modelo constitucional de processo”, originalmente proposto pelos italianos Andolina e Vignera29, por considerar que o processo constitucional, assim chamado pela doutrina brasileira contemporânea, não se trata de uma abordagem constitucional ao processo; e sim uma continuação da sua tradição civilista de abordagem.

A escola neoinstitucionalista propõe uma saída interessante de superação, tando do antigo modelo de liberalismo processual com protagonismo das partes; quanto do atual modelo de socialização processual com protagonismo judicial.30 Embora essa corrente não contextualize dessa forma, a partir das observações de movimentos críticos em relação aos desenvolvimentos da década de 70, é possível dizer que Cappelletti via o Estado prestador como um ponto de chegada da civilização.

Foi essa visão de mundo que impulsionou o instrumentalismo brasileiro na década seguinte, ignorando que o neoliberalismo avançava contrariamente a passos largos nas grandes potências capitalistas. Todos os serviços públicos – inclusive a administração da justiça – foram sacrificados e o Estado diminuiu sua participação, de maneira incompatível com o que a doutrina instrumentalista exige do juiz. E para que o juiz pudesse prestar o que lhe é exigido, o instrumentalismo brasileiro propôs que a magistratura fosse autorizada a atuar segundo sua sensibilidade para cumprir sua missão de fazer valer valores constitucionais.

O neoinstitucionalismo nega aos juízes essa liberdade e propõe uma releitura mais restrita de seus parâmetros de decisão, a partir das teorias discursivas contemporâneas.31 Ao mesmo tempo, diagnostica que atualmente no Brasil o judiciário de instâncias superiores se inclina mais a julgar teses do que casos, o que seria incompatível com sua missão constitucional.32 Adotar essa tendência a julgamentos abstratos é uma escolha política relevante, que gera uma judicialização da política de viés centralizador que termina por exigir do judiciário decisões gerais e abstratas que ele precisa tomar numa lógica de aplicação de normas (que ele tem autoridade para realizar) e não de equilíbrio de interesses (que ele não tem legitimidade para realizar).

Nessa transformação, os juízes ganharam um poder político muito acentuado, o qual não foi acompanhado por elementos de controle e responsabilização, já que a linguagem hermética e o discurso pseudo-técnico dificultam essas tarefas. Cremos que essa última crítica é muito correta e revela uma das faces perversas da concentração decisória nas mais altas instâncias judiciais. Contudo, quanto ao primeiro aspecto relativo à releitura racional, trata-se de um assunto a ser avaliado detidamente.

De fato, a importação de ideias italianas após a Segunda Guerra impulsionou o pensamento brasileiro a reagir contra o liberalismo processual que dominou esse campo do conhecimento desde sua criação, ainda no séc. XIX. Assim, de uma maneira geral, passamos a desejar – a partir da década de 40, até ser cunhado o instrumentalismo – um processo que contrastasse com o liberalismo. Ou seja, nossa utopia passou a ser a construção de um processo oral e conduzido pelo juiz.

Acontece que o constitucionalismo do séc. XX exigiu que o processo passasse a servir de instrumento democratizante, com participação mais ampla e não submissa apenas à percepção do juiz. Esse é o gérmen da constitucionalização do processo que está na ordem do dia, sobre o qual todos falamos, embora continue a ser condicionado à visão clássica do processo e sua prática processual arraigada no nosso sistema judicial. Com certeza é um paradoxo severo. A doutrina dominante diz carregar a mesma bandeira do processo constitucionalizado; assertiva negada pelo neoinstitucionalismo, que crê faltar legitimidade a um sistema judicial centrado na vontade do juiz.

4. Conclusão

Nota-se que o diálogo entre Rosemiro de Dinamarco não se realizou plenamente; ou quando se deu foi unilateral e passou longe da civilidade. Aliás, pode ser que esse enfrentamento não tenha espaço para ocorrer porque a visão social do processo tem perdido força e importância. Tanto é que não foi determinante para as últimas reformas processuais, que modificaram completamente o CPC com uma visão muito mais pragmática e concentradora de poder nas instâncias superiores.

Nesse cenário, os poderes do juiz foram restringidos a poderes de gestão do processo, pois a fixação da tese jurídica já é – e deve passar a ser cada vez mais – vinculada ao entendimento das instâncias superiores. Isso pode fazer com que a crítica neoinstitucional fique também ultrapassada no que é contrária à vontade do juiz como orientadora da jurisdição. Ou seja, ficaria prejudicada a luta da visão racionalista (mesmo sendo uma racionalidade discursiva) contra a visão axiológico-social (ainda impulsionada pela mentalidade da década de 70).

