Flannery & Marcus e as origens da desigualdade política
Kent Flannery e Joyce Marcus são arqueólogos que trabalharam extensivamente a arqueologia política das sociedades pré-colombianas no México, especialmente na região de Oaxaca. No livro "The Creation of Inequality" (2012), eles buscam responder à questão que foi desenvolvida por Rousseau em seu célebre ensaio Discurso sobre a Desigualdade: se todos nascemos iguais, como podemos estar em uma situação de tal desigualdade nos dias de hoje?
Sua resposta articula uma literatura imensa sobre antropologia e, especialmente, sobre a forma como achados arqueológicos podem nos ajudar a compreender estruturas sociais de comunidades antigas. Essas observações permitem a construção de uma narrativa coesa, que explica como foi possível criar governos e, com isso, abrir espaço para instituições como a monarquia, a escravidão e o império.
O fim da Era Glacial
O texto começa estabelecendo um início para a narrativa da criação da desigualdade, que é fixado cerca de 15.000 A.C. Por que essa data? A escolha dos autores foi pela datação das culturas madalenianas, que ocuparam as cavernas de Lascaux na França e de Altamira na Espanha, onde elas pintaram " scenes of deer, bison, mammoth, humans carrying bows, and humans and animals penetrated with arrows".
Antes desse momento, os seres humanos certamente já tinham cultura e linguagem. Os primeiros indícios arqueológicos que indicam a presença inequívoca de cultura são ornamentos e sepulturas que datam de cerca de 80.000 anos. Manifestações artísticas como esculturas de pessoas datam de cerca de 25.000 anos. Porém, faz apenas cerca de 15.000 anos que encontramos vestígios semelhantes aos que são produzidos pelas culturas que sobreviveram até os nossos dias.
Segundo Flannery e Marcus, "even the most cautious archaeologists concede that the Magdalenians must be considered fully equivalent to the hunting-and-gathering groups of the recent past", os quais foram descritos pelos antropólogos do século XX. Portanto, trata-se de grupos humanos que tinham um desenvolvimento técnico e cultural compatível com os de outras organizações sociais que se mantiveram estáveis nos milênios posteriores.
Porém, Flannery e Marcus vão além do reconhecimento dessa compatibilidade e indicam que "most observers agree that the behavior of the Magdalenians reflects a mind as fully modern as the one possessed by the archaeologists who dig them up". Por maiores que sejam as diferenças entre as organizações sociais madalenianas e as nossas, ambas envolvem culturas nas quais a integração social de pessoas que não fazem parte do mesmo núcleo familiar é realizada por meio de rituais, da religião e da arte. Os vestígios arqueológicos sugerem que elementos que formam as nossas sociedades estavam presentes entre os madalenianos e que, portanto, faz sentido perguntar os motivos pelos quais grupos posteriores desenvolveram formas de sociabilidade na qual houve a introdução de uma diferença substancial entre governantes e governados.
Segundo Flannery e Marcus, culturas anteriores à madaleniana eram provavelmente igualitárias, mas não faz tanto sentido compará-las com as sociedades atuais, visto que a sua complexidade cultural não era compatível com das sociedades que sobreviveram no Holoceno, cujo início é marcado pela revolução agrícola. Porém, as formas de organização dos povos madalenianos, cerca de 15.000 AC, serviriam como um ponto de partida para buscar as origens da desigualdade, especialmente porque podemos identificar nelas uma variedade de formas de organização.
Começando iguais?
Flannery e Marcus indicam que as sociedades anteriores às madalenianas não têm vestígios claros que indicam desigualdade. Por isso, supomos que elas eram politicamente igualitárias, no sentido de que não havia uma distinção estruturada entre governantes e governados, nem entre grupos sociais de hierarquia diferenciada. Tal como nas sociedades indígenas descritas por Clastres, pode existir dentro delas distinções de prestígio entre as pessoas, que conduzem a que certos indivíduos desempenhem um papel de liderança, mas essa liderança não pode ser confundida com a autoridade política que vieram a ter os chefes, reis e imperadores.
