A Quem Interessa o Controle Concentrado de Constitucionalidade?

Costa, Alexandre A; Benvindo, Juliano Z. (2013). A Quem Interessa o Controle Concentrado de Constitucionalidade? O Descompasso entre Teoria e Prática na Defesa dos Direitos Fundamentais. Relatório de Pesquisa financiada pelo CNPq (2011-2013).

Visualização e download dos gráficos*

Na presente visualização, diversamente do texto original, foi possível introduzir os gráficos ao longo do texto. Porém, trata-se de exportações das imagens dos gráficos, que não contém as informações dos segmentos que são muito pequenos para conter os texto, que ficam ainda mais reduzidas pela largura compatível com a sua inserção no texto. Consideramos que essa apresentação torna possível compreender bem os argumentos e que leitores interessados em informações mais detalhadas podem abrir a imagem em uma janela própria (o que aumenta o tamanho da imagem) ou, o que é mais indicado, consultar os gráficos na plataforma pública do programa Tableau, em que eles foram elaborados. Nessa página, é possível visualizar os gráficos com maior grau de detalhe e, inclusive, fazer o download de um arquivo que pode ser aberto no programa Tableau Desktop, o que permite filtrar os dados e criar novas visualizações, de maneira interativa e dinâmica.

Equipe de Pesquisadores

Coordenadores da Pesquisa

Prof. Dr. Alexandre Araújo Costa (IPol-UnB)

Prof. Dr. Juliano Zaiden Benvindo (FD-UnB)

Pesquisadores

Adriana Leineker Costa. Servidora do Supremo Tribunal Federal.

Alexandre Araújo Costa. Professor Adjunto do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília. Doutor em Direito pela Universidade de Brasília.

Alexandre Douglas Zaidan de Carvalho. Doutorando em Direito pela Universidade de Brasília (orientando do Professor Alexandre Araújo Costa). Realiza sua tese de doutorado enquanto participante da pesquisa.

Clara da Mota Santos. Mestre em Direito pela Universidade de Brasília (orientanda do Professor Juliano Zaiden Benvindo). Realizou sua dissertação de mestrado enquanto participante da pesquisa.

Cristiano Soares Barroso Maia. Mestrando em Direito pela Universidade de Brasília (orientando do Professor Juliano Zaiden Benvindo). Realiza sua dissertação de mestrado enquanto participante da pesquisa.

Felipe Justino de Faria. Servidor do Supremo Tribunal Federal.

Henrique Augusto Figueiredo Fulgêncio. Mestrando em Direito pela Universidade de Brasília (orientando do Professor Alexandre Araújo Costa). Realiza sua dissertação de mestrado enquanto participante da pesquisa.

João Telésforo Medeiros Filho. Mestrando em Direito pela Universidade de Brasília (orientando do Professor Alexandre Araújo Costa).

Juliana Garcia Barenho. Servidora do Supremo Tribunal Federal.

Juliano Zaiden Benvindo. Professor Adjunto de Direito Público da Universidade de Brasília. Doutor em Direito pela Universidade Humboldt de Berlim e pela Universidade de Brasília.

Kelton de Oliveira Gomes. Mestrando em Direito pela Universidade de Brasília (orientando do Professor Alexandre Araújo Costa). Realiza sua dissertação de mestrado enquanto participante da pesquisa. Assessor Jurídico da Procuradoria Geral da República.

Lara Parreira de Faria Borges. Mestranda em Direito pela Universidade de Brasília.

Luciano de Carvalho Villa. Graduando em Direito pela Universidade de Brasília.

Introdução

1. O controle concentrado de constitucionalidade

Quando um país desenvolve um sistema de controle de constitucionalidade, dois são os modelos que normalmente são tomados como referência. O mais antigo é o controle difuso, cujo principal representante é o sistema dos EUA, em que qualquer juiz tem competência para declarar a inconstitucionalidade de uma norma jurídica e sua decisão se volta para um determinado caso. Embora esse modelo seja tipicamente classificado também como concreto, não se pode perder de vista que a regra do stare decisis confere às decisões do judiciário norte-americano uma eficácia que ultrapassa as partes envolvidas no processo e que, no caso de decisões da Suprema Corte, podem ser identificadas como decisões erga omnes, visto que os precedentes deste tribunal vinculam todo o judiciário dos EUA. Nessa medida, mesmo considerando que os julgamentos têm por objeto uma situação concreta, o processo decisório é pautado pelo reconhecimento de que o precedente criado terá por consequência a invalidação da norma.

No caso dos países de civil law, a inexistência do stare decisis exige a introdução de adaptações nesse modelo difuso, adaptando-o ao fato de que as decisões judiciais têm efeitos meramente inter partes. Uma das formas típicas de conferir um resultado extra partes ao judicial review foi o desenvolvimento de ações abstratas (em que o objeto da decisão é uma declaração da inconstitucionalidade da norma impugnada), que não podem ser apreciados por qualquer magistrado, mas somente podem ser julgados por uma corte com competência especificamente constitucional. Esse modelo abstrato e concentrado é típico de alguns países europeus, em que somente a corte constitucional tem essa competência e sua decisão tem como objeto uma norma jurídica em abstrato e, não, um caso concreto específico.

Esses dois modelos são bastante diversos tanto em sua estrutura como em sua história, e além disso cada país que estabelece um sistema de controle, mesmo que use esses dois paradigmas como inspiração, tende a realizar sistemas com peculiaridades que os adaptam às peculiaridades de sua organização. Nesse contexto, o Brasil tem a especificidade de ter instituído um sistema misto, em que coexistem elementos de controle difuso e de controle concentrado, o que gera uma série de questionamentos sobre a possibilidade da convivência desses dois modelos que, em suas linhas gerais, parecem bastante antagônicos.

Historicamente, desde a primeira constituição republicana, promulgada em 1891, apesar de o Brasil adotar o sistema jurídico de civil law herdado da colonização portuguesa, teve prevalência o sistema difuso de constitucionalidade, cuja característica difusa lembra dos Estados Unidos da América, mas sem a regra de stare decisis. Isso implicou, inicialmente, que as decisões de judicial review tinham eficácia apenas inter partes, dificuldade esta que foi enfrentada na Constituição de 1934 por meio da engenhosa atribuição ao Senado Federal da possibilidade (e não da obrigação) de "suspender a execução, no todo ou em parte, de qualquer lei ou ato, deliberação ou regulamento, quando hajam sido declarados inconstitucionais pelo Poder Judiciário" (art. 91, IV).

Ao lado desse sistema, o regime militar pós-64 instituiu por meio da Emenda Constitucional n. 16/1965 uma forma de controle concentrado, feita diretamente pelo Supremo Tribunal Federal, mas que somente poderia ser ajuizada pelo Procurador-Geral da República, que era então o representante jurídico da União, escolhido pelo Presidente da República e demissível ad nutum. Assim, todos os cidadãos poderiam manejar o controle difuso, mas o controle concentrado era circunscrito à proteção dos interesses da União. Essa estrutura foi reproduzida na Constituição de 1967 e se manteve ao longo de todo o regime militar.

Com a redemocratização do país, a Constituição Federal de 1988 manteve essa sobreposição de sistemas, mas buscou contrabalançar o caráter autoritário do sistema concentrado mediante uma ampliação no rol de legitimados, que passou a englobar também partidos políticos, poderes legislativos e entidades sindicais e associações de classe. Além disso, houve uma mudança no papel político do Procurador-Geral da República, que deixou de ser demissível pelo Presidente, tornando-se assim mais autônomo para agir na defesa da ordem jurídica e dos interesses coletivos e difusos.

