Os testamentos ignorados de Ovídio Baptista e Calmon de Passos


Resumo: Esse texto aborda os legados teóricos de Ovídio Baptista e Calmon de Passos, destacando sua utilidade na compreensão das influências ideológicas e políticas da prática judicial. Questiona-se como podem ser aproveitadas tais contribuições para a estruturação de uma nova dogmática, ao invés de serem tratadas como meramente pitorescas.

Processo órfão de teóricos críticos

Os falecimentos de Ovídio Baptista, em 2009, e de Calmon de Passos, em 2008, deixaram um imenso vazio na teoria do processo, que ficou órfã de duas de suas vozes mais críticas. Não há hoje um nome que domine a filosofia e a prática como eles e que, ao mesmo tempo, seja capaz de exercer o papel que tornou ambos notáveis, especialmente em seus últimos escritos: a manutenção de um espaço de reflexão sobre os limites das concepções dominantes no processo civil brasileiro.

Esse vazio só não é sentido com a intensidade que deveria porque, de um modo geral, os processualistas permanecem alheios aos questionamentos que estão além das molduras tradicionais da dogmática. Melhor dizendo, eles tendem a concentrar sua reflexão em perguntas internas ao sistema processual, encarando os problemas práticos sob a perspectiva de quem deve encontrar no sistema de leis e conceitos uma resposta correta.

Essa perspectiva é nitidamente inspirada na Jurisprudência dos Conceitos germânica, que é a matriz das distinções dominantes no pensamento processual, tais como ação, pretensão e lide. Esse enfoque, trazido ao direito brasileiro pela notável influência de Liebman, tem como resultado uma perspectiva interna e formalista, que tende a conferir primazia à análise conceitual e à coerência teórica.

Com isso, os processualistas perderam de vista as conexões externas dos problemas que enfrentam, especialmente quando se trata de analisar o funcionamento das estruturas legislativas e judiciais com a qual eles precisam lidar. De fato, das atividades legislativas e judiciais não seguem os parâmetros definidos pela dogmática processual, e essa divergência é tipicamente sentida como uma forma de atecnia. Quando leis processuais ou decisões judiciais são incompatíveis com sistema conceitual construído pela doutrina, esse descompasso é sentido como um desvio com relação ao padrão da técnica processual. Porém, tal diagnóstico é equivocado porque as práticas sociais não têm nenhuma necessidade de seguir os sistemas teóricos elaborados pelos processualistas, cuja função primordial é refletir sobre a realidade social e não determinar os parâmetros pretensamente racionais que deveriam guiá-las.

Ao contrário do que parece a muitos processualistas, não existe uma teoria formal do processo, pois não existem formas processuais a-históricas, categorias processuais a priori nem conceitos corretos em si. Só existe o processo produzido historicamente, e as categorias teóricas são construídas indutivamente sobre essa prática, e não dedutivamente a partir de uma atividade idealizada. Todavia, a postura típica dos processualistas implica a inversão desses polos, o que acarreta um alheamento da realidade e a atribuição de caráter racional a conceitos contingentes, tais como as já citadas noções de ação, jurisdição e lide.

Essa tendência formalista e anti-historicista fez com que fossem sobremaneira relevantes as perspectivas de Ovídio e de Calmon de Passos, que se voltaram a manter a teoria processual aberta à estrutura social circundante e a compreender reflexivamente as influências ideológicas e políticas existentes na prática judicial. Esses elementos estão presentes de forma nítida em seus últimos livros, que aqui apontamos como seus testamentos.[1]

Ovídio: epistemologia e processo

É certo que vários estranharão esse título, pois a linha de pesquisa filosófica de Ovídio é bem menos conhecida que sua contribuição para o processo cautelar e a antecipação de tutela.[2] Em contraste, o próprio autor é mais contundente nos temas filosóficos analisados em seus últimos escritos do que na produção dogmática por meio da qual ele conseguiu se inserir na comunidade dos processualistas. Se não fosse esse prévio reconhecimento dogmático, ele seria "apenas" mais um jusfilósofo discutindo temas eruditos mas sem aplicabilidade prática, já que a dogmática se limita a questionar sobre a adequação jurídica dos argumentos e não sobre a adequação social do direito.

Devemos nos perguntar que espaço existe, nos debates processuais, para colocações como a de que "o Direito, tornou-se uma função de outros interesses, sejam políticos ou econômicos, porém, de qualquer modo interesses estranhos à idéia de Justiça. No fundo, esta conseqüência não é mais do que um braço do individualismo pragmático que constitui a essência da ideologia moderna, que de um modo ou de outro, nos governa".

Essas considerações sobre a função do direito, e não sobre a aplicação do direito, podem parecer fora de lugar numa discussão processual que pressupõe a validade das normas. Mas como é possível construir os modelos teóricos de aplicação sem que sejam levadas em conta as estruturas de poder envolvidas e as finalidades políticas do direito? O estranho é que ainda se tenda a perceber como radical um posicionamento que apenas retoma ideias do final do século XIX, como a frase de Ovídio no sentido de que "nosso tempo destruiu a esperança de que a lei tivesse um sentido tão permanente e constante como as verdades matemáticas. Conseqüentemente, a tarefa confiada aos juízes de descobrir a 'vontade da lei' tornou-se uma trágica quimera."