Pouco antes da época em que Pierre Clastres fez os seus estudos, antropólogos documentaram em várias partes do globo sociedades de caçadores-coletores que eram também igualitárias. A partir desse momento, consolidou-se a interpretação de que as sociedades humanas arcaicas eram também igualitárias, visto que elas também tinham uma economia baseada na caça e na coleta (McCall e Widerquist).
A tese de que a igualdade política era uma característica das sociedades de caçadores-coletores está na base dos argumentos de Flannery e Marcus, que buscam estabelecer a transição de sociedades igualitárias para sociedades politicamente desiguais (ou seja, sociedades com governo). Essa é uma narrativa que assume que os caçadores-coletores tinham uma estrutura igualitária e que as sociedades se tornaram desiguais a partir da introdução da agricultura.
McCall e Widerquist argumentam que a generalização do caráter igualitário da sociedades de caçadores-coletores é incorreta, indicando que ela foi contestada ao longo dos anos 1980 e 1990, especialmente pela indicação de que as relações políticas das sociedades de caçadores-coletores apresenta uma variação maior do que a suposta pelos estudos etnográficos anteriores. Essas críticas se basearam em pesquisas que, a partir do final dos anos 1960, indicaram que várias sociedades de caçadores-coletores (tanto contemporâneas quanto antigas) tinham graus consideráveis de desigualdade e que elas tinham contatos com sociedades de agricultores que eram suas contemporâneas.
O reconhecimento dessa variabilidade e da coexistência entre coleta e agricultura, em regiões próximas, desencadeou uma nova chave de interpretação: o igualitarismo não deveria ser pensado como uma caracterísitica necessária das sociedades de caçadores coletores, mas como uma espécie de variação cultural que era adaptada a certos contextos ecológicos e demográficos (McCall e Widerquist).
As primeiras explicações que tentaram lidar com essa complexidade chamaram atenção para o fato de que sociedades igualitárias tendiam a ter mecanismos de compartilhamento de alimentos, que tiveram um caráter adaptativo porque permitiram lidar com o risco inerente às sociedades baseadas na caça de grandes animais. Flannery e Marcus dão um exemplo bastante eloquente desse tipo de compartilhamento, existente entre esquimó Caribou, que foram estudados pelo antropólogo Kaj Birket-Smith entre 1921 e 1924, e que tinham uma dieta semelhante à dos povos madalenianos.
Men built igloos in winter, hunted, fished, and drove sled dogs; women built tents in summer, tended fires, and tailored clothing from skins. As with so many foragers, no one amassed a surplus. No one claimed exclusive rights to the land. Traps and weirs were communal property. During famines, all food was shared with neighbors. After a successful hunt, the actual slayer of each caribou was identified by the markings on his arrow. The meat was then divided by rule, with the slayer receiving the frontal portion and his hunting companions the rest.
So crucial was food sharing that the Eskimo used ridicule to prevent hoarding and greed. Anyone who has seen Eskimos singing satirical songs about greedy individuals or dancing in masks to ridicule stingy neighbors realizes the crucial role that humor plays in human society. [...]
Life in the Arctic was stressful, but the behaviors just described are not unusual for a clanless society. It was a truly egalitarian society in which the slightest attempt to hoard or put oneself above others was discouraged. [...]
O exemplo dos Caribou mostra a relevância da partilha de alimentos, mas outros povos, como os Netsilik, desenvolveram sistemas ainda mais complexos de compartilhamento (Flannery e Marcus, 2012):
We come now to a very important Netsilik social strategy called niqaiturasuaktut. That awesome word is the name of a Netsilik meat-sharing partnership [...]. Early in the life of a Netsilik boy, his mother chose for him a group of male partners, ideally 12. Close relatives and members of the group who camped with the boy’s family were not eligible; his mother’s goal was to choose individuals who, under ordinary circumstances, would have no close relationship with her son.