Na década de 1990, houve uma série de alterações tanto no controle concentrado, com a criação de novas ações (ampliando o seu escopo) e a introdução de uma possibilidade de modulação dos efeitos da decisão, que podem ser tanto ex tunc como ex nunc. Já na última década as modificações mais importantes ocorreram no controle difuso, antes de caráter acentuadamente concreto, que foi tornado cada vez mais abstrato, com a introdução de súmulas vinculantes (capazes de dar efeitos erga omnes a decisões em controle difuso) e com decisões do STF que têm aplicado ao controle difuso as regras do controle concentrado, como a modulação de efeitos. Existem posicionamentos, inclusive, que defendem que as decisões de controle difuso devem ter os mesmos efeitos das decisões do controle concentrado. Além disso, houve a introdução de métodos de seletividade, em que o Tribunal julga recursos constitucionais apenas em matérias que considera que têm "repercussão geral", o que restringiu sobremaneira a possibilidade dos cidadãos levarem ao STF questões em sede de controle difuso.

Assim, nos últimos 15 anos, tem havido um processo de esvaziamento do controle difuso e de ampliação do controle concentrado, movimento este que tem sido defendido sobretudo por alguns ministros da Suprema Corte brasileira, como o mais representativo de um novo momento constitucional brasileiro de defesa dos direitos e garantias fundamentais. O defensor mais constante dessa alteração no modelo de controle é o ministro Gilmar Mendes, que chegou mesmo a dizer que "possuímos, hoje, um sistema de defesa da Constituição tão completo e tão bem estruturado que, no particular, nada fica a dever aos mais avançados ordenamentos jurídicos da atualidade1(Mendes e outros, 2009, p. 208)", qualidade esta que estaria sendo alcançada principalmente em razão de um fortalecimento do modelo concentrado, visto por ele como o mais relevante2 (Mendes, 2005, XII) nesse novo momento.

Essa posição, contudo, não parece compatível com o cenário revelado por uma análise dos padrões decisórios do Supremo Tribunal Federal em sede de ADIs, que representam 94% dos processos do controle concentrado. A Constituição Federal de 1988 é um marco na democracia brasileira, representando uma ampliação nos direitos atribuídos dos cidadãos e também nos mecanismos de defesa desses direitos. Ao longo dos 25 anos de sua vigência, houve uma experiência democrática que se consolida a cada ano, sendo especialmente notável o fato de que tem sido possível, nos quadros institucionais estabelecidos pela Constituição, tem sido possível enfrentar os desafios sociais e políticos que se afiguram, sem que tenha havido qualquer movimento consistente no sentido de que seria necessária uma ruptura constitucional para a consecução dos interesses sociais.

O controle de constitucionalidade é, sem dúvida, um dos elementos mais importantes dos sistemas de checks and balances que viabiliza a eficácia das regras constitucionais como orientadoras da prática política e governamental. Por isso mesmo, é preciso refletir com cuidado sobre se as transformações em curso no sistema de controle de constitucionalidade tendem a contribuir para a consolidação desse movimento democrático ou se ela pode criar espaços contrários a esse projeto político e se essas modificações abrem espaço para uma defesa mais efetiva dos direitos fundamentais. Será que o entusiasmo de Gilmar Mendes realmente se justifica e que esse movimento de concentração do judicial review representa uma contribuição para que o direito brasileiro se torne um dos "mais avançados ordenamentos jurídicos da atualidade"?

Essa pergunta é especialmente relevante quando temos em vista que, na experiência constitucional brasileira, a introdução do controle concentrado em 1965 serviu aos interesses do governo e não da população, visto que ele somente poderia ser manejado em consonância com as diretrizes de uma Presidência da República que era subordinada a uma junta militar que atuava soberanamente sob o argumento de que "a revolução vitoriosa se investe no exercício do Poder Constituinte" (AI-01/64).

A concentração do judicial review, tanto hoje como na década de 1960, não representa apenas uma concentração de poderes no STF, mas também uma concentração do direito de movimentar o sistema nas mãos dos poucos agentes legitimados. Essa concentração deveria ser argumento suficiente para lançar dúvidas sobre a tese de que esse processo de concentração contribui efetivamente para a defesa dos direitos e garantias fundamentais. Essa, contudo, não é uma discussão que tem sido realizada de modo explícito, e que muitas vezes se resume à constatação, em tese, de que ao menos o Ministério Público tem o dever funcional de atuar na defesa dos interesses das pessoas e não de certos interesses institucionais específicos. De fato, o sistema concentrado tem a potencialidade de defender os interesses coletivos, mas faltam análises consistentes no sentido de identificar se essa potência se converte em ato.

A presente pesquisa desenvolve justamente essa indagação. Para avaliar a solidez das posições que apresentam uma dimensão superlativa das qualidades do sistema de controle de constitucionalidade brasileiro, realizamos uma análise pormenorizada de todas as decisões de ADIs julgadas pelo STF. Assim, em vez de analisarmos os discursos que avaliam os sistemas de controle, partimos para uma análise da prática cotidiana desenvolvida pela Suprema Corte brasileira, o Supremo Tribunal Federal (doravante STF), no exercício do controle concentrado de constitucionalidade.

Essa escolha metodológica tem uma razão estratégica. O sistema de controle de constitucionalidade no Brasil é deveras complexo. Quando se examina o modelo difuso, entra-se em um ambiente de infindáveis casos, sobretudo porque o STF, como instância recursal, pode ser provocado a partir de recursos originários das instâncias inferiores, porém sem um mecanismo transparente de limitação de sua aceitabilidade para julgamento[1], tal como ocorre no writ of certiorari norte-americano. Isso gera uma quantidade inimaginável para um leitor não-brasileiro de casos que são examinados pela Corte anualmente. A Suprema Corte dos EUA, por exemplo, "recebe cerca de 7 mil processos por ano e julga aproximadamente 100" (Falcão e outros, 2012)

em julho de 2013, havia, no STF, 68.481 casos para julgamento. Na história recente do STF, esse é um número relativamente baixo, pois a introdução de um sistema de seletividade de julgamentos fez com que, de 2007 a 2010, o total de processos caísse de mais de 110 mil ao ano para cerca de 30 mil (Falcão e outros, 2012). No primeiro semestre de 2013, foram julgados 37.371 casos, mas quantidade semelhante chegou à Corte para análise. Uma vez cientes de que quase a totalidade desses casos se referem a formas diversas de acesso ao STF pelo sistema difuso, pesquisas empíricas, nesse campo, deparam-se com o obstáculo do imenso volume de dados a ser analisado.

Por outro lado, o controle concentrado de constitucionalidade, por ser bem mais restritivo, possibilita um estudo mais cuidadoso e estatisticamente mais confiável. No caso desta pesquisa, o foco foi realizado em torno da principal ação constitucional adotada no sistema abstrato, que engloba quase a totalidade de casos, que são aqueles originados de ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs). Foram examinadas todas as ADIs julgadas pelo STF no período de 1988 até 2012, o que englobou um montante de aproximadamente 49.00 ações.

Essa análise, embora não permita trazer conclusões sobre todo o sistema de controle de constitucionalidade no Brasil, possibilita, por outro lado, estabelecer constatações bastante contundentes sobre a dissonância entre o discurso proferido em favor do controle concentrado de constitucionalidade, que, tal como visto, ganhou força com a Constituição de 1988, e a realidade de sua adoção. Mais particularmente, incita a indagação se, no Brasil, como o Ministro Gilmar Mendes o disse, se tem um modelo de controle de constitucionalidade equiparável aos "mais avançados ordenamentos jurídicos da atualidade" - e isso, especialmente, em razão da consolidação do modelo concentrado, que passou a ser considerado, ao menos por ele, como o mais relevante na arquitetônica instrumental de defesa dos direitos e garantias dos cidadãos.

