Filosofia e mudança social
1. As perguntas da filosofia
Como disse Rorty, a importância da filosofia tende a ser reconhecida “quando as coisas parecem estar desmoronando” (Rorty, 2005, p. 247). Em temos de relativa estabilidade social, quando não existem muitas dúvidas sobre o caminho correto a seguir, o filósofo se torna uma figura marginal, como aconteceu em boa parte do século XIX, época em que o iluminismo se tornou uma espécie de tradição hegemônica.
Porém, quando uma pandemia gera um contexto que desafia nossas estratégias usuais, precisamos refletir sobre uma série de questões que não eram problematizadas no contexto anterior: pode um governador declarar lockdown de uma cidade inteira? Quando a China isolou a cidade de Wuhan, o mundo ficou perplexo e muitos imaginamos que isso somente seria impossível nas democracias ocidentais. Quando a Itália isolou o país inteiro, essa medida parecia insólita, e logo se tornou normal. Um novo normal, como tem sido tão repetido ultimamente.
Nesse novo normal, será que devemos abdicar de nossas liberdades para que um Estado forte seja capaz de garantir nossa vida e nossa saúde? Será que o colapso hospitalar legitimaria a estatização dos hospitais ou a gestão pública das UTIs privadas? Pode um governo criar passes livres para as pessoas que já desenvolveram anticorpos? Deve ser considerado ilícito que empregadas domésticas fiquem isoladas nas casas de seus patrões? Como podemos gerir, de modo legítimo, a fila de UTIs durante um colapso hospitalar?
Essas são perguntas cruciais, mas não são perguntas da filosofia. São perguntas do Direito: que direitos e deveres nós temos nesse contexto atípico? Trata-se de questões que a filosofia não tem como nem por que responder. O que interessa de fato à filosofia é que as novas respostas a essas questões podem evidenciar mudanças importantes nas nossas formas de ver o mundo. Pode ser que as pessoas abandonem o conceito de emprego, que hoje é tão importante, mas que cem anos atrás era compreendido a partir do vínculo civil de prestação de serviço. Talvez perca relevância a noção de jornada de trabalho, como forma de medir a extensão dos serviços a serem prestados. Pode ser que a percepção social dos riscos sanitários altere nossas noções de liberdade. Mas também é possível a presente emergência sanitária não modifique substancialmente as categorias por meio das quais descrevemos e avaliamos o mundo.
A filosofia se interessa especialmente pelos modelos conceituais que utilizamos para explicar o mundo que nos cerca. Quando um sociólogo se pergunta “quais são as práticas sociais legítimas?”, ele normalmente quer saber quais são os padrões de comportamento efetivamente aceitos em uma certa comunidade. Quando um jurista faz a mesma pergunta, ele tipicamente deseja saber quais são os padrões obrigatórios de conduta dentro dessa comunidade. Já os filósofos contemporâneos tipicamente não buscam saber o que fazemos (tarefa que ficou a cargo dos cientistas), nem determinar o que devemos fazer (tarefa que ficou a cargo dos juristas), mas investigar com cuidado quais são os modos pelos quais explicamos discursivamente o mundo e justificamos retoricamente nossas decisões.
Os filósofos antigos não tinham essa preocupação concentrada nos discursos, que somente se tornaram o objeto principal da filosofia no início do século XX. Na antiguidade, os filósofos buscavam descobrir a verdade, por meio do uso criterioso da razão. Os antigos filósofos gregos identificaram que havia um descompasso entre as percepções hegemônicas e o conhecimento verdadeiro, sendo que muitas das opiniões socialmente compartilhadas não passavam de simulacros: de ideias falsas com aparência de verdade. As ideias absurdas não eram tão perigosas, porque elas eram facilmente detectáveis. Mas falsidades verossímeis podem conduzir uma comunidade ao desastre, na medida em que elas nos oferecem diagnósticos equivocados e terapêuticas inúteis ou mesmo nefastas.
O espetáculo midiático que envolve a presente pandemia parece corroborar a antiga tese de que vivemos imersos em sombras. A cada semana aparece um novo remédio milagroso, que logo se mostra ineficaz. A cada dia aparecem pesquisas científicas com conclusões inovadoras, mas que são refutadas por pesquisas mais sólidas realizadas na semana seguinte. Governos adotam políticas com base nas intuições dos governantes e nos seus interesses eleitorais, deixando de lado as poucas evidências que parecem sólidas. Lemos os jornais e não temos critérios adequados para diferenciar o que é verdade do que é fake news.
A Pandemia de Covid-19 nos deixou imersos em um grande sentimento de incerteza. Não sabemos diferenciar claramente o que é verdade e o que é simulacro. Não sabemos se o distanciamento social é a estratégia adequada. Não sabemos qual é a distância segura que devemos manter. Não sabemos com clareza quais são os riscos envolvidos na reabertura das escolas. Não temos certezas sobre os nossos mapas, sobre as nossas bússolas, sobre os nossos protocolos e procedimentos. Quando a incerteza chega a esse grau absurdo que enfrentamos no início de 2020 (e que continuamos enfrentando mais de um ano depois...), resta clara a importância de nos voltar para a filosofia e para seu milenar exercício de separar as verdades dos simulacros.