Eventually the time came when the boy in question had become a hunter. Waiting silently by a breathing hole in the ice, he saw his chance and harpooned a seal. Ritual demanded that the animal be placed on a layer of fresh snow before being carefully skinned. [...] Next, the harpooner’s wife cut the seal open lengthwise and divided the meat and blubber into 14 predetermined parts. Twelve of these parts would go to the partners chosen for him. The last two parts, the least desirable, would go to the harpooner himself. The first partner—addressed by the term okpatiga,“my hindquarters”—would receive the okpat or hindquarters of the seal. The second partner—addressed by the term taunungaituga, “my high part”—would receive the taunungaitok or forequarters. Subsequent partners received the lower belly, the side, the neck, the head, the intestines, and so on. […]
Let us now consider the implications of seal-sharing partnerships. The Netsilik did not have clans or, for that matter, any social grouping larger than the extended family. Clearly, however, they felt the need for a widespread network of allies on whom they could rely to share resources when they were scarce. They created such a network using only their language and the magical power of the name, choosing respected acquaintances to be their sons’ “hindquarters,” “kidneys,” and so forth. And once that network was operating, they allowed parts of it to become hereditary.
Twelve meat-sharing partners is admittedly a small group compared to a clan. But when we consider how many partnerships there were, and the likelihood that a set of brothers might belong to several, we can picture a mutual aid network covering thousands of square miles. [...].
Tanto Flannery e Marcus como McCall e Widerquist indicam que esse tipo de organização proporcionava uma redução de riscos, compatível com o fato de que o sucesso na caça de animais grandes oferece à família do caçador mais alimento do que ela é capaz de consumir imediatamente e que as estratégias de compartilhamento permitem uma mitigação dos riscos (decorrentes de doenças ou de má-sorte, por exemplo) e permitem que a população permaneça alimentada, mesmo frente a insucessos individuais. Essas redes de compartilhamento eram proveitosas mesmo para os caçadores mais aptos, visto que tinham grande utilidade no longo prazo e que o prestígio alcançado pelo compartilhamento de muita caça tinha impacto positivo na capacidade de acasalamento dos caçadores (McCall e Widerquist).
Embora essas sociedades tipicamente tenham estruturas igualitárias, eles postulam a diferenciação de dois tipos de igualitarismo:
- Igualitarismo fraco: existente nas sociedades em que não há diferenças de riqueza, poder e status, mas que também não têm estruturas sociais voltadas especificamente a manter essa igualdade;
- Igualitarismo forte: existente nas sociedades em que a igualdade é acoplada a uma série de normas que institucionalizam essa igualdade.
Para usar a terminologia de Clastres, o igualitarismo fraco seria o de sociedades sem Estado, enquanto o igualitarismo forte seria das sociedades contra o Estado, que impõem estritamente um igualitarismo. Embora McCall e Widerquist reconheçam que não há indícios de que sociedades muito antigas tivesse uma diferenciação muito grande entre seus indivíduos (sendo, portanto, igualitárias), eles sugerem também que as formas de igualitarismo forte que marcam as sociedades de caçadores-coletores que sobreviveram até o século XX devem ser vistas como um fenômeno relativamente novo, pois elas são baseadas na imposição normativa da igualdade que parece ligada com a manutenção de estruturas igualitárias em contextos nos quais haveria uma pressão demográfica e ecológica para a adoção de sociedades com governo.
Por isso, embora seja razoável pensar que as sociedades de mais de 15.000 B.C tivessem estruturas basicamente igualitárias, não parece razoável projetar essas formas de igualitarismo forte para períodos anteriores. Inobstante, existem indícios de que alguns dos povos madalenianos já tinham estruturas sociais compatíveis com a divisão da sociedade em grupos com hierarquia social diferenciada. Isso faz com que possamos nos perguntar: o que permitiu que, há cerca de 15.000 anos, emergissem sociedades nas quais as pessoas pertenciam a grupos hierarquicamente diversos?