O discurso processual do último século, sob o pretexto de conquistar uma espécie de cientificidade, conseguiu manter a sua pretensa pureza mediante o seu próprio fechamento. Enquanto outros ramos do direito se tornaram mais abertos, incorporando argumentações finalísticas ainda no final do século XIX, os processualistas brasileiros somente começaram a levar a sério esses elementos teleológicos no final do século XX, com a consolidação da idéia de instrumentalidade do processo.[3]

Mesmo assim, a teleologia e a instrumentalidade permanecem apenas como noções teóricas, já que a prática continua operando mediante um discurso sistemático extremamente fechado, em que a coerência interna e a precisão conceitual continuam sendo os critérios operativos fundamentais. Essa Neo-jurisprudência dos Conceitos, com seu respeito quase escolástico ao argumento de autoridade, gera um campo muito pouco propício para a reflexão filosófica e para as abordagens interdisciplinares. Assim, não é de causar espanto que as vozes dissonantes sejam pouco presentes, já que a capacidade de influência dos interlocutores exige primeiramente a sua inserção no grupo dos teóricos reconhecidos, ou seja, a capacidade de manejar adequadamente o discurso técnico estabelecido.

Na contramão dessa tendência, Ovídio Baptista chegou a elaborar uma perspectiva crítica que teve a possibilidade de ser ouvida nos meios processuais, mas somente porque ele primeiramente construiu sua reputação como um teórico de peso no que toca ao procedimento cautelar e também em outras áreas.[4] E foi ele próprio que constatou que "como nossa formação cultural conserva-se solidamente dogmática, os juristas que trabalham com o processual civil não conseguem fazer um diagnóstico dos fatores que contribuem para a crise. A indispensável atitude crítica os obrigaria a questionar o próprio paradigma, o que, sob o ponto de vista epistemológico, seria contraditório."[5] Tendo em vista essa constatação, é compreensível que suas obras mais inovadoras sejam as da maturidade, em que a teoria dogmática mostrou os seus limites e ele buscou outras categorias para compreender adequadamente a sua prática.[6]-[7]-[8]

A percepção dessa veia crítica forte, mas tardia, indica que devemos dar especial atenção às obras outonais de alguns juristas, a exemplo dos aqui tratados, que nos deixam uma espécie de testamento, de maneiras mais ou menos conscientes, em seus escritos derradeiros. Contribuições teóricas como essas devem ser aproveitadas para a estruturação uma nova dogmática, ao invés de serem tratadas como meramente pitorescas.

São lições amadurecidas em uma vida inteira de estudo e prática, que às vezes chegam a uma simplicidade avassaladora, como novamente em Ovídio: "Nestas circunstâncias, de nada valerá substituir o motorista. A estrutura do 'veículo', nascido no direito privado romano, e aperfeiçoado pelo Iluminismo europeu, foi ultrapassada pela História."[9] Esse tipo de raciocínio nos indica que estamos tão acostumados a buscar saídas que garantam a eficiência do sistema que nos esquecemos de que talvez estejamos trabalhando apenas para construir a carroça mais rápida do mundo, empreendimento que é tão difícil quanto inútil.

A crítica é tão avassaladora que às vezes somos incapazes de processá-la, e a caracterizamos apenas como um discurso curioso, já que coloca em dúvida aquilo de que não se deve duvidar. Porém, a crítica de Ovídio deixa muito claro que precisamos reposicionar o nível de crítica a ser realizado. Não basta a repetição de questões tradicionais que apenas nos aprisionam e relegar ao limbo as concepções que tentam nos revelar nossos próprios fantasmas.

Calmon de Passos: poder e processo

Tal como Ovídio, Calmon de Passos é mais lembrado por sua personalidade e carisma do que propriamente por sua contribuição epistemológica interdisciplinar conectada à filosofia. De fato, sua retórica era tão marcante, que aqui escolhemos transcrever uma entrevista disponível em vídeo pela internet, ao invés de seus livros. Nas palavras dele: "Eu nunca pude ser exclusivamente dogmático. A minha parte pragmática me levava a ser dogmático; mas a minha parte filosófica me obrigava a superar a minha formação dogmática (...). Eu sou essa pessoa contraditória e vou morrer contraditório."

Com isso, o autor demonstra que, apesar de ser um homem voltado para a prática, não se contentava com as respostas oferecidas pela cultura jurídica dominante. Para superar essa limitação, buscou auxílio na filosofia de modo a compreender os problemas processuais além de suas próprias limitações.

Calmon de Passos segue explicando o projeto intelectual de sua vida: "O direito tem a cara do poder (...). Toda a minha linha de pesquisa foi tentar desmistificar essa neutralidade do direito, essa cientificidade do direito, essa isenção do magistrado e tentar compreender o direito em sua dimensão indissoluvelmente política. O direito é o discurso do poder. Toda a minha vida profissional eu voltei para aprofundar essa pesquisa. E de certo modo um livro -- que não me satisfaz tanto que estou preparando um outro -- que considero meu testamento, traduz essa minha preocupação: direito, poder, justiça e processo."[10]

Tal proposta levou-o a desenvolver um pensamento que vai além do direito e explora conexões, além da filosofia, também com a economia e a ciência política. Adicionando igualmente observações epistemológicas às referidas áreas do conhecimento, ele resume: "A minha visão de futuro é essa: nós somos uma geração ameaçada porque estamos diante de um mundo em que um paradigma está se desintegrando; mas, ao mesmo tempo, uma geração privilegiada, que estamos sendo desafiados a pensar o novo, portanto pensar o futuro."[11]

Essas manifestações metadogmáticas fazem com que o senso comum dos processualistas insista em tratar esses autores como excêntricos e, ao assim agir, desperdiçamos seu legado. Isso é especialmente pernicioso se considerarmos que estamos falando, respectivamente, de um gaúcho e de um baiano que ganharam projeção nacional em uma área centralizada nos paulistas. É claro que há exceções, consistentes em juristas por todo o país e que gozam de merecido reconhecimento, tal como o carioca Barbosa Moreira, que é nosso maior comparatista e uma das poucas unanimidades dentro do processo. Mas a regra é que o pensamento original e consistente produzido perifericamente não chega a se espalhar pelo país e a apenas os iniciados têm acesso a ele.