No caso específico do direito, não sabemos como as instituições judiciárias deveriam reagir a esse momento de crise. Não temos certeza sobre a competência dos juízes para decretar medidas de isolamento, pela necessidade de proteger a vida e a saúde das pessoas. Tampouco sabemos se os magistrados deveriam se abster de avaliar as determinações de reabertura do comércio, em respeito à autonomia das autoridades eleitas.
Frente a essa multiplicidade de dúvidas severas sobre quais são as melhores formas de tomar decisões adequadas ao nosso tempo, pareceria razoável concluir que deveríamos nos dedicar com mais afinco ao estudo da filosofia do direito.
Entretanto, esse diagnóstico me parece equivocado, por estar ligado à concepção grega de filosofia, entendida como um caminho seguro para alcançar as mais fundamentais. Minhas influências filosóficas estão ligadas ao historicismo e à filosofia da linguagem, o que me faz pensar que o filósofo não é o melhor profissional para ensinar aos juristas sobre as melhores formas de tomar decisões: sobre as melhores formas de governo, sobre as metodologias científicas mais adequadas, sobre os cânones hermenêuticos a serem adotados.
Creio que a inconsistência deste diagnóstico fica mais clara quando transitamos para o campo das artes. Não parece muito promissora a ideia de que um filósofo poderia ensinar a um artista sobre as melhores formas de compor músicas. Existe uma dúvida grande na sociedade contemporânea sobre o que deve ser considerado arte e, por isso, seria proveitoso convidar os filósofos para dialogar com os artistas sobre os critérios que deveríamos usar para diferenciar a arte da não-arte (artesanato, produções técnicas, entretenimento, propaganda, etc.). Porém, não parece que o estudo da filosofia da arte auxiliaria um artista a desenvolver melhores meios de expressão.
Isso não significa que a filosofia seria inútil para o artista, mas apenas que ela não auxiliaria diretamente um músico em seu processo criativo. A filosofia pode auxiliar um músico a avaliar a originalidade de sua produção e a compreender melhor o modo como ela dialoga com outras obras e outras linguagens. O desenvolvimento de uma consciência filosófica pode influir na produção musical, mas o conhecimento filosófico não é necessário para a atividade artística.
No campo do direito, ocorre um fenômeno semelhante. O estudo da filosofia pode auxiliar os juristas a compreenderem melhor o significado de sua própria atuação, de seus modos de conhecer, de suas estratégias retóricas. Porém, a filosofia não é capaz de nos ajudar a encontrara verdade objetiva, os padrões corretos, os valores naturais. Essa era a ilusão dos filósofos gregos, que achavam ser capazes de sair da caverna. Na contemporaneidade, é mais comum encontrarmos filósofos que consideram que a caverna não tem saída (não é possível olhar o mundo a partir de fora, porque fazemos parte dele), mas que é possível compreender melhor as nossas formas de perceber e descrever o mundo a partir de dentro da própria caverna labiríntica em que nos encontramos (vide Castoriadis, 1999).
2. Entre dúvidas e convicções
A filosofia pode impactar nas práticas sociais, mas isso não deve ser entendido como uma busca de descobrir as verdades inerentes à ordem natural do mundo. O estudo da filosofia da medicina pode fazer com que um médico passe a observar algumas dimensões da saúde que não lhe chamavam atenção, e essa mudança de perspectiva pode alterar o seu modo de diagnosticar doenças e de prescrever tratamentos. O estudo da filosofia do direito pode fazer com que um juiz seja mais consciente do modo como sua visão de mundo interfere em suas decisões, e essa reflexividade pode interferir no seu modo de tomar decisões.
Se a filosofia tem essa potencialidade transformadora, não é pelo fato de que ela nos ajuda a gerir um excesso de incertezas, e sim pelo fato de que temos pouca incerteza sobre nossas formas de ver o mundo. Temos dúvidas, muitas dúvidas, sobre como o mundo é, sobre as consequências prováveis de uma decisão, sobre as melhores estratégias argumentativas. Mas essas são dúvidas com relação ao próprio mundo, não são incertezas relativas a nossa capacidade de conhecer. Para enfrentar esse tipo de incerteza sobre fatos, o mais adequado é estudar uma ciência que realize estudos empíricos (psicologia, sociologia, economia) ou estudar uma teoria dogmática que desenvolva protocolos de decisão (como as teorias jurídicas ligadas a cada ramo do direito).