O propósito desta pesquisa, pois, é explicitar, com dados empíricos, as características que se evidenciam no controle concentrado de constitucionalidade brasileiro. Como uma democracia jovem, ansiosa por trazer resultados efetivos na defesa dos direitos e garantias dos cidadãos, examinar como tem sido exercido o controle de constitucionalidade nessa modalidade é, sem dúvida, um tema que traz interesse, sobretudo no que se refere às possibilidades de arranjos institucionais nesse contexto. A convivência de dois modelos, afinal, já é, em si, uma curiosidade estrutural do desenho institucional brasileiro. Entretanto, o que mais chama a atenção é perceber, se o modelo concentrado, do modo como foi pensado no constitucionalismo brasileiro, realmente tem cumprido sua promessa.

Além do mais, surge, a partir dessa investigação, uma abordagem mais consistente no que se refere ao que tanto se denomina "judicialização da política" ou ativismo judicial. Isso porque o avanço dos mecanismos de concentração das decisões no âmbito do STF, tal como se dá com a afirmação da importância e prevalência do modelo concentrado de controle de constitucionalidade em detrimento do sistema difuso, é também reflexo do momento em que as cortes constitucionais ganham forte protagonismo na definição de diversas pautas políticas, econômicas e sociais. Esse movimento, que parece bastante visível em distintas realidades democráticas contemporâneas, é também sentido no Brasil a partir de um avanço inegável do STF no exercício desse papel mais amplo de atuação. Isso ocorre, por um lado, pela adoção de metodologias que permitem relativizar direitos, tal como o princípio da proporcionalidade e técnicas interpretativas que assumem como premissa que direitos são princípios de otimização ou máximas que ordenam direitos consoante o que é possível fática e juridicamente[2].

Esses tipos de argumentos têm viabilizado a prática política de uma Corte que se tem feito mais presente na definição de pautas políticas, econômicas e sociais, muitas vezes em confronto com o Parlamento e também o Executivo. Mas, em grande medida, o avanço desse ativismo se dá, simplesmente, pela própria concentração de poderes de decisão, tal como acontece no controle concentrado de constitucionalidade. Na medida em que a Corte Constitucional se torna a única legitimada a fornecer a palavra final sobre a constitucionalidade de uma determinada norma jurídica, ainda mais podendo se utilizar das referidas técnicas interpretativas flexibilizadoras, amplia-se o seu papel estratégico no arranjo institucional a respeito dos caminhos da democracia brasileira.

Desse modo, analisar empiricamente o desenvolvimento desse sistema de controle de constitucionalidade, que apresenta essa potencialidade de alçar a corte constitucional a esse patamar, torna-se fundamental. Até porque as perguntas aqui antes lançadas demonstrarão até que ponto a jurisdição constitucional tem, de fato, cumprido a sua competência precípua de "guarda da Constituição" (CF, art. 102). Se o mecanismo de controle, afinal, se mostra deficiente, com uma distância substancial em relação ao que pretendia ser originalmente, esse diagnóstico precisa ser revelado. Não se pode manter o discurso ilusório de que tal sistema conseguiu trazer o Brasil a um patamar de defesa da Constituição antes nunca visto, se, diagnosticadas cuidadosamente distintas variáveis de sua realidade, se constata que, mais do que defender a Constituição, por exemplo, o STF tem, predominantemente, decidido em prol de determinadas corporações e pouco atuado na defesa de direitos e garantias fundamentais. Aparece aqui o necessário debate sobre a legitimidade da atuação da corte constitucional, especialmente quando, mais do que defender direitos, seu ativismo tem se revelado consagrador de posições estratégicas de determinados grupos políticos, econômicos e sociais. Por outro lado, a pesquisa empírica permite também constatar como os diferentes atores legitimados a provocar o STF no controle concentrado de constitucionalidade se utilizam desse instrumental. Assim, por exemplo, se verificado que a Procuradoria-Geral da República, responsável pela defesa dos distintos direitos constitucionais, provoca a corte constitucional, sobretudo, para fins também claramente corporativos, surge o debate sobre a legitimidade deste órgão.

As interpretações a partir dos dados empíricos serão agora apresentadas, no intuito de se verificar as possíveis disfunções em seu funcionamento. A pergunta central aqui é a quem interessa o controle concentrado de constitucionalidade, na medida em que, com base nos resultados alcançados da pesquisa, será possível também explicitar que tipo de grupos e interesses normalmente estão associados a essa forma de controle. Essa particularidade também se estende, como já mencionado, aos atores políticos a provocar o STF no âmbito do modelo concentrado, quando, então, as indagações sobre quem tem interesse nesse sistema trarão informações bastante reveladoras. Para tanto, esta pesquisa irá, inicialmente, trazer uma leve introdução ao sistema concentrado de controle de constitucionalidade brasileiro, apenas no intuito de explicitar algumas características que o tornam tão particular no contexto do exercício da jurisdição constitucional em perspectiva comparada e, especialmente, fornecer elementos para a compreensão dos tópicos seguintes.

Após indicar os aspectos metodológicos e o objeto da pesquisa, sobretudo indicando que o grande foco da análise será o perfil do julgamento realizado pelo STF, a análise se concentrará em explicitar os atores legitimados a provocarem o STF no controle concentrado de constitucionalidade, assim como as características dos atos impugnados. As conclusões começam a ganhar maior relevo, todavia, na medida em que as decisões de procedência - aquelas que têm julgamento favorável de mérito - são discutidas com base nos diferentes fundamentos. É, nesse aspecto, que se poderá verificar quais os temas que, realmente, têm ocupado o STF no âmbito do controle concentrado de constitucionalidade e, também, qual é o grau de sucesso conforme a temática. Por fim, a correlação dos temas com a atuação dos distintos atores políticos na provocação do STF será abordada, de modo que se possa ter um panorama mais factível sobre quem, de fato, tem maior interesse nesse sistema de controle de constitucionalidade e quem é seu maior beneficiário.

2. Uma Breve Introdução ao Sistema Concentrado de Constitucionalidade Brasileiro

Como o próprio nome indica, o controle concentrado de constitucionalidade tem como característica central o julgamento sobre a constitucionalidade das leis realizado por um órgão do Judiciário apenas. No caso do judiciário federal brasileiro, esse controle é exclusivo do Supremo Tribunal Federal (STF) quando provocado, em especial, por Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI),[3] Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADC)[4] e Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF)[5]. Esse modelo, que tem forte influência europeia, distingue-se da matriz norte-americana que inspirou o sistema difuso de controle de constitucionalidade, existente no Brasil desde a primeira Constituição republicana em 1891.

Além de ser concentrado, no Brasil, ele também se qualifica como abstrato, em que se avalia diretamente a constitucionalidade da norma e, não, a constitucionalidade de uma situação concreta que toma por base os dispositivos impugnados. Esse sistema, que ganhou força, sobretudo, com o advento da Constituição Federal de 1988 e emendas constitucionais posteriores, possui, como uma de suas principais justificações, sua aptidão para a defesa dos direitos e garantias fundamentais. Assim, para parcela substancial e influente da doutrina constitucional brasileira, esse sistema seria base para se poder afirmar, como já antes aludido, que "possuímos, hoje, um sistema de defesa da Constituição tão completo e tão bem estruturado que, no particular, nada fica a dever aos mais avançados ordenamentos jurídicos da atualidade" (Mendes e outros, 2009, 208). Existe também a crença de que ele pode melhor garantir racionalidade à decisão, exatamente enquadrando-se na premissa de que "a Corte Constitucional existe para tomar as decisões mais racionais[6]". Por outro lado, começou-se a qualificá-lo como o mais relevante dentro da nova sistemática de controle de constitucionalidade construída pela Constituição de 1988, tornando o controle difuso secundário nessa configuração[7].