A formação do senso comum teórico do processualista

Para que se compreenda como Ovídio e Calmon de Passos divergem do pensamento hegemônico, é necessário recapitular a formação do senso comum teórico dos processualistas, que pode ser percebido nitidamente se traçarmos uma genealogia do pensamento relativo à teoria da ação, que marca o início do tratamento do direito processual como um ramo jurídico autônomo.

Antes do final do século XIX, os juristas tendiam a crer na ideia de que a cada direito corresponde uma ação que o assegura. Esse enfoque, inspirado no direito romano, entende que a ação não é um direito, mas uma forma de defesa de um direito violado. Nessa perspectiva, que chamaremos de civilista, não há que se falar em direito de ação, mas apenas em procedimentos judiciais relativos a resguardar um direito subjetivo. Em tal contexto, o processo era entendido apenas como um determinado rito, uma série de procedimentos voltados à efetiva realização dos direitos.

Contrapondo-se a essa ideia hegemônica, o alemão Oskar von Bülow (1868)[12] sustentou que a concepção civilista não percebia que a realização do processo envolvia a instauração de uma relação jurídica que interligava os juízes e as partes. Assim, a concepção civilista terminava por concentrar-se no procedimento (ou seja, nos ritos a serem seguidos nos julgamentos), perdendo de vista que as relações entre as partes e os juízes somente poderiam ser devidamente compreendidas caso se considerasse que havia uma relação jurídica que conferia aos juízes o poder-dever de decisão e às partes a obrigação de colaborar e de se sujeitar à decisão do juiz.

Seguindo a sistematização conceitual realizada pela Jurisprudência dos Conceitos, não se podia admitir a existência de direitos subjetivos sem que houvesse também uma relação jurídica que os determinasse. Assim, a percepção de que o processo judicial envolve deveres do juiz e das partes conduzia à necessidade de explicar o fundamento desses deveres, o que exigia a suposição de que havia uma relação jurídica pública que ligava as partes (obrigadas a colaborar e se sujeitar) e o juiz (investido de poder e obrigado a decidir). Tornou-se claro, então, que a teoria civilista conseguia lidar bem com a coisa julgada (resultante da obediência aos ritos), mas era incapaz de esclarecer adequadamente a própria jursdição, cujo devido esclarecimento envolvia a noção de uma relação processual autônoma.

Essa percepção levou Bülow a distinguir o procedimento do processo, considerando que o procedimento é apenas um fenômeno formal exterior (uma sequência de ritos obrigatórios), enquanto o processo seria a relação jurídica autônoma que liga as partes e o juiz.[13] Essa concepção do processo como uma forma específica de relação jurídica foi inovadora, pois inaugurou a autonomia do processo em relação ao direito subjetivo discutido.

O desenvolvimento dessa ideia abriu espaço para uma crítica da noção civilista dominante e para o gradual reconhecimento de que existia um direito subjetivo de ação diverso do direito subjetivo violado. A radicalização da percepção dessa autonomia conduziu ainda em 1876 juristas como Plósz e Degenkolb, respectivamente na Hungria e na Alemanha, a propor a idéia de que a ação não apenas um direito específico, mas que ele seria totalmente abstrato e incondicionado. Com isso, rompia-se completamente com a teoria civilista, pois a ação não era mais apresentada como uma decorrência do direito subjetivo. Não era mais o direito subjetivo vestido para a guerra e nem mesmo um direito autônomo voltado à garantia dos direitos subjetivos violados, mas um direito de pedir ao Estado a instauração de um processo.

Todavia, essas tendências à abstração foram inicialmente combatidas por autores como Adolph Wach (1888), que reconheciam a autonomia do direito de ação, mas insistiam na tese civilista da subordinação da ação ao direito subjetivo. Com isso, ele reconheceu a existência de um direito de ação autônomo, mas negou o seu caráter abstrato por sustentar que esse direito visa à defesa de um direito violado e que, portanto, somente havia direito de ação quando o autor fosse vencedor do seu pleito.[14]-[15]

Seguindo essa mesma intuição, Chiovenda (1903) reafirmou o condicionamento do direito processual ao material, e promoveu um retorno ainda maior às categorias civilistas, afirmando que a ação não seria endereçada ao Estado, e sim contra o adversário. Nessa medida, o direito de ação não deveria ser entendido como um direito de solicitar a intervenção estatal, mas como um direito potestativo oponível contra o adversário, contribuindo para a fixação de uma teoria concretista do processo, que condicionava o direito de ação à existência do direito material subjacente.[16]-[17]

Esses debates definiram o início de uma reflexão jurídica específica sobre o campo processual, mas esse tipo de reflexão não teve impactos significativos no Brasil antes da 1940, quando a deflagração da Segunda Guerra Mundial trouxe ao Brasil o italiano Enrico Liebman, que introduziu no cenário brasileiro ao debate contemporâneo europeu sobre a abstração do direito de ação.

Evidentemente, Liebman não havia sido a primeira pessoa a tratar no Brasil de um debate que já durava mais de cinquenta anos, sendo que por aqui já havia alguma menção de doutrina sobre essas ideias desde a década de 1920, com Estevam de Almeida[18]. Alguns brasileiros, como Francisco de Paula Baptista e João Monteiro, sustentavam posições modernas, mais inclinadas à abstração processual. E João Mendes Júnior -- talvez o mais profundo processualistas da época -- sustentava uma teoria comum entre o processo civil e o penal, bem como entre o processo e a Constituição, ideias que também eram muito avançadas. Porém, a doutrina brasileira da época ainda operava dentro dos quadros definidos pela teoria civilista, o que implicava a ausência de distinção entre as relações jurídicas material e processual.