A dúvida que a filosofia nos ajuda a enfrentar tem outro objeto: trata-se da incerteza sobre os modelos que utilizamos para explicar a realidade. Desde o início do século XX, a filosofia adota tipicamente a uma visão historicista radical, negando a existência de uma ordem objetiva de valores que possa ser descoberta por meio de uma reflexão racional. Essa perspectiva apresenta todas as nossas concepções como modelos de compreensão por meio do qual construímos discursos que explicam o mundo por meio da linguagem.
A filosofia não é um espelho da natureza, que reflete as verdades, mas é uma lente que construímos para criar os mapas que chamamos de realidade. As incertezas que a filosofia nos ajuda a gerir não são nossas dúvidas sobre como o mundo é, mas nossas dúvidas acerca de nossa capacidade de compreender o mundo. E me parece que a maioria das pessoas não tem muitas dúvidas acerca de seus próprios modelos. De fato, a maioria das pessoas sequer trabalha com a ideia de que ela utiliza modelos cognitivos contingentes, valores historicamente determinados, conceitos fabricados em contextos socais específicos. Persiste no senso comum a ideia de que existe uma ordem natural, composta de valores naturais e verdades objetivas, e de que deveríamos dispor de metodologias capazes de desvendar todos esses padrões invisíveis.
Se existe um motivo pelo qual os estudantes de direito de hoje (e não apenas de hoje...) deveriam cursar uma matéria de filosofia do direito, é justamente o fato de que não temos dúvidas suficientes para enfrentar os desafios contemporâneos. A dúvida estimula o diálogo, a investigação, a busca de novos caminhos. Se os estudantes de direito tivessem um excesso de dúvidas, a estratégia mais adequada para lidar com esse transbordamento de incertezas não seria inserir no currículo disciplinas de caráter filosófico. Pelo contrário, seria mais adequado que cada disciplina jurídica gerenciasse as dúvidas teóricas que fazem parte do seu campo. As teorias do direito comercial, do direito constitucional ou do direito penal têm plena capacidade para organizar as perplexidades que temos sobre cada um desses âmbitos e a desenvolver categorias teóricas mais adequadas para enfrentar o grande desafio dos juristas: decidir adequadamente em um cenário de dúvidas insanáveis e informações limitadas.
Nesse contexto de excesso de dúvidas, questões mais gerais sobre o direito poderiam ser tratadas de forma satisfatória nos cursos introdutórios, como aliás ocorre em várias áreas do conhecimento. Afinal de contas, o direito é uma disciplina técnica que forma pessoas para exercer uma atividade profissional. Inserir filosofia do direito nos cursos jurídicos é semelhante a tornar obrigatório para os músicos o estudo da filosofia da música, ou para os médicos da filosofia da medicina. Na UnB, por exemplo, não há disciplinas filosóficas no currículo de Música e a Filosofia da Medicina é uma disciplina optativa. Não há dúvidas, porém, de que os médicos e os músicos discutem em seus cursos acerca do significado e dos limites da medicina ou da música, sendo sentido como desnecessário tornar obrigatória uma matéria exclusivamente para tratar de filosofia.
Nos cursos jurídicos, as disciplinas de introdução ao direito (que na UnB são Introdução ao Direito I e II) envolvem uma série de questões filosóficas, especialmente o debate acerca da pergunta jusfilosófica por excelência: o que é o direito? É bem possível que essa estratégia fosse suficiente como abordagem geral e, seguindo o exemplo da Medicina, poderíamos deixar a filosofia do direito como uma matéria optativa, para quem desejasse se aprofundar nessas questões que não caem em concursos públicos e não são centrais para o exercício proficiente da advocacia.
A estratégia do currículo da graduação em direito da UnB não podia ser mais diversa: além das disciplinas introdutórias, são obrigatórias também a própria Introdução à Filosofia e mais três disciplinas especificamente filosóficas: Ética e Direito, Modelos e Paradigmas da Experiência Jurídica e, finalmente, Filosofia do Direito. Essa multiplicação de abordagens filosóficas faz com que, a cada ano de curso, todo aluno tenha uma disciplina voltada à filosofia.
Tal estratégia sugere que, longe de enfrentar uma sobrecarga de suas capacidades duvidantes, os estudantes enfrentam uma severa escassez de incertezas, estimulada pelas abordagens dogmáticas do direito. As disciplinas dogmáticas normalmente exigem dos estudantes respostas, e não perguntas. Respostas que (i) articulem de forma adequada as fontes do direito (legislação, jurisprudência, doutrina e eventualmente costumes), (ii) que tenham coerência lógica e (iii) apelo retórico. Trata-se de uma educação com raízes antigas, pois essas três habilidades correspondem, em grande medida, às três disciplinas clássicas do trivium: a gramática (domínio da língua e conhecimento dos textos canônicos), a dialética (domínio da lógica de construção dos argumentos) e a retórica propriamente dita (habilidade de gerar convencimento).