O ganho de importância desse sistema se deu progressivamente ao longo da história brasileira, sobretudo após a democratização. Já na Constituição de 1988, ocorreu a ampliação dos atores políticos a provocar o STF conforme esse modelo (antes apenas o Procurador-Geral da República poderia fazê-lo). Hoje, ao lado dele, podem provocar o STF, no controle concentrado, o Presidente da República, a Mesa do Senado Federal, a Mesa da Câmara dos Deputados, a Mesa de Assembleia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal, o Governador de Estado ou do Distrito Federal, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, partido político com representação no Congresso Nacional e confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional(CF, art. 103). Essa alteração, todavia, não significou transformar o STF em corte constitucional que operaria apenas com base no controle concentrado de constitucionalidade. Essa ideia, que buscava inspiração em alguns modelos europeus de cortes de constitucionalidade, não vingou na Assembleia Constituinte, mesmo que tenha sido aventada. O STF ainda se configuraria como uma corte recursal no âmbito do modelo de controle difuso de constitucionalidade. Afinal, a longa tradição desse sistema, assim como sua característica fortemente republicana - já que é baseado na premissa de que o controle de constitucionalidade pode e deve ser exercido por qualquer juiz em qualquer instância e, sobretudo, instaurado por meio de provocação de qualquer indivíduo - acabou emperrando essa proposta. Contudo, mesmo que não tenha sido aprovada a configuração de uma corte constitucional típica consoante modelos comuns na Europa, acabou que o caminhar legislativo posterior, assim como a construção da jurisprudência do STF, foram promovendo o avanço de sua aplicação em prejuízo do sistema difuso. O fracasso inicial evidenciado na Assembleia Constituinte, portanto, foi sendo superado por tentativas progressivas de aproximar o modelo brasileiro daquele de uma corte que concentra, com exclusividade, os debates constitucionais[8].

As modificações substanciais que o constitucionalismo brasileiro tem sofrido no âmbito da jurisdição constitucional podem ser assim sintetizadas: 1) instrumentalmente, passou-se a priorizar o sistema concentrado de constitucionalidade em detrimento do sistema difuso, que não mais condiziria com a proposta de uma verdadeira corte constitucional em construção e perfeiçoamento desde a democratização; 2) teoricamente, passou-se a enfatizar as grandes vantagens desse sistema, na medida em que conseguiria "racionalizar" a decisão, uniformizar o entendimento de determinada matéria e, de modo célere, liquidar uma controvérsia, especialmente no âmbito da defesa dos direitos e garantias fundamentais. Assim, em termos sintéticos, pode-se dizer, segundo esse entendimento hoje majoritário, que o controle concentrado de constitucionalidade seria não apenas o mais instrumental e racionalmente adequado para a defesa dos direitos e garantias fundamentais, como também o mais condizente com o espírito democrático da Constituição de 1988.

Esse pensamento não é, todavia, pacífico. Menelick de Carvalho Netto, professor de direito constitucional da Universidade de Brasília, é, por exemplo, um forte opositor desse movimento e lamenta profundamente essa transição para uma ênfase no controle concentrado de constitucionalidade. Para ele, este mecanismo não somente representa uma importação incorreta da formulação austríaco- germânica, mas quebra -- referindo-se ao sistema difuso de constitucionalidade - com uma "tradição muitíssimo mais antiga e também melhor em termos de experiência e de vivência constitucional do que a alemã, extremamente mais sofisticada e muito mais efetiva como garantia da ideia de liberdade e de igualdade concretas"[9]. Entendimento semelhante é partilhado por Marcelo Cattoni de Oliveira(2001).

Há, por isso, uma compreensão bastante complexa dessa realidade de expansão do controle concentrado de constitucionalidade. Isso porque ela atinge um ponto nuclear de não fácil solução: a premissa de que o controle concentrado de constitucionalidade é, efetivamente, mais adequado para a defesa de direitos e garantias fundamentais e, portanto, condizente com o espírito democrático originário da Constituição Federal de 1988. Essa premissa é, por isso, o objeto de exame desta investigação: ela deseja mostrar até que ponto se pode realmente assumi-la como argumento plausível, sobretudo por intermédio do cotejo com dados empíricos diretamente obtidos a partir do exame, caso a caso, das decisões proferidas em sede de controle concentrado de constitucionalidade.

3. O universo analisado

Embora nossa pesquisa tivesse como escopo inicial tratar de todo o controle concentrado de constitucionalidade, decidimos restringir o objeto e tratar apenas das ADIs, que são processos em que o STF aprecia pedidos de declaração de inconstitucionalidade de uma lei ou ato normativo estadual ou federal. Essas são as ações preponderantes dentro do controle concentrado, correspondendo a aproximadamente 94% dos processos ajuizados. Além disso, existem centenas de decisões de procedência em sede de ADI, o que torna esse grupo de processos mais adaptado à metodologia adotada neste trabalho.

Com isso, deixamos para um segundo momento a análise das ADPFs, e ADCs, pois consideramos que uma avaliação conjunta de todos esses processos conduziria a resultados distorcidos. Em primeiro lugar, isso decorreria do fato de que os critérios de avaliação da inconstitucionalidade por omissão são diversos dos da inconstitucionalidade por ação, o que inviabiliza uma categorização conjunta dos argumentos que fundamentam as decisões. Além disso, um mesmo critério pode ter sentidos diversos nesses processos, especialmente porque as decisões de procedência em ADC, em ADI e em ADO têm implicações muito diversas, o que inviabiliza um tratamento quantitativo que trata esses provimentos como equivalentes, comparando-se os índices de procedência. Ademais, o grande número de ADIs torna pouco significativas análises globais, tendo em vista que as peculiaridades dos outros processos teriam uma pequena influência no quadro geral, pois elas representam apenas 6% dos processos.

Ao restringir nosso campo de análise às ADIs, excluímos do escopo as ADIs que foram convertidas em outros tipos de ação (ADOs e ADPFs) e também aquelas em que se impugna a omissão constitucional, pois agregamos esses processos ao conjunto das ADOs (Ações de Inconstitucionalidade por Omissão). Inicialmente, o controle da omissão constitucional era feito em se de ADI, mas desde outubro de 2008 esse tipo de pedido tem sido autuado como ADO, o que é mais adequado na medida em que os critérios e resultados dessas ações são bastante diversas. Nessa passagem, várias ADIs foram reautuadas como ADO, mas aquelas que já haviam sido julgadas permaneceram como ADIs, motivo pelo qual nós ás agrupamos juntamente com as ADOs para posterior análise conjunta.

Desde a promulgação da Constituição Federal de 1988 até o presente momento foram ajuizadas perante o STF cerca de 4.900 ADIs. Embora o levantamento que embasa a presente pesquisa abranja até o início de 2013 (abrangendo até a ADI 4.913), o trabalho abrangerá apenas os processos distribuídos até dezembro de 2012, vez que várias das nossas análises levarão em conta a base anual para servir como critério de análise. Analisaremos, assim, as ADIs de 1 a 4893, excluindo desse universo apenas as 97 ações que tratam de omissão, uma que foi convertida em ADPF e os 68 casos em que não existe ação correspondente ao número autuado no STF[10]. Assim, o universo analisado é composto por um total de 4727 processos, distribuídos entre outubro de 1988 e dezembro de 2012.

Não se trata, portanto, de uma avaliação voltada a delinear o comportamento atual do STF, mas da elaboração de um panorama geral de sua atuação ao longo de 24 anos, possibilitando uma análise global da experiência do controle concentrado mediante ADIs e o estabelecimento de comparações entre os diversos períodos, para delinear o modo como os padrões de processamento e julgamento se modificaram no tempo.

Embora a compreensão da atuação judicial envolva uma análise de casos específicos e de linhas argumentativas dominantes, o que tem sido feito pelos estudos dogmáticos, é também necessária uma visão panorâmica que permita avaliar o funcionamento do sistema como um todo. Mesmo atores que lidam diariamente com o controle concentrado não costumam ter uma visão global da operação do sistema, visto que a sua atenção está quase sempre nos processos individuais ou, no máximo, nas linhas jurisprudenciais. Boa parte do que ocorre com os processos não tem visibilidade senão em uma análise abrangente, como a feita nesta pesquisa.