Na década de 1930, houve esforços no sentido da superação do marco civilista, sendo relevantes os trabalhos de Gabriel de Rezende Filho, em São Paulo; Machado Guimarães, no Rio de Janeiro; e Amílcar de Castro, em Minas Gerais. Esses esforços culminaram no CPC de 1939, que sucedeu o Regulamento 737, de 1850 e a Consolidação Ribas, de 1876.[19]-[20] Esse código, autorizado pelas Constituições de 1934 e 1937, representou a unificação dos procedimentos judiciais, que até então seguiam formas diversas em cada estado da federação. Em reação ao processo tipicamente liberal, privatístico e escrito, foi adotado um modelo publicístico e oral. Contudo, não houve uma incorporação das categorias produzidas no debate processual europeu.

Foi nesse momento que aportou Liebman em São Paulo, vindo como professor da Universidade de Parma, e como aluno de Chiovenda, da Universidade de Roma.[21]-[22] Ele foi recebido por Luís Eulálio de Bueno Vidigal, professor no Rio de Janeiro, com quem formou um grupo de estudo, no qual despontaram Alfredo Buzaid e José Frederico Marques. Nasceu aí a Escola Processual de São Paulo, assim batizada por Alcalá-Zamora. A definição do marco teórico dessa escola é formado pelo que se entende ainda hoje como a base da teoria geral do processo: a tripartição entre jurisdição, ação e processo; a distinção entre o direito material e o processual, com a abstração da ação; e suas condições como possibilidade jurídica, interesse de agir e legitimidade para a causa.[23]

Assim, Liebman foi o principal responsável pelo aprofundamento do estudo das teorias processuais mais novas, que aqui era relativamente precário, o que terminou possibilitando que o pensamento pessoal do professor italiano tivesse uma influência tão marcante que ainda hoje é hegemônica, especialmente por ter se consolidado no Código de Processo Civil de 1973, ainda vigente. Tão forte é essa influência que Cândido Dinamarco chegou a afirmar que, antes da sua vinda, os brasileiros refletiam sobre o direito processual "sem chegar ao método verdadeiramente científico já então dominante na doutrina européia"[24], e esse método científico é justamente aquele baseado nos conceitos introduzidos por Liebman.

A principal marca do pensamento de Liebman, que ainda hoje permanece no núcleo do pensamento dos juristas formados nos quadros definidos pela Escola Processual de São Paulo, é uma tratar-se de uma concepção que, influenciada por Wach e Chiovenda, opõe-se às teorias abstratas do direito ação (que eram e são as mais influentes em nível mundial), propondo uma vinculação direta entre direito processual e material. Essa vinculação é feita mediante a afirmação de que a ação é um direito autônomo (mais especificamente, direito a uma sentença de mérito), mas não abstrato, pois ele somente existe quando estão presentes determinadas condições da ação. Trata-se de uma proposição eclética, entre o abstracionismo e o concretismo, que Araken de Assis bem define ao afirmar que "Liebman manteve abstrata a ação quanto ao resultado, porém tornou-a concreta no que toca ao nascimento".[25]

Esse tipo de obscuridade é bastante frequente em teorias que tentam compatibilizar visões que são conflitantes. Realmente não há como explicar o modelo adotado pelo Código de 1973 de forma clara, pois a teoria de Liebman não é clara. O que podemos fazer de melhor é compreendê-la dentro de uma evolução histórica marcada por: uma abordagem centralizada na relação jurídica e que nega que o processo seja apenas aquilo aparente aos olhos, sendo na verdade autônomo (1868); somada à noção de que, apesar de ser autônoma e abstrata (1876), tal relação depende de algumas condições para que se verifique (1888-1903); que são os pressupostos processuais e as condições de interesse em agir, legitimidade de partes e possibilidade jurídica do pedido (1940).

Apesar de suas tensões internas, essa base teórica foi adotada por todo o país, como registra Dinamarco: "São prova disso os trabalhos de autores como Calmon de Passos na Bahia [com ressalvas], Galeno Lacerda e Mendonça Lima no Rio Grande do Sul, Celso Agrícola Barbi em Minas Gerais, Moniz de Aragão no Paraná, Eliéser Rosa, Moraes e Barros e Barbosa Moreira no Rio de Janeiro. E São Paulo nunca declinou o fervor, nem a seriedade, em torno do estudo do direito processual civil, como se vê na obra de Botelho de Mesquita, Araújo Cintra, Rogério Lauria Tucci, Pará Filho, Lobo da Costa, Mariz de Oliveira, Arruda Alvim e tantos outros."[26]

Com essa geração fez-se o código de 1973, cujo nome mais importante foi Alfredo Buzaid, discípulo direto de Liebman. Assim foram trazidas para a lei as categorias fundamentais traçadas pela ciência processual italiana, conforme anteriormente enumerado. A fase atual, que já dura algumas décadas, inaugurou a preocupação com o acesso ao judiciário. Em termos acadêmicos, continuamos vinculados ao senso teórico trazido por Liebman, embora estejamos atualizados com esses movimentos instrumentais, que buscam emprestar mais efetividade à justiça, como a constitucionalização do processo.[27]-[28]

Apesar desse ser um roteiro obrigatório na pós-graduação, o estudo do processo tem se voltado a problemas menos teóricos. Em uma ótica mais recente, a ação veio a ser vista como uma garantia constitucional e passou-se a buscar um modelo judicial que propicie soluções mais adequadas a partir dessa visão.[29] De outro lado, nunca foi totalmente reconstruída a teoria do processo para comportar essa nova formulação, que continua a pautar os cursos acadêmicos e a prática judicial. E pode-se dizer que nem mesmo Ovídio e Calmon de Passos apresentaram uma teoria em substituição a esse marco. Na verdade, apresentaram críticas em seus "testamentos" que nós entendemos incompatíveis com o senso comum teórico dominante.