Essa abordagem clássica e dogmática está ligada uma escassez de dúvidas (ou excesso de certezas) que parece muito conveniente à atividade prática dos juristas, que é a de participar de um processo de tomada de decisões. Os juristas são treinados para decidir mesmo em situações duvidosas, pois é preciso estabilizar as expectativas sociais, mesmo (e talvez principalmente) nos casos em que existe dissenso acerca das interpretações corretas das normas e dos fatos. A capacidade de estar plenamente convicto de suas teses, mesmo sem ter motivos sólidos para isso, é uma forma de autoengano bastante comum entre os juristas. Mesmo quando têm dúvidas, sua tendência é defender suas teses com uma convicção simulada, visto que qualquer sinal de insegurança pode enfraquecer o potencial retórico de seus argumentos.
Ocorre, porém, que esse excesso de certezas pode gerar padrões de atuação pouco reflexivos, que podem conduzir a situações desastrosas, especialmente quando as convicções de uma autoridade judicial são demasiadamente enviesadas. Um exemplo claro desse desequilíbrio das convicções está na sentença de condenação do ex-presidente Lula pelo ex-juiz Sérgio Moro. Moro demonstra uma convicção tão grande da culpabilidade que não se dá ao trabalho de fornecer uma argumentação sólida para justificar essa condenação, repleta de saltos lógicos e de inconsistências(Costa, 2017).
Pessoalmente, acredito que Sérgio Moro tinha uma convicção sincera de que estava realizando um julgamento técnico e bem fundamentado, sendo que tal certeza irrefletida é uma armadilha comum entre os juristas. Todavia, essa eventual boa-vontade não diminuiria a responsabilidade de Moro por conduzir tão mal um processo que era tão crucial para a política brasileira. A posição de juiz exige cuidados redobrados, visto que as consequências de sua irreflexividade são muito assimétricas: para o réu, pode custar a liberdade; para um sistema político, pode custar a estabilidade; já para o próprio magistrado, custa apenas a revisão da sentença e eventuais respingos no seu prestígio pessoal.
No caso dos advogados, o impacto da irreflexividade pode ser igualmente danoso, visto que um causídico que não tenha consciência sólida sobre o grau de adesão que seus argumentos provocam nos outros (e não em sua própria convicção) pode conduzir seus clientes a situações desastrosas. Além disso, um advogado pouco reflexivo pode manter padrões argumentativos que funcionaram bem em um contexto anterior, mas que se tornam problemáticos quando o ambiente jurídico acumula alterações tão grandes que tornam inadaptadas estratégias que foram robustas ao longo de bastante tempo.
O excesso de convicções pode ser muito eficiente quando nossas certezas estão bem alinhadas com as percepções dominantes, mas é pouco eficiente quando se trata de adaptar suas próprias estratégias a um contexto social em constante mudança. Não podemos perder de vista que os seres humanos são excepcionais em sua capacidade de duvidar dos outros, sem duvidar de si mesmos.
Temos um intenso desejo de conhecer e um sistema nervoso que o tempo todo constrói padrões a partir dos influxos fragmentários que ele recebe das interações com o mundo e de sua própria atividade interna. A ciência nos mostra com cada vez mais que nossa estrutura cognitiva elabora uma rede de percepções e de expectativas que, uma vez estabilizadas, dificilmente podem ser alteradas. Temos todos um fortíssimo viés de confirmação: uma tendência arraigada a receber bem os argumentos que reforçam nossas crenças e a rejeitar por motivos frágeis os argumentos que nos desafiam.
A maioria de nós tem menos dúvidas do que deveria. Melhor dizendo, temos uma capacidade de duvidar muito bem calibrada com contextos de mudança ambiental mais lenta, que formavam os ambientes que selecionaram as características de nossas espécies. Todavia, ao longo do holoceno, a velocidade de transformação social necessária para acompanhar as mudanças ambientais tem exigido uma aceleração nos nossos ritmos de mudança, que demandam uma capacidade especial de (re)avaliar os nossos modelos de interação social e de explicação do mundo.
Somos, assim, levados a um paradoxo: precisamos avaliar a correção dos nossos modelos simbólicos, mas para isso somente contamos com os critérios de avaliação que esses próprios modelos nos dão. Temos uma cultura que precisa avaliar a si mesma, quando o que as culturas normalmente fazem é exigir de nós que as apliquemos, e não que as julguemos.
No direito, esse paradoxo é ainda mais evidente: pretende-se que as pessoas obedeçam ao direito, e não que analisem o direito, mas é impossível saber quais são nossos direitos sem interpretá-los. Acontece que não temos como interpretar o direito sem modificá-lo, porque o sentido do direito é dado pelas nossas interpretações. Não existe algo como um direito estático a ser interpretado, mas existe um direito dinâmico, que é constituído pelas interpretações que damos do próprio direito.