Capítulo 1. Perfil de Ingresso

Várias pesquisas que analisam o perfil do controle concentrado de constitucionalidade se limita a traçar o que chamamos perfil de ingresso, analisando quais são as demandas levadas ao poder judiciário. Esse enfoque está ligado à ideia de politização do judiciário, no sentido de que certas demandas são submetidas à análise judicial e que é importante realizar uma análise do conteúdo das petições iniciais, classificando-as em termos das temáticas que elas tratam e cruzando esses dados. Esse perfil entrada já está relativamente mapeado nos trabalhos de Werneck Vianna e outros (Viana e outros, 1999; Vianna e outros, 2007) e consideramos que o esforço de fazer um levantamento de todas as petições iniciais de quase cinco mil processos não compensariam as informações que esse estudo revelaria.

Nossa opção foi concentrar nossos esforços primordialmente em outro ponto, que é menos trabalhado: perfil de julgamento. Os trabalhos de Werneck Vianna e outros, por exemplo, não exploraram essa vertente, pois não classificaram as decisões em termos dos seus fundamentos, limitando-se a avaliar o perfil de ajuizamento. Esse tipo de abordagem se concentra na questão da politização do judiciário, na medida em que traça o modo como cada grupo de demandantes se utiliza da via judicial para impugnar decisões políticas. Todavia, eles esclarecem muito pouco sobre a operação do próprio sistema judicial, na medida em que não esclarecem o modo como o judiciário respondeu a tais demandas.

Nosso interesse no perfil de julgamento está ligado a outra preocupação teórica, ligada à análise do ativismo judicial que move a corte, e que não pode ser entendido a partir de um mapeamento das ações ajuizadas, e sim das decisões efetivamente dadas, visto que o "ativismo judicial será medido pela frequência com que um determinado magistrado ou tribunal invalida as ações (normas e atos normativos) de outros poderes de Estado, especialmente do Poder Legislativo"(Sunstein, 2005, p. 41). Esse tipo de preocupação já se encontra no recente trabalho da SBDP realizado sob a encomenda do Ministério da Justiça e publicado no n. 30 da Série Pensando o Direito, mas esse trabalho se concentrou apenas nas 19 decisões de procedência relativas a atos originados do Poder Executivo Federal, especialmente das Medidas Provisórias. Ademais, mesmo que essa pesquisa tenha acentuado a utilidade de diferenciar as decisões de inconstitucionalidade formal e material, o trabalho se concentrou mais na temática dos processos do que nos argumentos utilizados nas decisões.

Entendemos que existe uma lacuna nos estudos voltados a esclarecer o perfil das decisões, especialmente estudos que envolvam uma categorização dos fundamentos utilizados pelo STF na efetiva anulação de atos normativos editados por outras instituições. Concordamos assim com o diagnóstico de Arantes no sentido de que, apesar do reconhecimento de que o STF tem assumido uma posição de destaque no cenário político, "ainda não dispomos de uma visão sistemática e coerente acerca do trabalho da corte"(Arantes, 2003, p. 205). Assim, o objetivo desse trabalho é contribuir para o preenchimento dessa lacuna, tendo como principal foco identificar em que medida as decisões do STF são ligadas à proteção dos direitos fundamentais dos cidadãos, visto que esse é o principal argumento que normalmente se utiliza para justificar a própria legitimidade dos sistemas de judicial review.

Apesar desse enfoque centrado no perfil de julgamento, inicialmente traçaremos também um perfil de entrada, tanto porque essa análise é importante para estimular alguns questionamentos como porque a comparação entre entrada e resultado é importante para compreender os julgamentos. Além disso, apresentamos algumas categorizações no perfil de entrada que podem iluminar alguns pontos relevantes e mudanças relativas às pesquisas anteriores, especialmente na análise das entidades legitimadas pelo inciso XI (entidades sindicais e de classe) e uma categorização explícita do tipo de ato impugnado (em vez de usar a informação bruta do interessado como base para inferir que atos estariam sendo impugnados).

Para começar a análise, partimos de um panorama geral dos processos que ingressaram no STF ao longo do período estudado. Trata-se de 4.727 Ações Diretas de Inconstitucionalidade, propostas entre 1988 e 2012, o que gera uma média de quase 200 processos por ano nesse período. O gráfico abaixo mostra a evolução no número de processos distribuídos a cada ano, mostrando que a distribuição foi bastante regular, respeitando normalmente uma variação de cerca de 50 processos (25%). Fogem a essa variação apenas os atípicos anos de 2003 e 2004, em que houve um grande aumento nas ações propostas pelo MP, e o ano de 2010, em que houve uma redução significativa nas ações propostas tanto pelo MP como dos governadores de estado. Mesmo assim, apenas em 2004 o valor chega a ultrapassar ligeiramente 50% da média.

Gráfico 1. Processos distribuídos por ano

Werneck Vianna e outros realizaram um levantamento dos dados globais de ajuizamento de ADIs em 2005 e concluíram que "depois do pico de 1989-1990, decorrente do processo de revisão das constituições estaduais, o número anual de Adins volta a crescer continuamente, indicando a consolidação dessa via de judicialização" (Viana e outros, 1999, p. 46). De fato, como mostra o gráfico a seguir, houve um primeiro pico em 1990, no qual 50% dos atos impugnados eram dispositivos das constituições estaduais recém editadas.[11]

Gráfico 1.1 O que se impugna?

Todavia, não se afigura correta a afirmação de que houve um crescimento contínuo do número de ADIs, tendo em vista que a quantidade anual de processos foi bastante variável. Essa realidade se torna mais evidente a partir de 2006, quando houve uma queda anual sensível do número de ações, que após o pico de 2003 a 2005, voltaram a se estabilizar em torno de 200 processos por ano. Esse pico de ajuizamentos foi lido como uma consolidação da via de judicialização, mas uma análise mais pormenorizada mostra que se tratou de uma situação atípica, que o gráfico a seguir esclarece ter decorrido de uma mudança no padrão de litigância da PGR.

Além disso, fica claro que a devida compreensão dessas informações deve levar em conta que a litigância em sede de ADI segue padrões muito diversos no caso da impugnação de normas federais e de normas estaduais, como mostra o seguinte gráfico. Para facilitar as referências, chamaremos de ADI-F aquelas voltadas a impugnar leis ou atos normativos editados por órgãos federais e ADI-E aquelas voltadas a anular atos normativos estaduais.

Gráfico 1.2 Distribuição anual de ADIs, segmentado por atos impugnados: federal/estadual

Esse gráfico indica que a evolução da impugnação de atos federais e estaduais seguiu ritmos muito desiguais. O ajuizamento de ADIs-F teve sete anos com picos de ajuizamento que ultrapassaram 80 ADIs ajuizadas, e eles formam topos bastante uniformes, já que o maior número de ajuizamentos ocorreu em 1994, com 91 processos. Cabe ressaltar que os patamares de ajuizamento dos últimos 3 anos está abaixo da média histórica, o que não aponta para um incremento dos julgamentos de ADIs.

No caso das ADIs-E, os picos ocorrem em anos diferentes e a distribuição dos processos segue padrões mais heterogêneos. Percebe-se, em especial, que os grandes picos constantes do gráfico global das ADIs corresponde aos picos desse gráfico, tendo em vista que ele é mais desigual e responde pela ampla maioria dos processos. Outro ponto relevante é que embora o número de ADIs-E seja normalmente maior que o das ADIs-F, em alguns dos picos os dois grupos atingem patamares semelhantes, como ocorreu em 1997/1998 e em 2007/2009.