O início da desigualdade
A variedade de formas de organização entre os caçadores coletores tem sido ressaltada inclusive entre os madalenianos, que foram escolhidos por Flannery e Marcus como o ponto de partida igualitário, para discutir o surgimento da desigualdade. Pesquisas atuais sobre a organização política das culturas madalenianas apontam para uma grande variedade de formas de organização.
Embora o estudo de vestígios arqueológicos seja uma evidência limitada, é uma das nossas poucas ferramentas para estudar as sociedades pré-históricas. Rebeca Schwendler indica que "different kinds of social organization generally involve the use of certain distinguishing kinds of visual displays" e que uma das diferenças encontradas entre vários sítios arqueológicos é o da existência de uma multiplicidade de adornos pessoais, ferramentas decoradas e outros elementos visuais (visual display). Segundo Rebeca Schwendler :
Through such tangible items, people demonstrate their individual identities and skills, group membership, social standing, social ties, and other roles and relationships. At a larger scale, households, settlements, and whole societies may distinguish themselves from others by using different colors, decorative motifs,and/or object forms."
Pesquisas etnográficas indicam que sociedades com igualitarismo forte, chamados por Schwendler de enforced equality, desencorajam a competição inter-individual, tendem a usar poucos sinais visuais e os adornos são heterogêneos, fortemente individualizados, sem indicação de que eles servem para indicar prestígio ou status.
Já as sociedades que se aproximam das sociedades indígenas descritas por Clastres, não possuem governo, mas contam com intensas dinâmicas de prestígio social, estando ligadas ao que Schwendler designa como achievement inequality e que Flannery e Marcus chamam de achievement based leadership: liderança baseada nos "feitos" individuais que conferem prestígio a uma determinada pessoa. Em sociedades desse tipo, um dos meios de adquirir (ou apenas demonstrar) um status social diferenciado é o de investir suas riquezas em bens não-essenciais, como adornos especialmente difíceis de se conseguir ou produzir.
Além dessas formas de organização, Shwendler indica que antigas sociedades de caçadores-coletores, como os Madgalênicos, podiam desenvolver sociedades com hierarquia institucionalizada, algo que Flannery e Marcus não indicam. Esse tipo de organização seria possível em situações nas quais a combinação de alta densidade populacional e riquezas naturais poderiam ter hierarquias que instituíssem a divisão entre governantes e governados, com a segmentação social em grupos de ornamentos que não são apenas diversos, mas diversamente desejáveis. A presença de grupos estáveis de ornamentos com níveis muito diversos sugere que certos grupos teriam autorização para utilizar ornamentos que manifestam sua pertinência a um grupo de níveis sociais mais altos. Outra manifestação desse tipo de sociedade é a existência de enterros muito elaborados de pessoas jovens demais para alcançar prestígio pessoal, o que indica que eles participam do prestígio de um grupo institucionalizado.
Com esses critérios, Schwendler analisa vários assentamentos madalenianos e mostra que, em períodos distintos, houve não apenas sítios de igualdade imposta e de lideranças baseadas em prestígio, mas também sociedades com hierarquia social estabelecida. A interpretação indicada é a de que as sociedades baseadas em prestígio conduzem a uma competição constante entre as pessoas que pretendem ocupar espaços de liderança e que a estabilização desse tipo de tensão pode ser conseguida, em certos casos específicos, por meio da diferenciação de estamentos sociais. Essa interpretação é coerente com o fato de que sinais de hierarquia institucionalizada tendem a ocorrer em locais com populações estáveis durante longos períodos, o que conduz a uma densidade maior.