A religião nos dá um fenômeno semelhante. Construímos discursos religiosos que estabilizam algumas interações sociais ao determinar papéis sociais que são sagrados e, portanto, inquestionáveis. Questionar o sagrado é algo proibido, e com isso o sagrado consegue gerar um alto grau de estabilidade. Porém, a vedação do questionamento nunca consegue se realizar perfeitamente porque a aplicação do sagrado exige uma reinterpretação constante de nossos papéis sociais, sob a pressão dos contextos mutantes. Essa relativa inquestionabilidade é imensamente útil, pois ela proporciona um certo equilíbrio entre conservação e variação: a sociedade vai se modificando gradualmente, de maneira discreta, mas com um discurso de que ela está apenas aplicando os padrões definidos pela tradição.
3. Os ritmos da mudança social
Uma sociedade baseada em uma tradição inquestionável muda constantemente, em um ritmo que é muito maior do que o de comunidades de outros animais sociais (como formigas e abelhas) e foi extremamente adaptado ao ritmo acelerado de alterações ambientais enfrentados pelas espécies terrestres ao longo do último período glacial. Parafraseando Pierre Clastres, as sociedades anteriores ao antropoceno não eram sociedades sem governo e sem filosofia (o que implica uma leitura dessas ausências na chave da falta), mas eram sociedades contra o governo e contra a filosofia: a ausência de uma distinção estável entre governantes e governados, bem como a ausência de uma reflexão social que implicasse um autojulgamento da cultura, eram conquistas a serem mantidas cuidadosamente.
Líderes fortes demais eram uma ameaça tão grande à tradição quanto o desenvolvimento de uma liberdade para questionar os valores tradicionais. Porém, os tempos mudaram. Ao longo do período glacial, o Homo sapiens se espalhou por todos os continentes e, em vários deles, a ocupação humana se tornou tão densa que o principal ambiente de uma cultura eram seus vizinhos, vizinhos cujas crenças, lideranças e organização se alteravam de forma constante.
Em um contexto tão instável, as sociedades que sobreviveram foram justamente aquelas que se tornaram capazes de acelerar os ritmos da modificação, por meio da instituição de governos. A mudança social já não dependia apenas do lento ritmo das interpretações sucessivas, mas dependia das escolhas de um líder, ou de um grupo de líderes, ou mesmo de uma comunidade inteira. A questão fundamental não era quem decidia, mas o fato de que era possível alterar as estruturas da sociedade por meio de uma decisão. Essa invenção do governo ocorreu simultaneamente em vários pontos do globo, entre cerca de 8.000 anos atrás e 2.000 anos atrás (Flannery & Marcus, 2012).
Aparentemente, essa mudança atingiu apenas sociedades que precisaram competir duramente por alguns pontos excepcionalmente produtivos em termos de agricultura (como o crescente fértil, as áreas irrigadas pelo Nilo e as áreas agricultáveis dos Andes). Outras sociedades, como os indígenas da Amazônia, não tinham a necessidade de competir tanto pelos mesmos recursos, o que permitia a continuidade dos padrões tradicionais, que não otimizam o uso dos recursos, mas também não criam um risco constante de extinção das comunidades (pelas guerras internas, pelas guerras externas ou pela adoção de práticas que se mostram inadequadas aos novos tempos).
Como veremos, aflorou nessas sociedades uma tensão constante entre os governos (com sua mentalidade estratégica e sua possibilidade de gerar benefícios e colapsos) e as tradições que estabeleciam deveres sociais que não eram disponíveis pelos governantes. Essa tensão foi plenamente compreendida e retratada pelo teatro grego, tendo sua maior expressão na Antígona de Sófocles.
O governo, porém, não engendra a filosofia, pois a força dos governos antigos estava em apresentar-se como um defensor da tradição. É claro que todo governante reinterpretava a tradição e que muitos deles inovaram bastante no campo político, mas toda inovação gerava riscos (como sempre). Auguste Comte (1982) percebeu bem que esses antigos modelos eram teocráticos, no sentido de que os governantes se apresentavam como tendo uma origem divina, ou como sendo os próprios deuses, de tal forma que a sua autoridade deveria ser observada e nunca questionada.
A ideia de que os cidadãos deveriam ter liberdade para questionar o governo, para discutir abertamente sobre qual seria o melhor governo e quais deveriam ser as formas de organização da cidade é uma adaptação posterior. Quando os governos se tornaram suficientemente sólidos, eles puderam afirmar sua primazia sobre a tradição, mas isso tendia a ocorrer apenas em contextos bem determinados: quando certas formas de organização social se mostrassem equivocadas, elas poderiam ser reformadas pelos governantes.
Essa abertura para uma inovação social conduzida pelos governantes ocorreu intensamente na Grécia antiga, quando o modelo de organização em cidades-estado (polis) mostrou sinais de decadência, fragilizando o potencial bélico das cidades gregas a tal ponto que elas poderiam ser conquistadas pelos impérios vizinhos. Frente ao colapso de certas instituições tradicionais (especialmente a escravidão por dívida), algumas cidades gregas atribuíram a certos legisladores o poder de reorganizar a cidade, com base em escolhas racionais. Esse é o momento em que nasce a democracia, uma adaptação das cidades gregas para viabilizar a inclusão de um grande número de cidadãos na política e, assim, garantir um exército sólido de homens livres, mesmo em sociedades pequenas.