Após essa última convergência, o número de ADIs-F caiu em cerca de 50% e está desde então estável em torno de 50 ações por ano. Nestes três últimos anos as ações contra atos estaduais tenha crescido, ela ainda se encontra bem abaixo dos topos históricos, embora isso possa ser modificado ainda em 2013, tendo em vista especialmente que está ocorrendo o ajuizamento de uma série de ações de governadores que tratam da "guerra fiscal".

Assim, ao contrário do que alguns podem imaginar, e contrastando com as cores fortes com que se costuma descrever atualmente o processo de judicialização da política, a via da ADI não está em expansão, e em certos limites podemos inclusive considerar que está em retração. Para os atores políticos legitimados a propor ADIs, essa é apenas uma das estratégias que podem conduzir à eliminação de normas que eles considerem inconvenientes. Os juristas tendem descrever a ADI um instrumento de controle de constitucionalidade das normas, ou seja, um instrumento voltado a garantir a coerência do ordenamento jurídico. Observada desse ângulo, a ADI pode ser percebida como um processo por meio do qual o direito pelo qual o sistema jurídico mantém a sua integridade, visto que a declaração de inconstitucionalidade é uma decisão judicial que declara a existência de um conflito normativo e resolve esse conflito mediante a exclusão de uma norma ou, mais recentemente, mediante a afirmação de uma "interpretação conforme" que compatibiliza o ato impugnado com a Constituição.

Esse tipo de descrição despolitiza a prática dos legitimados, para os quais a ADI não é uma forma de garantir a integridade do sistema, mas uma das possibilidades de excluir do sistema normas indesejáveis. Nenhuma ADI é movida porque determinado ato é inconstitucional, visto que é preciso que exista o interesse político de algum dos legitimados no sentido de excluir a norma do sistema. Uma norma inconstitucional pode permanecer fora do sistema de controle concentrado simplesmente porque os interessados em sua anulação não conseguiram (ou não tentaram) mobilizar os legitimados para propor uma ação nesse sentido. Por mais que o controle concentrado envolva uma análise em abstrato da norma impugnada, não podemos perder de vista que este sistema somente pode ser movido quando há um interesse concreto dos agentes legitimados para invocar essa forma de controle.

Mover uma ADI é uma opção política, e não uma necessidade lógico-jurídica. Portanto, é preciso atentar para os critérios de seletividade que os legitimados adotam ao escolher quais processos justificam a mobilização dos seus esforços no sentido de conduzir um processo que pode ser longo, custoso e com efetividade incerta. Para esses atores, a declaração de inconstitucionalidade não é o objetivo último, mas apenas um dos meios que podem conduzir à finalidade de excluir uma norma do sistema. E como indica Rogério Arantes, o papel exercido pelo STF revela-se "antes de tudo complexo, atravessado pelo jogo e pela interação estratégia de atores políticos e institucionais" (Arantes, 2013, p. 203), o que indica a necessidade de compreender o controle a partir dos modos como essa interação se processa.

O mesmo objetivo alcançável por meio de ADIs também pode ser atingido por outras estratégias políticas que conduzam à alteração normativa, tais como a revogação do ato ou a edição de uma nova regra. Por isso, não deve causar espanto o fato de os presidentes da República somente tenham ingressado com 8 ADIs e que essas somente tenham ocorrido em situações nas quais seria impossível promover a alteração legislativa desejada mediante o uso de medidas provisórias: cinco são contra legislação estadual, uma contra ato do Poder Judiciário, uma contra ato do Ministério Público e uma contra leis de iniciativa privativa da Câmara dos Deputados e do Senado Federal.

É claro que o caráter tipicamente ex tunc das decisões de controle concentrado pode ser relevante para situações específicas, mas devemos ter em mente que, para quase todos os legitimados, pode haver formas mais eficientes de alcançar os objetivos políticos alcançáveis por meio de ADI. Essa utilidade política ficou ainda mais restrita quando o STF limitou sensivelmente o número de liminares concedidas, visto que muitas vezes o interesse em uma ADI se esgotava na possibilidade de obter suspensão liminar da norma impugnada. Indeferido o pedido de liminar, o tempo de julgamento não se mostra muito atrativo: uma ação raras vezes é julgada procedente em menos de 2 anos e o tempo médio desses julgamentos é superior a 5 anos, ou seja, é maior que uma legislatura.

Além disso, frente observação de que houve apenas dois casos de procedência em ADIs-F ajuizadas depois de 2006. No caso das ADIs-E, houve 38 decisões de procedência nas ações ajuizadas entre 2007 e 2010, o que é pouco mais do que as 33 de decisões de procedência nos processos distribuídos em 2006. Essa avaliação seria ainda mais rigorosa caso se leve em conta que apenas 61 das 1.177 ações ajuizadas desde 2006 obtiveram cautelares, uma média de menos de 10 liminares por ano. Seguindo esse padrão, o ajuizamento de uma ADI-F hoje representaria uma chance de 5% de obtenção de uma cautelar e não se deveria esperar um julgamento definitivo para antes de 2018, um cenário nada animador para os demandantes. Essa situação não seria muito mais animadora no caso das ADI-E, tendo em vista que a redução das liminares foi geral e que os julgamentos em menos de 6 anos atingiram apenas 6,2% dos processos ajuizados.

Não podemos perder de vista que o presidente da República, os partidos políticos e as entidades corporativas têm à sua disposição uma série de estratégias para influenciar a alteração normativa, de modo que, consideradas as dificuldades da via judicial, esta não pode ser considerada a única, sequer a principal estratégia de exclusão de normas contrárias aos interesses de tais atores. De todos os legitimados, apenas o Procurador-Geral da República está relativamente restrito às impugnações judiciais, e mesmo assim devemos levar em conta que não pode ser desconsiderado o peso político do MPU para influenciar decisões políticas ligadas aos interesses corporativos dessa instituição. E devemos ressaltar que essa pesquisa mostra que todos os legitimados, inclusive o PGR, movem ADIs preponderantemente na defesa de interesses do próprio legitimado ou das corporações a que eles se vinculam, e não na defesa do interesse público ou de direitos difusos.

Por fim, é preciso considerar também que o ajuizamento de uma ADI envolve o risco de uma decisão de indeferimento que pode dificultar sobremaneira as mudanças legislativas pretendidas pelos legitimados. A proposição de novas leis, a pressão no Executivo por uma medida provisória ou o investimento em ações de lobby (ou advocacy) podem não gerar os resultados esperados, mas o insucesso de movimentos como esse não contribuem para a estratificação da situação indesejada. Já uma decisão de indeferimento do pedido em ADI tende a ser entendida como uma declaração de constitucionalidade, especialmente face à possibilidade de que, como defende Gilmar Mendes, citando o ex-ministro Sepúlveda Pertence, "quando cabível em tese a ação declaratória de constitucionalidade, a mesma força vinculante haverá de ser atribuída à decisão definitiva da ação direta de inconstitucionalidade." (Mendes, 1999)

Em certos casos, os riscos de uma decisão negativa são tão altos que pode ser pouco atraente esta via de impugnação, especialmente considerando que o STF não tem se limitado a apreciar os pedidos, pois em alguns casos o tribunal tem adotado uma postura ativista que o leva a regular as situações julgadas, como ocorreu no caso Raposa Serra do Sol, em que foram incluídas "salvaguardas institucionais ditadas pela superlativa importância histórico-cultural da causa", por ser esta uma "técnica de decidibilidade que se adota para conferir maior teor de operacionalidade ao acórdão" (STF, Pet. 3388). Assim, um agente que postula frente ao STF uma declaração de inconstitucionalidade pode obter, no final, um provimento que não apenas nega o seu pedido, mas que afirma a constitucionalidade, com efeito vinculante, e eventualmente regule a situação de forma autônoma, mediante regras que não são alteráveis pelo processo legislativo por serem consideradas decorrências necessárias da estrutura constitucional.