Explicação demográfica x Explicação sociológica
Essas abordagens indicam que, no período madaleniano, havia espaço para sociedades baseadas em prestígio e mesmo sociedades com grupos sociais hierarquicamente diferenciados. Portanto, diversamente das interpretações típicas de meados do século XX, devemos reconhecer que a organização igualitária não decorre diretamente das estruturas sociais ligadas à caça e à coleta, mas das interações ambientais e das estruturas internas da sociedade, especialmente de seus elementos demográficos.
Segundo Flannery e Marcus, a explicação mais aceita para explicar as mudanças ocorridas no final da Era Glacial estão ligadas à identificação de um crescimento populaciononal que gerou sociedades com uma densidade maior do que as que havia antes.
One popular view holds that growing population density was the reason. Proponents of this view argue that the ability to generate art, music, and symbolic behavior was probably there throughout the Ice Age but remained latent as long as people were expanding into unoccupied wilderness. Once the world had become more extensively occupied by groups of hunters and gatherers, or so the argument goes, there would have been increasing pressure to use symbolism in the creation of ethnic identities and cultural boundaries. After all, one of the activities that regulate interaction among neighboring ethnic groups is ritual, and ritual often involves art, music, and dance. (Flannery e Marcus, 2012)
Embora reconheçam que houve de fato um incremento populacional acentuado no fim da Era Glacial, Flannery e Marcus indicam que havia também outro processo em curso, que explicaria melhor o fato de que as evidências de comportamento simbólico são muito descontínuas, aparecendo fortemente em alguns locais, mas não em outros.
It has to do with an important difference between two types of hunting-gathering groups, recently emphasized by anthropologist Raymond Kelly. The difference hinges on whether a group of foragers has, or does not have, permanent social groups larger than the extended family [...]
[Some] societies had both nuclear families and extended families, but the extended families rarely persisted beyond the death of the parental pair. Most significantly, families were not grouped into larger units of the type anthropologists refer to as clans or ancestor-based descent groups.
Other foraging societies, however, did feature larger units, each of which contained many families. [...] Essentially they created large groups of people who claimed to be related, whether this was true or not. […]
The division of a society into such units can take many forms. Sometimes each unit reckons descent through one gender only, either the father’s line or the mother’s. Early anthropologists, needing a term for such multigenerational units, borrowed the word “clan” from the ancient Scottish Highlanders. In other cases, one social unit may reckon descent from a real or mythical ancestor, without weighing one gender more heavily than the other. Both clans and ancestor-based descent groups can be made up of smaller units called lineages.
Nas achievement based societies, existe uma competição entre indivíduos pelos lugares de liderança, pelo predomínio de prestígio. Essas lutas podem gerar tensões, mas que tendem a ter um impacto mais limitado do que a competição entre clãs, que não se encerra com a morte das pessoas dotadas de prestígio.
Assim, a explicação de Flannery e Marcus aponta para uma solução compatível com as evidências citadas até aqui: nas sociedades de caçadores coletores que não têm grupos maiores do que a família estendida (ou seja, não têm clãs multifamiliares), é provável que haja estabilização na forma de um igualitarismo fraco ou de um igualitarismo forte. É mesmo possível o desenvolvimento de certas lideranças baseadas em prestígio, desde que elas não busquem transformar esse prestígio em poder.
Todavia, as sociedades que adotam uma forma clânica conseguem promover formas de integrar uma quantidade substancialmente maior de indivíduos, por meio de um processo que é baseado no fortalecimento dos laços simbólicos entre os indivíduos.
Why would the creation of multigenerational lineages and clans during the late Ice Age have escalated the use of art, music, dance, and bodily ornamentation? The answer is, although one is born into a family, one must be initiated into a clan. That initiation requires rituals during which clan secrets are revealed to initiates, and they undergo an ordeal of some kind. To be sure, even clanless societies have rituals, but societies with clans have multiple levels of ritual, requiring even more elaborate symbolism, art, music, dance, and the exchange of gifts. […]
We suggest, therefore, that even without the pressures of growing Ice Age populations, the creation of larger social units would have escalated symbolic behavior — in effect, launching the humanities. This scenario could explain why the archaeological evidence for symbolic behavior appears at different moments in different regions. Simply put, not all Ice Age societies made the transition to units larger than the extended family. [...]