Contudo, o neoinstitucionalismo pode se tornar bastante útil caso redirecione seus esforços para auxiliar o desenvolvimento do processo fora desse enfrentamento, quem sabe pensando sobre as consequências da concentração decisória que estamos presenciando. Definitivamente, esses são rumos contrários à visão instrumental que prega a liberdade judicial, pois os juízes de primeira instância têm cada vez menos poderes de julgamento na escolha da tese jurídica a ser aplicada.

5. Bibliografia

  1. ABBOUD, Georges; OLIVEIRA, Rafael Tomaz de. O dito e o não-dito e o não-dito sobre a instrumentalidade do processo: críticas e projeções a partir de uma exploração hemenêutica da teoria processual. Ano 33, v. 166, dezembro. São Paulo: RT, 2008, p. 27-70.
  2. BARROS, Flaviane de Magalhães. O modelo constitucional de processo e o processo penal: a necessidade de uma interpretação das reformas do processo penal a partir da Constituição. In: Machado, Felipe Daniel Amorim; Oliveira, Marcelo Andrade Cattoni (Coord.). Constituição e processo: a contribuição do processo ao constitucionalismo democrático brasileiro. Belo Horizonte: Del Rey, 2009.
  3. DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 11 ed. São Paulo: Malheiros, 2003.
  4. DINAMARCO, Cândido Rangel. Vocabulário do processo civil. São Paulo: Malheiros, 2009.
  5. LEAL, Rosemiro Pereira. Modelos Processuais e Constituição democrática. In: Machado, Felipe Daniel Amorim; Oliveira, Marcelo Andrade Cattoni (Coord.). Constituição e processo: a contribuição do processo ao constitucionalismo democrático brasileiro. Belo Horizonte: Del Rey, 2009.
  6. LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria processual da decisão jurídica. São Paulo: Landy, 2002.
  7. NUNES, Dierle José Coelho. Apontamentos iniciais de um processualismo constitucional democrático. In: Machado, Felipe Daniel Amorim; Oliveira, Marcelo Andrade Cattoni (Coord.). Constituição e processo: a contribuição do processo ao constitucionalismo democrático brasileiro. Belo Horizonte: Del Rey, 2009.
  8. PASSOS, Calmon de. Instrumentalidade do processo e devido processo legal. In: Revista de Processo. Ano 26, v. 102, abril-junho. São Paulo: RT, 2001, p. 54-67.
  9. WARAT, Luis Alberto; e Rocha, Leonel Severo. O direito e sua linguagem. Segunda versão. 2 ed., Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1995.

Notas

[1] Cf. DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 11 ed. São Paulo: Malheiros, 2003.

[2] Cf. LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria processual da decisão jurídica. São Paulo: Landy, 2002.

[3] Cf. DELFINO, Lúcio. Breves reflexões sobre a fungibilidade das tutelas de urgência e seu alcance de incidência. In: Revista de Processo, v. 122, p. 187-220. São Paulo: RT, 2005; Cf. GELLI, Mario Felippe de Lemos. Reflexões sobre a instrumentalidade, efetividade e reformas processuais. In: Revista Eletrônica de Direito Processual, v. 1, p. 190-206. Rio de Janeiro, 2007.

[4] Cf. ABBOUD e OLIVEIRA, O dito e o não-dito (...), p. 44.

[5] Consideramos debilidade semântica a falta de critérios mais densos que possibilitem a definição do seu campo denotativo, fazendo com que a aplicação dessa categoria a situações concretas dependa demasiadamente de juízos de valor implícitos do julgador. Conceitos que têm essa característica podem ser chamados de definições persuasivas (Cf. Warat, O Direito e sua linguagem), na medida em que o potencial retórico dos argumentos que os utilizam pressupõe o reconhecimento dos valores implícitos na argumentação.

[6] A ciência política é o objeto de estudo da primeira parte da tese de Dinamarco, que ocupa precisamente até a página 177. Trata-se de um desenvolvimento detalhado praticamente ignorado pelo restante da doutrina processual, que tende a atribuir a esse capítulo metodológico uma função meramente protocolar. Na nossa visão, esse é um valioso legado infelizmente negligenciado. DINAMARCO, A instrumentalidade do processo.

[7] DINAMARCO, A instrumentalidade do processo, p. 381.

[8] DINAMARCO, A instrumentalidade do processo, p. 393.