Portanto, a ADI deve ser pensada como uma estratégia política, que como qualquer outra tem seus pontos fortes e fracos. Os pontos fortes são normalmente ressaltados pela literatura jurídica, que trata essa ação como uma forma de controle judicial voltada a garantir a harmonia do sistema jurídico. Entre as especificidades dessa forma de controle, está a possiblidade uma intervenção bastante rápida e eficaz no sentido de sustar (por medida liminar) e posteriormente anular atos normativos com efeitos ex tunc. Politicamente, essa via se mostra especialmente interessante para partes que não têm poder para alterar essas normas na arena legislativa, como partidos minoritários e entidades corporativas sem grande peso político.

Já os pontos fracos normalmente passam desapercebidos dos juristas, pois eles têm a ver com a utilidade ou ônus políticos que podem ser gerados para os requerentes. Fraquezas que precisam ser analisadas com cuidado são os critérios de seletividade (que vinculam o controle concentrado aos interesses individuais ou corporativos dos legitimados), os riscos de uma regulação ativa indesejável pelo STF e também a questão do tempo dos processos, que se mostra demasiadamente longo para alcançar a finalidade de servir como instrumento de controle legislativo eficaz.

A falta de celeridade é indicada especialmente por uma informação que não vimos ser analisada com mais cuidado: existe um número muito grande de processos tem desaguado em decisões de prejudicialidade, que ocorrem quando as normas impugnadas são modificadas antes que o tribunal chegue a apreciá-las.

Gráfico 2. Treemap geral dos processos

O número de ações julgadas prejudicadas é ligeiramente menor do que o número de decisões de procedência, o que significa que praticamente para cada processo em que se anulou alguma regra inconstitucional, houve outro em que a demora na decisão fez com que a prestação jurisdicional se tornasse inviável. Considerando que tanto as decisões de procedência como as de prejudicialidade atingem uma média de aproximadamente cinco anos e que os processos que não têm os requisitos para julgamento tendem a ser extintos em um tempo bastante mais reduzido, o gráfico sugere que quase metade dos processos que teriam condições de serem apreciados terminam sendo extintos porque o tempo de julgamento foi maior do que o período de sobrevida da norma impugnada.

Ainda que seja relevante a análise dessas informações globais, um estudo mais cuidadoso termina por revelar também os seus limites. O gráfico abaixo mostra a diferença entre os padrões de julgamento, diferenciando as ADIs que impugnam atos da esfera federal e da estadual.

Gráfico 3. Processos julgados por ano: federal/estadual

Esse gráfico não aponta apenas uma diferença muito grande nos números de ações ajuizadas, mas revela também uma grande distinção qualitativa nos padrões de julgamento. Não só o índice de procedência das ações que impugnam atos federais é muito menor que ocorre na esfera estadual, mas na esfera federal o número de processos com julgamento prejudicado é consistentemente maior do que o número de decisões de procedência. Além disso, não existe no âmbito federal o sensível crescimento que ocorreu nos julgamentos de atos estaduais a partir de 2002, e que acompanha um crescimento semelhante no número de processos distribuídos, como mostraremos a seguir.

De fato, o número de atos federais declarados inconstitucionais a cada ano só passou da casa de uma dezena no ano de 2006, o que mostra que o grau de procedência de decisões desse tipo é consistentemente baixo desde que as primeiras ações começaram a ser julgadas, em 1999. Essa diferença não é explicável apenas pelo imenso índice de procedência de ações que impugnam a legislação estadual por vícios formais de incompetência, que não têm paralelo no nível federal, pois envolve também uma grande diferença no padrão de decisões que apontam vícios no processo legislativo e inconstitucionalidades materiais. Essa divergência de padrões de julgamento é tão grande que consideramos ser necessário concentrar esforços em avaliar esses dois grupos de processos de forma independente, de modo a revelar os padrões de julgamento existentes com relação a eles.

Gráfico 3.1 ADIs com mérito apreciado

Caso nos concentremos apenas nos casos em que o mérito foi apreciado, alguns elementos relevantes aparecem. O primeiro é o de que, a partir de 2002, houve um incremento significativo nas decisões que avaliam o mérito das ADIs, entendidas essas como as decisões de procedência e de improcedência, e também o deferimento de cautelares, pois estas decisões, embora provisórias, envolvem uma análise do mérito do pedido e têm uma forte correlação com as decisões definitivas de procedências[12]. Cabe ressaltar que as decisões que indeferem pedidos de liminar não envolvem necessariamente uma análise do mérito e existe uma baixa correlação entre elas e as decisões finais de improcedência, motivo pelo qual elas não são contabilizadas nos gráficos a seguir.

A pesquisa indica que a mudança no padrão de decisões, a partir de 2002, está relacionado com a alteração processual realizada pela Lei n. 9.868/1999, que concentrou as atividades do STF no julgamento das ADIs e não no julgamento das medidas cautelares em que se aprecia liminarmente o pedido. Devemos observar que o impacto dessa alteração foi maior nas ADI-F, em que as decisões de improcedência superaram as de procedência 8 vezes nos últimos 11 anos. Já no âmbito das ADI-E, as decisões de improcedência nunca chegaram a representar mais de ¼ das decisões de procedência, como mostra o seguinte gráfico.

Gráfico 3.2 ADIs com mérito apreciado por ano: Federal/Estadual

No âmbito das liminares deferidas em ADI-F, não parece haver um padrão definido, variando muito tanto em número quanto em percentual. De todo modo, a quantidade muito pequena de decisões de deferimento (liminar e definitivo) torna difícil a fixação de algum padrão, pois como a quantidade anual desses julgamentos costuma ser inferior a 10, os valores envolvidos se tornam muito dependentes das contingências de cada momento. Sabendo que o padrão muda significativamente em 2002, agrupamos os dados anteriores e posteriores a esse ano.

Gráfico 3.2.1 ADIs com julgamento de mérito

Esses dados agrupados indicam que, no âmbito das ADI-F, o número de decisões de procedência e de liminares que se mantiveram vigentes foi muito próximo nos dois períodos (61 e 57), mas o número de decisões de improcedência cresceu muito e chegou a superar as decisões de procedência. Mas a porcentagem dos processos que aguardam julgamento com liminares deferidas diminuiu sensivelmente, o que resulta de uma diminuição no ritmo de sua concessão, que será analisada no capítulo seguinte.

Já no âmbito das ADI-E, houve um crescimento percentual semelhante das improcedências (que praticamente triplicou nos dois grupos), acompanhado por uma redução muito acentuada na concessão percentual de liminares que se mantiveram até 31.12.12. Mas a mudança mais notável foi um incremento muito grande no número de decisões de procedência (de mais de 100%) e um incremento percentual relevante (de cerca de 25%). Com isso, torna-se claro que as distinções entre esses dois grupos são muito grandes, tanto no perfil de entrada quanto no perfil de julgamento, o que exige um tratamento diferenciado e torna praticamente vazias quaisquer abordagens que se limitem a analisar os números globais de ações e de decisões.

Gráfico 4. Distribuição por ano, segmentado por requerente

Esse gráfico indica que as quantidades atípicas dos anos 2003 a 2005 decorreram fundamentalmente de um aumento substancial nos processos ajuizados pela PGR, que saltaram de 8 em 2002 para 115 em 2003, alcançando o topo histórico. Essa majoração coincide com os anos em que Cláudio Fonteles era Procurador-Geral da República (junho de 2003 a junho de 2005), o que mostra que o perfil de entrada dos processos no STF é muito dependente do perfil político das pessoas legitimadas para ingressar com esse tipo de ação. Fonteles substituiu Geraldo Brindeiro na PGR, que atuou durante 4 mandatos (1995 a 2003), período em que o número de ADI's propostas foi bastante inferior à média, havendo inclusive trimestres em que apenas uma ADI foi ajuizada. Já a atuação de Fonteles foi bastante diversa, chegando a ajuizar 64 ADI's no seu primeiro trimestre de atuação, o que mostra que o comportamento dos processos não é só determinado por movimentos mais gerais da política, mas também pelo perfil político e ideológico das pessoas que ocupam alguns postos-chave.