The advantages of clan-based society may even tell us something about the disappearance of the Neanderthals. Neanderthals displayed low population densities and show no archaeological evidence for social units larger than the extended family. In face-to-face competition for territory, they probably stood little chance against archaic modern humans organized into clans. We find this likely because by the twentieth century, most hunting-gathering societies without clans had been relegated to the world’s most inhospitable environments. They were pushed there by groups with more complex social organization. [...]
Before we begin congratulating our Ice Age ancestors for creating clans, however, bear in mind the fact that they had taken a step with unintended consequences. Clans have an “us versus them” mentality that changes the logic of human society. Societies with clans are much more likely to engage in group violence than clanless societies. This fact has implications for the origins of war. Societies with clans also tend to have greater levels of social inequality. Later in this book we will meet societies in which clans are ranked in descending order of prestige and compete vigorously with each other. The germ of such inequality may have been present already in the late Ice Age. (Flannery e Marcus, 2012)
Do prestígio ao governo
Segundo Flannery e Marcus, as sociedades estruturadas em torno de lideranças com grande prestígio são uma das formas mais estáveis de organização social que conhecemos e elas se expandiram muito com a adoção da agricultura.
At the start of the twentieth century, village societies with achievement-based leadership were among the most common in the world. They were remarkably stable societies, made up of descent groups that exchanged brides and gifts, honored their ancestors, considered everyone equal at birth, yet threw their support behind gifted kinsmen who sought to achieve renown.
Such societies were also widespread in prehistory; we probably all have ancestors who lived in one. Once you know what to look for, you can identify them in the archaeological records of the Near East, Egypt, Central and South America, North America, and Africa. Achievement-based societies became common as soon as each of those regions had adopted agriculture and village life.
Trata-se de sociedades que ocorrem em meios com uma relativa disponibilidade de riquezas naturais, que permitem a sobrevivência dos grupos com uma quantidade limitada de trabalho, o que permite que as pessoas desloquem parte relevante de seus esforços para participarem dessas dinâmicas de prestígio intra-grupal. A vantagem dessa forma de organização é a garantia de que as posições de liderança sejam ocupadas por pessoas especialmente capazes de exercer essa função.
Nas sociedades com hierarquia social definida, o governo não depende da capacidade pessoal do governante, mas apenas de sua pertinência ao clã predominante. E, tal como Clastres as definiu, elas têm estruturas voltadas a resistir contra a sua transformação em uma sociedade hierarquizada. Porém, a força dessas estruturas ligadas a institucionalizar o igualitarismo é testemunha da existência de pressões sociais no sentido de converter o prestígio de certos líderes em um prestígio clânico capaz de impor o predomínio intergeracional de um clã determinado.
Many agricultural village societies resisted every attempt to increase inequality. They found a way to let talented people rise to positions of prominence while still preventing the establishment of a hereditary elite. The balance they struck between personal ambition and the public good allowed their way of life to endure for centuries. […]
In many parts of the ancient world, archaeologists can point to periods when society remained remarkably stable for hundreds upon hundreds of years. Often, following further investigation, that stability turns out to have been the product of achievement-based, politically autonomous village societies.