Dogmática processual: ciência ou política?

A teoria processual obviamente não se resume à polêmica da ação, que é apenas um exemplo da articulação dos modelos mentais dos processualistas. Ao lado dessa questão controversa, temos algumas outras, como as atinentes às cargas das sentenças (conhecimento, execução e cautelar) e aos tipos de tutelas (mandamental, condenatória, executiva etc.). E todas elas indicam que o brasileiro nunca esteve apto a trabalhar com as conquistas do abstrativismo, pois somos reféns da tipicidade. Postura semelhante se nota diante nos conceitos de jurisdição e processo, que formam com a ação sua trilogia estrutural, na classificação de Dinamarco.

Além disso, somos reféns da tendência conceptualizante que está na base das categorias trazidas por Liebman. Todas as nossas explicações exigem a elaboração de classificações exaustivas, capazes de construir um sistema conceitual correspondente ao sistema legislativo. Com isso, as alterações no panorama legislativo implicam a reformulação das categorias conceituais, na tentativa de produzir uma taxonomia cada vez mais complexa e exaustiva dos conceitos ligados ao direito processual.

Assim, em vez de seguir a linha dominante no direito constitucional, que lida com a estrutura aberta das normas e a tensão inerente aos princípios, o direito processual se esmera em explicar a si mesmo como um sistema de regras dotadas de coerência e unidade. Esse cenário vem se modificando sutilmente à medida que os princípios ganham espaço no pensamento processual, em um movimento que é percebido como uma constitucionalização do processo.[30] Mesmo assim, ainda é possível dizer que a teoria processual dominante representa mais uma continuidade do que uma ruptura com o pensamento normativo da jurisprudência dos conceitos, dada a primazia dos argumentos sistemáticos e conceituais sobre os teleológico e principiológicos.

Outra face dessa mudança é o processo de politização do judiciário, por meio do qual os juízes assumem uma posição cada vez mais relevante na formação das decisões políticas do Estado, o que envolve a tomada de decisões com com forte carga discricionária. Em contraste, algumas das concepções processuais que emergiram como dominantes na última década se opõem a essa politização por meio da elaboração de distinções teóricas voltadas a preencher racionalmente os chamados conceitos indeterminados e, com isso, aumentar a previsibilidade interpretativa. Essas teorias tendem a contrapor-se à discricionariedade judicial, ou até mesmo a negar sua existência, sob o argumento que uma postura hermenêutica mais ativa não pode ser confundida com o exercício de discricionariedade, em sentido estrito.[31]

Porém, mesmo tais correntes precisam levar em conta que, ao menos desde as reflexões metodológicas de Kelsen, a teoria jurídica tende a reconhecer que a atividade judicial envolve escolhas político-valorativas que o juiz realiza, e que não podem ser reduzidas a mera uma dedução formal a partir de um sistema semântico predefinido.

No início do movimento de codificação, que remonta ao final do século
XVIII, apostava-se que a segurança jurídica seria garantida por meio de um método correto e exaustivo de interpretação normativa. Nesse contexto, o juiz era apresentado como um ator cuja neutralidade política precisava ser resguardada pela garantia de que ele se ateria à aplicação de metodologias jurídicas racionais. O positivismo oitocentista reforçou essa ideia, culminando na elaboração do sistema conceitual da pandectística germânica, que nos influencia a ponto que ainda enfrentamos os problemas hermenêuticos partindo do pressuposto de que a aplicação do direito será tecnicamente correta quando for baseada nos conceitos precisos e rigorosos desenvolvidos pela ciência jurídica.

Essa tendência sobrevaloriza a semântica dos conceitos e exige uma multiplicação das categorias, pois cada vez que um certo conjunto de conceitos conduz respostas absurdas é preciso completar o sistema por meio da introdução de um tertium genus, modelado ad hoc para superar os limites da taxonomia vigente. Toda vez que a legislação cria uma lista numerus clausus, tentando aprisionar a realidade em uma classificação exaustiva, acabamos sendo forçados a criar novas hipóteses e, no limite, inventamos uma categoria sui generis, para explicar as situações que escapam das divisões previstas e que não sabemos sequer catalogar. E a cada passo geramos um novo conceito, pretensamente racional e imutável, que deveria apenas nomear uma faceta do processo que ainda não havíamos analisado suficientemente bem.

Um bom exemplo dessa forma de multiplicação conceitual é a divisão dos provimentos judiciais. Barbosa Moreira indica que Wach, ainda em 1885, apresentou classificação tripartite bem ao molde que conhecemos hoje, ou seja, com divisão entre provimentos declaratórios, condenatórios e constitutivos. Retomaram o tema o próprio Wach, em 1888; bem como Chiovenda, em 1903; e Hellwig, em 1912, todos reafirmando a divisão tripartite que viria a se cristalizar também na Áustria, na Espanha e na Argentina. Entre nós, décadas depois, ganhou projeção a divisão quinária de Pontes de Miranda, que distinguiu também as tutelas executiva e mandamental.[32] Contemporaneamente, Joel Dias Figueira Jr. afirma que tais critérios são insuficientes e propõe classificar "as ações da seguinte forma: a) declaratórias; b) constitutivas; c) ressarcitórias; d) recuperatórias; e) vindicatórias; f) inibitórias; g) acautelatórias e h) executivas "stricto sensu"[33]. E cada uma dessas novas categorias é apresentada como verdadeira porque descreve o que seria a essência da ação judicial em sua fiel natureza jurídica.