[9] Sobre a base axiológica do direito, Dinamarco chega a apresentar traços de jusnaturalismo, ao afirmar em outro trabalho que: “Há valores que sobrepairam todas as leis – de todos os tempos e lugares – e os povos todos buscam sua realização plena, embora conscientes de que essa utopia jamais será alcançada e embora sejam extremamente vagas as palavras com que tais valores se expressam em tempos e em lugares diferentes.” *Cf.*DINAMARCO, Cândido Rangel. Processo civil comparado. In: Revista de processo, ano 23, n. 90, abril-junho. São Paulo: RT, 1998, p. 47.

[10] DINAMARCO, A instrumentalidade do processo, p. 11.

[11] DINAMARCO, A instrumentalidade do processo, p. 190.

[12] Cf. DINAMARCO, Cândido Rangel. Vocabulário do processo civil. São Paulo: Malheiros, 2009.

[13] Tal texto diagnostica também “que há nos pressupostos basilares da teoria [da instrumentalidade] uma vinculação – a princípio acrítica – com o modelo de fundamentação das liberdades democráticas que Mauizio Fioravanti denomina estatalista”. Para os autores, tal doutrina seria responsável pela edificação do Estado Liberal europeu do séc. XIX. ABBOUD e OLIVEIRA, O dito e o não-dito (...), p. 28-29. Cf. FIORAVANTI, Maurizio. Los derechos fundamentales: apuntes de historia de las Constituciones. 4 ed. Madrid: Trotta, 2003.

[14] É o próprio Dinamarco quem destaca essa anteposição dualista e monista: “Das posições então assumidas, a mais puramento jurídica foi a de Chiovenda, ligando o processo à vontade do direito substancial e não lnaçando as vistas à realidade subjacente a ele; a de Carnelutti, embora propusesse um resultado jurídico (a composição da lide), partia de um dado sociológico, que é a lide.” DINAMARCO, A instrumentalidade do processo, p. 215.

[15] A mesma linha de mitigação sutil entre os planos do direito e do processo é vista em José Roberto dos Santos Bedaque, discípulo de Dinamarco: “A relativização do binônio direito-processo não compromete a autonomia da ciência processual, mas torna necessário rever seus institutos fundamentais, a fim de adaptá-los às necessidades exteriores.” Cf. BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Direito e processo: influência do direito material sobre o processo. 3 ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 163.

[16] DINAMARCO, A instrumentalidade do processo, p. 379.

[17] DINAMARCO, A instrumentalidade do processo, p. 255.

[18] DINAMARCO, A instrumentalidade do processo, p. 255.

[19] Em síntese, a partir de Arthur Kaufmann, desenvolvem a relação jurídica como categoria primordial do processo porque consideram que a jurisdição em Dinamarco assume uma postura autoritária ao concentrar o poder no Estado, negando os poderes dos cidadãos. Cf. ABBOUD e OLIVEIRA, O dito e o não-dito (...), p. 44-54. Cf. KAUFMANN, Arthur. Filosofia do direito. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 2004.

[20] Abboud e Oliveira deixam claro que além de negarem a prevalência do eixo jurisdicional (pois associado ao poder), elegem a relação jurídica de Kaufmann – e não a pandectista – como eixo que viabilize uma atuação jurisdicional mais democrática. Nesse propósito citam José Lamego na tentativa de aproximar o processo da hermenêutica. Os autores parecem cientes de que o desafio atual é muito maior do que escolher como eixo um dos conceitos da trilogia estrutual, sendo necessário repensar os pontos de partida do próprio processo. Cf. ABBOUD e OLIVEIRA, O dito e o não-dito (...), p. 55. Cf. LAMEGO, José. Hermenêutica e jurisprudência: análise de uma recepção. Lisboa: Fragmentos, 1990.

[21] Embora o autor não ignore a existência de linhas de análise mais comportamentais do poder, como em Niklas Luhmann (Cf. Legitimação pelo procedimento. Brasília: UnB, 1980) ou em Max Weber (Cf. Economia e sociedade. São Paulo, UnB, 2004), apresenta uma definição bastante jurídica: “O conceito de poder, avançado antes (“capacidade de decidir imperativamente e impor decisões”), pretende constituir uma depuração do “decisionismo” (...)” DINAMARCO, A instrumentalidade do processo, p. 11.

[22] Cf. PASSOS, Instrumentalidade do processo, p. 58.

[23] Cf. PASSOS, Instrumentalidade do processo, p. 60.