E é nesse contexto que aparece a filosofia, tal como conhecemos: em vez de discutir se as novas políticas estavam ou não de acordo com a tradição (algo que sempre foi feito pelos sábios), discutia-se se essas novas políticas eram adequadas à própria ordem natural. Os governantes deveriam reformar as cidades, mas não deveriam seguir os seus próprios desejos, pois a ordem social somente poderia funcionar caso ela espelhasse adequadamente a ordem natural do mundo.
A ideia de uma ordem natural, conceito chave do pensamento grego, é muito anterior aos filósofos. A novidade da filosofia grega foi indicar que essa ordem natural deveria ser acessível a qualquer pessoa, por meio de uma atividade intelectual, o que permitiu a realização legítima de uma crítica racional à tradição. O limite da atuação dos governos não deveria ser um repertório de valores tradicionais, acessíveis por meio de textos sagrados ou pelo conhecimento especial dos sábios, visto que toda ação deveria ser pautada pelo conhecimento racional da própria ordem das coisas, acessível a todo ser humano que se dedique a conhecê-la.
Como ressalta Appiah, ter uma visão de mundo não é ter uma filosofia (Appiah, 1997). Toda sociedade tem uma cultura, tem linguagens, tem um sistema simbólico complexo, mas nem toda cultura desenvolve uma capacidade crítica de si mesma. Várias sociedades dotadas de tradições multisseculares não produziram filosofia, pois tinham mecanismos muito sólidos para impedir a institucionalização de uma reflexão crítica acerca da própria cultura. O surgimento da filosofia mostra a fragilidade e os limites das visões tradicionais de mundo, mas em contextos nos quais a tradição representava (como ainda representa) a espinha dorsal de uma comunidade política.
O que a filosofia faz não é destruir a tradição, mas segmentá-la: parte da cultura é vista como um reflexo adequado da ordem natural (a ser mantida), parte da tradição é criticada como uma percepção distorcida da natureza (a ser abandonada). Além disso, cria-se o espaço para identificar parcelas da ordem natural para a qual a tradição era cega, em virtude de seu caráter consuetudinário: as culturas são construídas pela sedimentação de percepções, o que faz com que elas tenham pouco a dizer sobre situações novas, que desafiam os valores tradicionais.
A possibilidade de uma investigação direta da ordem natural possibilitou que os filósofos se colocassem não apenas como revisores dos conhecimentos estratificados, mas como exploradores capazes de descobrir facetas da natureza que não conhecíamos ainda. Esse exercício de ampliar a tradição por meio de estratégias interpretativas é familiar aos juristas, que sempre precisam aplicar normas antigas para situações novas, como o casamento de pessoas de mesmo sexo, os crimes praticados em ambientes virtuais, os contratos envolvidos na uberização do trabalho, etc.
Tal como os juristas se propõem a resolver questões novas a partir da interpretação de uma ordem jurídica preexistente, os filósofos se propunham a enfrentar problemas novos a partir do conhecimento adequado da ordem natural das coisas. Tanto quanto os filósofos antigos, os juristas modernos não podem decidir conforme a sua própria autoridade, pois estão vinculados a estratégias de reinterpretação das tradições e de extensão hermenêutica e, especialmente, de contradição entre os direitos e deveres com relação a uma ordem superior (a ordem natural das coisas e, no presente, a ordem constitucional).
Ao promover uma reflexão sobre os limites da ordem tradicional, a filosofia se apresenta como um dos elementos sociais ligados a propiciar uma transformação social mais rápida, porém controlada, pois ela serve como uma instância crítica das nossas próprias visões de mundo. A função social dos juristas é semelhante, visto que um sistema de justiça precisa ser capaz de estimular a estabilidade das relações sociais, o que exige tanto a reprodução dos padrões tradicionais como a sua adaptação às novas circunstâncias. Essa proximidade do direito com a filosofia, enquanto instâncias reguladoras dos ritmos de mudança social, faz com que o estudo dos argumentos filosóficos possa ter várias utilidades para os juristas.
Porém, parece-me que a questão mais importante é a de que o estudo da filosofia nos propicia a realização de uma reflexão sobre as bases dos nossos próprios modelos explicativos, tanto do modelo social predominante quanto dos critérios que adotamos individualmente. Como esses critérios nos são muito caros e fazem parte de nossa própria identidade, temos uma grande dificuldade em perceber a sua contingência e, principalmente, de avaliar a solidez dos nossos próprios modelos.