Esse tipo de ferramental teórico serve bem à dogmática, que se afirma como um sistema fechado, mesmo que seja aberto e esteja em constante mutação. Quando um tribunal superior dita uma certa interpretação como devida, os juristas dogmáticos tendem a acatá-la como uma posição verdadeira e desenvolvem um pensamento doutrinário que reforça o posicionamento político que inspirou a decisão jurisprudencial. Com isso, geram um simulacro de técnica: a decisão tecnicamente correta é aquela que segue a linha política definida pelo tribunal. Além disso*,* a dogmática processual chega a apresentar-se como ciência processual, como se a organização prática da atividade judicial fosse uma espécie de ciência que teria um objeto autônomo fora da história (os conceitos!) e que permitiria a elaboração de categorias universais e abstratas.

Ovídio e Calmon de Passos, em que pese tenham passado a maior parte de sua vida relativamente aprisionados a essas amarras, exibem em sua produção da maturidade propostas que superam esse modo de ver o processo.

Conclusão

É compreensível que se leve um tempo até que seja reconhecida a importância de certos pensadores de viés mais crítico; o que é incompreensível é que Ovídio Baptista e Calmon de Passos tenham sido tratados apenas como aves raras, que discordavam de tudo e de todos. Desse modo, não se travou um debate suficientemente amplo sobre suas ideias, principalmente as deixadas em testamento, demonstrando a incompreensão desses autores pela doutrina dominante. Disso veio que suas contribuições mais criativas não modificaram nosso senso comum teórico e, infelizmente, permaneceram também alheias à nossa prática judicial.

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SILVA, Ovídio A. Baptista da Silva. Processo e ideologia. Rio de Janeiro: Forense, 2004.


  1. Cf. PASSOS, J.J. Calmon de. Direito, poder, justiça e processo. Rio de Janeiro: Forense, 2003. Cf. SILVA, Ovídio A. Baptista da Silva. Processo e ideologia. Rio de Janeiro: Forense, 2004. ↩︎

  2. Vide currículo de Ovídio Baptista, publicado pela Academia Brasileira de Direito Processual Civil (ABDPC), acessado em 05/05/10: http://bit.ly/bfrLsN. ↩︎

  3. Cf. DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 11 ed. São Paulo: Malheiros, 2003. ↩︎

  4. Mesmo no livro de teoria geral -- em que não apresenta uma teoria geral, mas um apanhado de temas gerais -- Ovídio não é tão inovador como veio a se mostrar em sua produção mais tardia. Vale dizer que a primeira edição de seu livro de teoria geral é de 1997; enquanto o livro sobre processo e ideologia é de 2004. Cf. Teoria geral do processo civil. 4 ed. São Paulo: RT, 2006. ↩︎

  5. SILVA, Processo e ideologia, prefácio. ↩︎

  6. "Estamos interessados apenas em demonstrar o compromisso de nosso sistema processual civil como paradigma racionalista, indicando pontualmente o modo através do qual ele se infiltra sutilmente nas mais variadas questões processuais, determinando-lhes o sentido profundo e orientado, tiranicamente, as suas conseqüências." SILVA, Processo e ideologia, p. 34. ↩︎

  7. "Este modo de compreender o fenômeno jurídico tornou-se anacrônico. Hoje ninguém mais duvida de que o processo não tenha por finalidade produzir verdades e que a lei admite duas ou mais soluções legítimas, como já proclamara Kelsen. Depois de haver François Gény, nos albores do século XX, denunciado a ilusão de imaginar a lei como um "sistema dotado de exatidão matemática", ou de advertir James Goldschmidt que a futura sentença nada mais é do que um "prognóstico" que perdurará como simples prognóstico até que se conheça seu conteúdo, depois de Chaïm Perelman investir-se na condição de Aristóteles moderno, construindo uma "nova retórica", ou de um Theodor Viehweg recuperar a tópica aristotélica, e de Luis Recasens Siches postular, para a interpretação jurídica, o "logos de lo humano" ou de "lo razonable", ou depois de Josef Esser --- para citar apenas algumas dos mais expressivos do moderno pensamento jurídico --- haver transferido para o Direito as proposições básicas de Gadamer; afinal depois de tudo o que se escreveu nas modernas filosofias críticas, e de tudo o que apreendemos com o chamado realismo americano --- nosso sistema permanece petrificado, na suposição de que os juízes continuam irresponsáveis, enquanto a "boca da lei", como desejava o aristocrático Montesquieu, e de que o processo seria um milagroso instrumento capaz de descobrir a "vontade da lei" (Chiovenda)." [SILVA]{.smallcaps}, Processo e ideologia, p. 26-27. ↩︎

  8. "No texto, ficam demarcadas a natureza meramente "intelectiva", enquanto pura cognição, da função jurisdicional, e o princípio de que a atividade do juiz deve limitar-se a revelar a "vontade concreta da lei". Suma missão seria apenas verbalizar a "vontade da lei" ou a vontade do legislador. Outra passagem que merece referência é esta em que o jurista refere-se à interpretação: "o juiz atua, em todos os casos, a vontade de lei preexistente, e, se faz obra de especialização da lei, é tão-só no sentido de que formula, caso por caso, a vontade de lei concretizada antes do processo". A "vontade da lei", segundo Chiovenda, já estava "concretizada" ao instaurar-se o processo. A missão do juiz seria apenas revelá-la." [SILVA]{.smallcaps}, Processo e ideologia, p. 93. ↩︎

  9. SILVA, Ovídio Batista da. Da função à estrutura. Artigo consultado no site do ex-escritório do autor, acessado em 05/05/10: http://bit.ly/byolHD. Ver também: SILVA, Ovídio Batista da. Verdade e significado. Artigo consultado no site do ex-escritório do autor, acessado em 05/05/10: http://bit.ly/awGwWP. ↩︎