[24] “A santa cruzada que o prof. Calmon de Passos enceta contra a instrumentalidade é fruto de sua notória desconfiança no Poder Judiciário brasileiro, a quem atribui imensa irresponsabilidade o mais elevado grau de falta de confiabilidade. Emprega locuções fortes, como “a viscosidade da decantada instrumentalidade transformada em arma na mão de sicários”; fala dos “frutos perversos, ou peçonhentos”, gerados por ela e diz que em nome da instrumentalidade “hipertrofiaram o papel do juiz”.” DINAMARCO, A instrumentalidade do processo, p. 393. Cf. PASSOS, Instrumentalidade do processo, p. 66.

[25] Cf. FREUD, Sigmund. Totem e tabu. In: Obras psicológicas completas. Rio de Janeiro: Imago, 1996.

[26] Cf. PASSOS, Calmon de. A crise do Judiciário e as reformas instrumentais: avanços e retrocessos. Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil. Ano 3, janeiro-fevereiro, 2002.

[27] LEAL, Modelos Processuais e Constituição democrática, p. 289. Ver também: Verossimilhança e Inequivocidade na tutela antecipada em processo Civil, artigo consultado no site “A priori”, em 05/05/10, no endereço: http://bit.ly/bRaTfA. Ainda sobre o pensamento de Rosemiro e seu grupo, consultar: LEAL, Rosemiro Pereira (Coord.). Estudos Continuados de Teoria do Processo. V. I a V, Porto Alegre: Síntese, 2000-2004

[28] LEAL, Modelos Processuais e Constituição democrática, p. 291.

[29] A noção de um modelo constitucional de processo que se funda em um esquema geral de base principiológica uníssona, ou seja um modelo único, com tipologia plúrima. BARROS, O modelo constitucional de processo, p. 334-335. Cf: Andolina, I; Vignera, G. Il fondamenti costituzionali della giustizia civile – Il modello costituzionale del processo civile italiano. Torino: G. Giappichelli Editore, 1997.

[30] NUNES, Apontamentos iniciais de um processualismo (...), p. 350 e ss.

[31] “Ao se falar num direito processual da pós-modernidade, almeja-se, com essa expressão, identificar nos textos positivados o conjunto de normas institucionalizadas pelo modelo jurídico do devido processo constitucional que, em sua gênese, reúna significância de superação da heteronomia produtiva do direito de tal modo a ensejar a construção procedimental de uma legalidade que se abre à crítica corretiva ampla e irrestrita. Esse direito processual assume compromisso teórico com as respostas a serem dadas numa universalidade pós-metafísica de instalação de comunidades jurídicas autoras, simultaneamente destinatárias, confirmadoras, reconstrutoras e operadoras do Estado democrático de direito discursivamente instituído.” LEAL, Teoria processual (...), p. 28.

[32] NUNES, Apontamentos iniciais de um processualismo (...), p. 350.

Resumo

O texto compara duas propostas contemporâneas de abordagem ao processo civil brasileiro: o Instrumentalismo, de Dinamarco; e o Neoinstitucionalismo, de Rosemiro Pereira Leal. Contrariando o pensamento predominate atualmente, o Instrumentalismo é aqui exposto como uma tentativa de superação ideológica do pensamento processual que o antecedeu, paradoxalmente marcada por uma continuidade teórica acrítica. Quanto ao Neoinstitucionalismo, destaca-se a possibilidade de que venha a se tornar uma crítica racional anacrônica ao Instrumentalismo. Isso aconteceria porque as inovações legislativas impõem ao juiz a aplicação de teses jurídicas fixadas nas instâncias superiores. Dessa forma, seria bastante limitada a atuação do julgador instrumentalista, de perfil jurídico mais flexível e maior engajamento social.

Abstract

This essay compares two proposals of contemporary approach to the Brazilian civil procedure: the Dinamarco’s Instrumentalism, and the Leal’s Neoinstitutionalism. In contrast with the mainstream nowadays authors, the Dinamarco’s thesis is exposed here as an ideological attempt to overcome the so prevailing civil procedure thinking, albeit featured by a theoretical uncritical continuum. Regarding the Leal’s thesis, it is possible to become an anachronic and rational criticism towards Instrumentalism. This would be due to legislative reforms imposing a sort of ‘stare decisis’ doctrine, according to which higher courts could be allowed to issue binding precedents. Hence, it would quite limit the judges’ possible instrumentalist performances, whose tend to be more flexible in legal terms and show greater social engagement.