4. A crítica filosófica da tradição
Os seres humanos têm uma tendência a repetir os padrões estruturados, mesmo que eles não nos conduzam a uma vida mais satisfatória. Temos um intenso desejo de conhecer e uma estrutura cognitiva que o tempo todo constrói padrões, que elabora perspectivas de mundo estáveis e que as protege do sentimento de dúvida. Somos dotados de uma dificuldade incrível para rever nossas percepções, nossas crenças, nossos valores. Cada um de nós tem um repertório imenso de certezas, de valores fundamentais, de crenças arraigadas sobre o modo como as pessoas são e sobre os papéis sociais que elas deveriam desempenhar. Esse repertório de certezas compartilhadas é a espinha dorsal de nossas unidades sociais: sem essa cultura, não seríamos capazes de construir organizações sociais tão amplas.
Mas as nossas certezas também são um risco. Uma sociedade demasiadamente ortodoxa tem pouca capacidade para se adaptar a um contexto que muda em ritmo acelerado. Toda espécie de seres vivos precisa equilibrar permanência e mudança: mudança demais coloca em risco a integração dos nossos sistemas orgânicos e sociais, mas flexibilidade de menos coloca em risco a nossa capacidade de sobreviver a um ambiente mutável.
As sociedades humanas têm múltiplos elementos que produzem essas forças de coesão e mudança, e a ciência atual nos sugere que é justamente o nosso alto grau de flexibilidade que nos colocou no ápice da cadeia alimentar. Nossos antepassados distantes não eram grandes predadores, mas eram pequenos mamíferos que se alimentavam do tutano dos ossos de animais mortos. Foi um longo caminho até que conseguíssemos formar associações coordenadas de dezenas de pessoas, capazes de caçar um mamute. Esse grau de coordenação de vários indivíduos para realizar atividades complexas não é único na natureza: cupins, abelhas e formigas também formam grandes comunidades de indivíduos.
Mas a nossa capacidade de gerar novas formas de organização, aproveitando os nichos ecológicos disponíveis em cada ambiente, é única na nossa biosfera. Nossa capacidade ímpar de reorganização social vem do fato de que essas interações são mediadas por sistemas simbólicos, por crenças compartilhadas, por papéis sociais que podem variar muito em um tempo reduzido. Isso nos torna adaptáveis, embora a um custo energético muito alto, pois precisamos gastar cerca de ¼ de nossos nutrientes para manter o sistema nervoso que organiza tais interações.
A filosofia, a política e o direito são elementos culturais envolvidos nesses processos de transformação simbólica que engendra novas formas de sociabilidade. Mas a filosofia não é um substituto para a tradição, e sim uma instância crítica. Nossas sociedades também precisam dos valores compartilhados, das concepções convergentes, dos instrumentos de reprodução das formas de interação, que as tradições nos fornecem. Portanto, não deve causar espanto o fato de que ainda hoje seja muito forte o discurso que visa a proteger a tradição contra as críticas filosóficas (e artísticas, e políticas, e jurídicas...).
De tempos em tempos, ressurge com força a narrativa ancestral de que as ideias modernas são um ataque às verdadeiras tradições e que, por isso devem ser combatidas. Em tempos de instabilidade política, é comum que muitas pessoas se apresentem como detentores da verdadeira filosofia, uma série de sábios se apresentam na defesa dos valores tradicionais da família, da hierarquia, da estabilidade. O mito da restauração, que coloca no passado imaginário os ideais a serem buscados, é tão constante quanto o mito da utopia, que coloca os mesmos ideais em um futuro inatingível. Esses movimentos messiânicos e missionários, por mais que se digam filosóficos, tendem a ser o avesso da filosofia: apresentam-se como a negação do diálogo, pedindo a conversão forçada dos infiéis (os hereges, os pós-modernos, os marxistas culturais), pois somente assim eles podem ser salvos.
Não precisa de um curso de filosofia quem tem certeza de que está do lado certo da história, de que seus deuses são os verdadeiros deuses, de que a sua verdade é a verdadeira verdade, de que os seus inimigos são pessoas más e de que existe uma conspiração imensa do mundo para destruir os valores que nos são mais caros. Esses tipos de pensamentos delirantes e paranoicos exigem o auxílio de psicólogos e psiquiatras, não de filósofos.
Antes de mais nada, os filósofos precisam estar abertos a uma prática argumentativa de apresentação e refutação de argumentos. Poetas podem se limitar a construir narrativas. Religiosos podem se limitar a enunciar suas verdades e a educar pelo exemplo. Artistas podem emocionar as pessoas e transformá-las por meio de suas criações intuitivas.
Políticos, religiosos, artistas, advogados e juízes podem se limitar a enunciar suas opiniões. Essas opiniões podem ser complexas, astutas e sedutoras. Elas podem ser o resultado maduro de uma vida de experiências e, provavelmente, a intuição de uma pessoa experiente é o melhor guia que dispomos para enfrentar situações de crise, que exigem respostas rápidas frente a cenários construídos com base em informações limitadas.