  10. "Essa realidade [correlação entre o jurídico e o econômico] vincula necessariamente o Direito ao poder político e é esta simbiose que procuramos estudar (...) [T]entamos evidenciar que o Direito é sempre e necessariamente um discurso do poder. Tanto a solução macro quanto a solução micro para os conflitos revestem-se, necessariamente, do caráter de decisões de poder. Juridiciza-se a decisão política e assim se institucionaliza um sistema jurídico cuja ponta terminal é a aplicação ao caso concreto, das regras que o constituem, assegurando-se a coerência necessária entre o enunciado como Direito e o que como Direito deve ser aplicado. Inexiste, portanto, um Direito ideal, modelo, arquétipo, em cuja realização estamos empenhados. Há, sim, um sistema jurídico dentro do qual atuamos e em sintonia com o qual atuamos. Todo Direito é socialmente construído, historicamente formulado, atendendo ao contingente e conjuntural do tempo e do espaço em que o poder político atua e à correlação de forças efetivamente contrapostas na sociedade em que ele, poder político, se institucionalizou." PASSOS, Direito, poder (...), p. 4. ↩︎

  11. Vide entrevista em vídeo sobre a vida de Calmon de Passos, publicado pelo site Direito do Estado, acessado em 05/05/10: http://bit.ly/a0HlwD. ↩︎

  12. Data da publicação de seu livro Teoria dos pressupostos processuais e das exceções dilatórias, "Die lehe von den prozesseinreden um die prozessvoraussetzungen". ↩︎

  13. Cf. COSTA, Susana Henriques da. Condições da ação. São Paulo: Quartier Latin, 2005. ↩︎

  14. "A autonomia do direito de ação defendida por Wach não significa, porém, seja ele um direito abstrato, desvinculado do direito material. Ao revés, sustenta Wach que, exceção feita à hipótese da ação declaratória negativa, o direito de ação somente é conferido ao titular de um interesse real, isto é, decorre necessariamente da existência do direito material." LOPES, Ação declaratória, p. 35. ↩︎

  15. "A ação, defendia Wach, dirige-e contra o Estado, para que a dê, e contra o adversário, pra que a suporte. Sua idéia tem origem nas ações declaratórias, nas quais há supressão de um estado de incerteza (...), porém não há o atendimento a um direito subjetivo material. Logo, a pretensão à tutela jurídica não tem como pressuposto um direito. Mas, por outro lado, Wach achava que o autor tem pretensão favorável. Essa afirmativa equivale a dizer que ele tem razão (...). Foi relativa a autonomia concedida por Wach à ação, pois termina caindo no equívoco dos civilistas: não se poderia, mais uma vez, explicar as ações infundadas ou as demandas temerárias, quando o autor não é titular de direito material." ASSIS, Doutrina e prática (...), p. 29. ↩︎

  16. "A posição de Chiovenda é, assim, a um tempo, favorável à existência de um direito autônomo e concreto de ação." LOPES, Ação declaratória, p. 36. ↩︎

  17. "O seu erro reside em entender a ação como um direito frente ao réu e não contra o Estado. É inegável que se faz um pedido a órgão estatal que tem o dever de prestar jurisdição." ASSIS, Doutrina e prática (...), p. 31. ↩︎

  18. Para uma visão detalhada, ver: PACHECO, José da Silva. Evolução do processo civil brasileiro: evolução histórica, desde as origens até o advento de novo código, que deverá regular o processo do ano 2.000. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. ↩︎

  19. Sobre o fim do Império, destaca João Batista Lopes que "entre os grandes nomes do processo civil dessa época apontam-se Paula Batista, Joaquim Inácio Ramalho, Correia Telles, Pimenta Bueno e Ribas." E, sobre o início da República, o autor cita: "a influência da doutrina processual francesa sobre a maioria dos processualistas brasileiros cujos nomes mais importantes foram João Monteiro, Manuel Aureliano de Gusmão, Francisco Morato, João Mendes de Almeida Júnior, Espínola, Câmara Leal, Lopes da Costa, Odilon de Andrade etc." João Batista LOPES, Tutela antecipada (...), p. 19. ↩︎

  20. "Em 1850, no mesmo ano da promulgação do Código Comercial, teve vigência o Regulamento 737 que regulava a ordem do juízo apenas no processo comercial. O processo civil continuou regido pelas Ordenações Filipinas. Tivemos depois a Consolidação Ribas. A extensão do Regulamento 737 ao processo civil somente ocorreu em 1890, por obra do primeiro governo republicano. Após a Constituição Republicana de 1891, foi adotada no Brasil a dualidade de Justiças, criando-se a concorrência de competências da União e dos Estados membros para legislar sobre processo civil." GRINOVER e WATANABE, Recepção de institutos processuais civis, p. 145. ↩︎

  21. "Ivan foi o primeiro que o nosso estimado Prof. Egas encaminhou para a Itália, em 1969, dentro de projeto de sua gestão como diretor da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná, visando ao aprimoramento de jovens professores recém-ingressados na carreira. Era o início de um frutífero e duradouro intercâmbio com a Università degli Studi di Milano,onde à época Liebman lecionava e era diretor do Instituto di Diritto Processuale Civile, núcleo de estudos acadêmicos daquela universidade. Coincidentemente, no mesmo ano lá aportava Cândido Dinamarco, originário da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo onde Liebman lecionara a convite de Alfredo Buzaid durante a Segunda Guerra Mundial. Foi Liebman quem abriu as portas da célebre Statale milanesa para os estudantes brasileiros, os quais são até hoje fidalgamente recebidos pelos professores que o sucederam na cátedra, Giuseppe Tarzia e Edoardo Ricci." MELLO, Um professor emérito, p. 890. ↩︎