A group’s initial attempts to create hereditary nobility, on the other hand, could bring on great instability. The contradictions in social logic between privilege and equality could result in years of oscillation and even bloodshed. (Flannery e Marcus)
Embora as sociedades de prestígio ofereçam muita resistência a se cristalizarem a predominância de um determinado clã, há contextos nos quais essa estratificação se impõe contra os princípios igualitários e cedem aos esforços de certos grupos no sentido de "serem considerados e tratados como superiores":
Whatever the supporting role of factors such as population growth, intensive agriculture, and a beneficent environment, hereditary inequality does not occur without active manipulation of social logic by human agents. (Flannery e Marcus, 2012)
O argumento de Flannery e Marcus sugere que a estratificação da desigualdade não decorre naturalmente do crescimento populacional. Uma certa densidade demográfica está ligada à emergência de grupos multifamiliares capazes de oferecer integração a sociedades maiores, mas é também resultado da existência de elementos sociais que possibilitam esse aumento de forma controlada. Porém, a transformação de um dos grupos dotados de prestígio em um grupo hierarquicamente superior não é uma decorrência necessária do crescimento populacional.
Seguindo uma proposta do antropólogo Jonathan Friedman, Flannery e Marcus indicam que esse tipo de prevalência clânica pode emergir em contextos nos quais um dos clãs se torna capaz de produzir achievements de forma tão constante que ele passa a ser percebido, ao longo do tempo, como favorecido pelos deuses. Uma dessas formas está possivelmente ligada a contextos belicosos nos quais a existência de lideranças guerreiras fortes pode ser um elemento especialmente importante para a manutenção de uma forma social determinada.
Flannery e Marcus acentuam que as sociedades igualitárias e prósperas têm pouca tolerância a desigualdade de riquezas, o que dá margem à várias estratégias redistributivas, que impedem a concentração de riqueza e de poder. Por mais que seja previsível que essas salvaguardas sejam bastante efetivas, tampouco é difícil imaginar que houve situações nas quais o prestígio prolongado no tempo tenha gerado a percepção social do favorecimento de um clã, e não apenas de indivíduos.
Essa estratificação gera a figura do chefe: um governante que exerce poder sobre os demais membros de uma comunidade e que pode transferir esse poder para outros membros do seu clã, gerando segmentações sociais intergeracionais. Esse tipo de arranjo traz novos problemas: tensões internas, possibilidade de lideranças fracas, que estimulam luta interna pelas funções de prestígio dentro dos clãs dominantes. Porém, ele traz também uma das inovações sociais mais importantes: a criação de um governo capaz de centralizar a ação coletiva e, com isso, maximizar o uso dos recursos disponíveis por uma sociedade. A existência do governante pode aumentar a prosperidade social e a capacidade bélica de uma sociedade.
Acemoglu e Robinson ressaltam que a interpretação tradicional indica que a Revolução Agrícola criou as bases de uma nova demografia, que por sua vez deram margem ao surgimento de hierarquias sociais, mas que essa narrativa colide com o reconhecimento de que sociedades de caçadores-coletores já tinham institucionalizado a desigualdade (2012). Com isso, eles invertem a explicação, em um sentido próximo do de Flannery e Marcus: foram alterações sociais, que envolveram concentração de poder em uma elite, que possibilitaram a sedentarização e a revolução agrícola.
Tanto nos relatos de Flannery e Marcus como nos de Acemoglu e Robinson, há um reconhecimento da prioridade dos elementos de organização social nas formas políticas. Se essas narrativas estão corretas, a existência de governantes e governados não é natural do ser humano nem é uma decorrência necessária de certos aumentos na produção ou na densidade demográfica, mas é uma adaptação que cria as bases para a formação de sociedades mais amplas, mais eficientes na utilização dos recursos disponíveis tanto para a prosperidade econômica quanto para o poder bélico.
Parece que é a centralização do poder decisório, rompendo as salvaguardas igualitárias das sociedades anteriores, que cria as formas de sociedade nas quais a distinção entre governantes e governados possibilita uma utilização estratégica de todos os recursos disponíveis e, com isso, gera a possibilidade de uma adaptação social mais rápida e efetiva do que a proporcionada pelas sociedades baseadas exclusivamente na tradição.