A ciência nos oferece alternativas mais seguras, mas as pesquisas científicas demandam um tempo que muitas vezes não é disponível, como ocorre no começo de toda nova pandemia. É preciso agir em um contexto obscuro e, nesse caso, o que se espera é a prudência, a antiga habilidade de tomar decisões adequadas com os insumos que se têm. Essa habilidade prática é o que esperamos de médicos, de juízes, de governadores, de presidentes da República, de pessoas encarregadas de tomar decisões difíceis e com impactos sociais relevantes.
Os filósofos não são os professores de prudência. Eles não nos ensinam a tomar decisões rápidas e eficazes. O que eles nos ensinam é outra coisa: desde os gregos, os filósofos nos mostram as limitações de nossos sistemas de prudência, construídos sobre certas percepções do mundo que condicionam nossas respostas políticas, nossas capacidades de prever dificuldades e de enfrentar crises. O modo como percebemos a realidade define nossas interações com o mundo, e pode ser mortal a aplicação de padrões decisórios antigos a situações novas.
A filosofia é uma espécie de reflexão que põe à prova os nossos modelos explicativos sobre a realidade. Ela funciona como um espelho que nos mostra como vemos o mundo, esclarecendo as formas como as nossas percepções são condicionadas pelas nossas tradições e apontando caminhos para construir modelos alternativos.
Quando nossos modelos explicativos e nossos modelos decisórios nos oferecem respostas que julgamos adequadas, os filósofos sempre parecem inúteis. Discutir as limitações de um time que está ganhando parece sempre um exercício de pessimismo ressentido. Aparentemente, nossa disposição para rediscutir tais modelos tende a aumentar quando começamos a perceber que nossas instituições políticas atuam de forma a produzir crises, que nossa ciência é incapaz de explicar os vários fatos que vemos e que nossos sistemas judiciários reproduzem situações de injustiça.
Normalmente, a percepção dessas deficiências nos leva a buscar as razões de ineficiência, pois pressupomos que lidamos com um sistema razoável, cuja falha em oferecer respostas adequadas decorre de algum tipo de desvio, de corrupção, de práticas indevidas. Todavia, há situações variadas em que não podemos identificar uma ineficiência, pois concluímos que as instituições estão funcionando normalmente: os resultados ruins não decorrem de um uso inadequado das ferramentas disponíveis, mas das limitações inerentes a tais ferramentas.
Essa percepção faz com que nosso sistema político esteja o tempo inteiro em reforma: existe constantemente a percepção de que certas estruturas precisam ser alteradas para que o sistema consiga alcançar seus objetivos. Não se trata de aumentar a eficiência na execução, mas de alterar o próprio sistema. Essas alterações estruturais não são propostas normalmente por filósofos, por pessoas com experiência prática e influência política. Ocorre, porém, que essas alternativas para mudar tudo o que está aí muitas vezes são fadadas ao insucesso porque elas se baseiam em modelos explicativos equivocados.
Por maior e mais justificada que seja a insatisfação social com o modelo político vigente (uma crítica que pode ser encontrada em qualquer momento histórico), não há grandes perspectivas de melhora quando as propostas de reforma são guiadas por uma teoria da conspiração centrada na ideia de que o grande inimigo a ser combatido é o marxismo cultural. Não há muitas esperanças de adaptar nossos modelos explicativos a uma realidade complexa quando o discurso reformador nos aponta para a necessidade de retomar os valores perdidos, de restaurar as tradições abandonadas, de retornar aos papéis sociais naturais.
E é justamente aqui que entram os filósofos, com a sua peculiar atenção sobre os modelos explicativos que servem como base para a nossa atuação coletiva: nossas organizações políticas, nossos sistemas educacionais, nossos modelos judiciários. Os filósofos se questionam sobre que tipo de conhecimento pode ser considerado seguro, sobre a coerência de nossos valores, sobre as potencialidades de nossa metodologia científica, sobre a solidez da rede de categorias a partir da qual construímos nossas percepções sobre a realidade.
A reforma social pode ser mobilizada por um líder político, por um profeta messiânico, por um general carismático. Mas o filósofo não é o profeta, não é o político, não é o prudente. O filósofo não é o missionário de uma fé, não é o defensor de uma tradição nem o agente de uma nova utopia. O filósofo é apenas alguém que reflete sobre as estruturas dos modelos explicativos que usamos para explicar o mundo e para tentar interferir na realidade.
Por isso, a filosofia não nos torna melhores nem mais profundos. Ela não responde às grandes questões da humanidade, ela não nos ensina os princípios, ela não descobre a Verdade. Assim como o estudo da música nos torna melhores músicos, mas não melhores pessoas, o estudo da filosofia apenas nos torna melhores filósofos. E uma sociedade com bons filósofos corre o risco de ter uma percepção mais crítica de si mesma, de uma compreensão mais adequada do que fazemos quando operamos os sistemas simbólicos que organizam as interações sociais, como é o caso do direito e da política.