  22. "Foi sobretudo com a chegada e estadia (sic) em São Paulo do processualista italiano Enrico Tullio Liebman, durante a II Guerra Mundial, que a doutrina processual brasileira absorveu e elaborou as modernas conquistas do direito processual civil da Itália e da Alemanha. Começava no Brasil a fase científica do direito processual, em que se construíram os grandes institutos processuais e seus conceitos fundamentais. Autores como Chiovenda, Redenti, Carnelutti, Calamandrei e o próprio Liebman, ao lado de processualistas alemães como Von Bülow, Schwartz, Hellwig, Rosenberg, deixaram sua marca indelével na ciência processual brasileira." GRINOVER e WATANABE, Recepção de institutos processuais civis, p. 146. ↩︎

  23. Posteriormente, o próprio Liebman viria a sustentar que a possibilidade jurídica do pedido não é uma condição da ação -- o que é irrelevante ao nosso interesse porque não altera a estrutura intelectual de sua proposta. De toda forma, vale o registro que somente agora, com o projeto do Novo CPC, essa atualização deve vir a ser refletida na lei brasileira. Diz sua exposição de motivos: "Com o objetivo de se dar maior rendimento a cada processo, individualmente considerado, e, atendendo a críticas tradicionais da doutrina, deixou, a possibilidade jurídica do pedido, de ser condição da ação. A sentença que, à luz da lei revogada seria de carência da ação, à luz do Novo CPC é de improcedência e resolve definitivamente a controvérsia." ↩︎

  24. DINAMARCO, Fundamentos (...), I, p. 32. ↩︎

  25. ASSIS, Doutrina e prática (...), p. 35. ↩︎

  26. DINAMARCO, Fundamentos (...), I, p. 37. ↩︎

  27. "Importa ressaltar que, a rigor, essa tendência não é recente, como se pode confirmar, por exemplo, em obras escritas. Há mais de 50 anos como a clássica "Processo, Ideologias, Sociedade" de Mauro Cappelletti." João Batista LOPES, Princípio da proporcionalidade, p. 134. ↩︎

  28. Contudo, o maior impacto dessa iniciativa é relativamente recente. Tanto é que o próprio autor assevera: "Dentre as tendências atuais do processo civil, avulta a chamada constitucionalização do processo, que não deve ser vista, necessariamente, como criação de nova disciplina em nossas já sobrecarregadas grades curriculares, mas sim como novo modo ou forma de estudar o processo (...). A constitucionalização do processo significa que o estudo dessa disciplina deve ter como ponto de partida e de chegada a Constituição Federal, que, em vários dispositivos, consagra princípios e estabelece garantias processuais." João Batista LOPES, Tutela antecipada (...), p. 27. ↩︎

  29. "Daí por que se concluir que o processo não constitui mero instrumento técnico, mas se reveste de marcada função social, em harmonia com o sistema constitucional." LOPES*, Ação declaratória*, p. 45. ↩︎

  30. Cf. O melhor exemplo dessa modificação está na exposição de motivos do Projeto de Novo Código de Processo Civil, que registra inspiração em: COMOGLIO, Luigi Paolo. "Giurisdizione e processo nel quadro delle garanziecostituzionali. Studi in onore di Luigi Montesano", v. II, p. 87-127, Padova, Cedam, 1997, p. 92; e ANDOLINA, Italo; VIGNERA, Giuseppe. "Il modello costituzionale del processo civile italiano: corso di lezioni". Turim: Giapicchelli, 1990). ↩︎

  31. A politização do judiciário é tema do embate entre o ativismo; e o garantismo judicial. Esse assunto é muito discutido no cenário latino-americano, embora nem tanto no Brasil, onde o estudo processual dogmático ignora a dimensão política da atividade judicial. Praticamente toda aproximação feita ao processo brasileiro parte das categorias de matriz conceitualista, o que dificulta entender o próprio debate internacional. Glauco Gumerato Ramos é dos poucos que traz a questão ao Brasil e assim define: "Para o ativismo, o juiz deve atuar de maneira a resolver problemas no curso do processo, e isso independente da diligência da parte em postular pelas respectivas soluções, haja ou não autorização legislativa para a sua atuação. Para o garantismo, o processo é um método no qual o resultado dependerá do efetivo debate entre as partes e de sua diligência em melhor manejar a respectiva atividade." Essa é uma divisão entre os ativistas, que defendem o juiz como criador de soluções (Augusto Mario Morello e Jorge Peyrano - Argentina); e os garantistas, que defendem o processo como método (Juan Montero Aroca - Espanha; Adolfo Alvarado Velloso - Argentina; Franco Cipriani - Itália; inspirados em Luigi Ferrajoli). Na Itália, existe também um embate acirrado entre os revisionistas (Franco Cipriani e Girolamo Monteleone), que defendem uma reforma do seu CPC datado de um período autoritário; e os negacionistas (Proto Pisani e Sergio Chiarloni), que dispensam sua revisão diante da Constituição de 1948. A divisão dos doutrinadores italianos é motivada por uma posição ideológica, consistente em que os revisionistas acusam os negacionistas de darem continuidade ao autoritarismo fascista por meio de posturas de esquerda. (RAMOS, Ativismo e garantismo no processo civil (...), p. 8 a 15). Este tipo de discussão está praticamente ausente do pensamento processual brasileiro, que continua a apresentar um discurso ideológico garantista com se fosse um discurso racional, o que empobrece o debate. ↩︎

  32. Cf. MOREIRA, José Carlos Barbosa. Temas de Direito Processual (...). ↩︎

  33. . FIGUEIRA JR., Comentários à Novíssima Reforma do CPC", p. 53. ↩︎