Já o ano atípico de 2010 decorre de interações mais complexas, pois nele ocorreu uma diminuição sensível das ações movidas por partidos políticos e pela PGR, além de contar com o menor número de processos iniciados por governadores de estado em toda a série histórica. Aparentemente, essa redução conjunta foi pontual e nada aponta para uma manutenção da litigiosidade nesses níveis, inclusive porque em 2011 e 2012 houve um retorno a patamares mais próximos da média histórica. Quando dividimos esse gráfico para avaliar a distinção federal/estadual, encontramos um padrão bastante diverso nos dois grupos.

Gráfico 4.1 Requerentes: Federal/Estadual

No nível federal, mostra-se desde o governo FHC2 uma tendência a que os últimos anos do governo tenham um número bem menor de ADIs do que a média do governo, fato que não delineia de forma clara no nível estadual, em que o último ano do governo foi de litigância menos intensa, mas não em um grau que a torne relevante. Mas a diferença mais marcante é o fato de que não existe uma discrepância tão grande nos anos de pico de litigância dentro de cada governo, tendo em vista que a litigância contra atos federais mostra níveis mais constantes tanto globais quanto na participação relativa dos demandantes. A complexidade desses dados indica que é necessário traçar um perfil mais específico dos principais demandantes em termos de ADI.

1.1. Perfil dos demandantes

Gráfico 5. Treemap global dos demandantes

No que toca às ADIs, podemos identificar três grupos de demandantes.

Há 4 demandantes de grande porte, cada qual correspondente a mais de 15% das ações propostas, e que juntos compõem mais de 90% do total de demandas: Entidades Corporativas, Governadores de Estado e do DF, PGR e Partidos Políticos.

Há também um demandante de médio porte, que é a OAB, que concentra cerca de 5% dos processos. Embora, a rigor, a OAB deva ser entendida como uma das Entidades de Classe, ela será tratada de forma independente porque, diversamente das outras entidades corporativas, ela tem uma legitimidade mais ampla para ingressar com ADIs, visto que não está limitada pelo critério jurisprudencial da pertinência temática.

Existe também um contingente de pessoas manifestamente ilegítimas, especialmente pessoas físicas e municípios, que ingressaram com cerca de 2% das ações. Ao contrário do que se poderia imaginar, não se trata de uma leva de litigantes que ingressou com ações em um momento inicial, quando ainda não estavam assentados os critérios de legitimidade, pois como mostra o gráfico a seguir, houve uma distribuição desses atores ao longo de todo o tempo e não uma concentração nos momentos iniciais.

Por fim, temos as ações das Assembleias Legislativas, do Congresso Nacional e do Presidente da República, que juntas somam apenas cerca de 1% das demandas, um número tão reduzido que não possibilita análises quantitativas significativas, visto que não é possível observar a emergência de qualquer padrão.

Gráfico 5.1 Demandantes por Períodos de Governo

A agregação dos requerentes nos governos aponta para uma baixa correlação entre perfis de litigância e da relação que o grupo de demandantes tem com o Governo Federal, mas essa é uma informação que apresenta dados muito enganosos ao agregar dados dos níveis federal e estadual, motivo pelo qual já apresentaremos os dados desagregados.

Essa correlação só é aparente no caso dos Partidos Políticos, que têm uma participação de cerca de 39% das ações nos governos FHC, nível que se reduz para 27% nos governos Lula, e apenas 21% no governo Dilma. Esses dados apontam para o fato de que os partidos atualmente na oposição têm um perfil de litigância diverso daqueles que estão na situação (e eram oposição no período FHC). E essa correlação é reforçada pelo fato de que, entre os demandantes de grande porte, só os Partidos Políticos impugnam mais atos federais que estaduais.

Devemos nos precaver contra uma leitura apressadas dos dados, que poderia indicar uma correlação entre o Governo Lula1 e o grande incremento nas ações do MP com relação ao período FHC2. É preciso ressaltar que o incremento atípico da participação do MP no 1º governo de Lula não decorre de uma mudança na relação do MP com o governo, mas sim de uma alteração interna das estratégias do MP, especialmente vinculadas ao perfil do Procurador-Geral da época, como já indicado. Esse fato que ressalta a necessidade de muitos cuidados para fazer ilações causais a partir de uma simples correlação de dados.

No caso dos outros demandantes, é difícil traçar uma ligação mais imediata, especialmente porque, descontado o período em que Cláudio Fonteles foi Procurador-Geral, a PGR teve uma participação mais reduzida e próxima da OAB e dos Governadores, que são atores de porte médio na impugnação das normas federais. Apesar disso, é notável que ao longo dos governos do PT houve um incremento substancial da participação das entidades corporativas, que pode ser creditada especialmente, como veremos, ao incremento substancial da litigância por entidades representativas do próprio judiciário e do MP.

Além disso, vemos que a participação dos atores é muito diversa. Os governadores tem uma participação muito expressiva na impugnação de normas estaduais, que chegou a ser predominante ao longo do período correspondente ao período FHC, mas que tem caído consistentemente desde 2003. Diversamente do que esperávamos, a participação da PGR também é mais expressiva na impugnação de normas estaduais que de normas federais, âmbito em que o protagonismo mais acentuado se divide entre partidos políticos e entidades corporativas. Descontado o período Fonteles, a PGR seria um demandante de médio porte, que teve uma alta relevância no período pré-FHC, mas que depois teve níveis de participação cada vez mais reduzidos.

1.1.1. Entidades corporativas

Entre os demandantes, o grupo que mais ingressou com ADIs foi o das entidades sindicais ou de classe de âmbito nacional, que chamaremos simplificadamente de Entidades Corporativas, visto que tanto as entidades de classe como os sindicatos representam também uma determinada categorias. Essa é uma informação relevante porque antes de 2004 a posição majoritária era dos governadores de estado, cuja litigância em ADIs diminuiu sensivelmente entre 2004 e 2012, ao passo que a litigância das entidades corporativas aumentou tanto em número de processos quanto em percentual dos processos distribuídos. Assim, já se encontram ultrapassadas as conclusões de Werneck Vianna e outros no sentido de que os governadores se destacam como "os mais frequentes usuários de Adins" (2007). Considerando a heterogeneidade das Entidades Corporativas, elaboramos um gráfico que as divide em alguns grupos, tendo em vista a natureza dos interesses defendidos por elas.

Gráfico 5.2 Entidades Corporativas:Total

Percebe-se uma grande desconcentração nos requerentes, sendo que até mesmo as entidades mais ativas (a Associação dos Magistrados Brasileiros -- AMB e a Confederação Nacional do Comércio --CNC) não ultrapassam a marca de 10% dos processos. Todavia, como mostraremos depois essa desconcentração no ingresso não é acompanhada por semelhante desconcentração nos julgamentos de procedência.

Embora o que numericamente ingressou com mais ações tenha sido o das entidades que defendem interesses de empresas, esse número é superado pela soma dos vários tipos de entidades que defendem interesses de agentes do setor público, como mostra o gráfico abaixo.

Gráfico 5.2.1 Entidades Corporativas agrupadas por tipo

Esse gráfico também esclarece que embora as entidades corporativas do setor público sejam o maior grupo tanto nas ADI-F quanto nas ADI-E, neste grupo elas representam a maioria absoluta das entidades demandantes, o que indica que o controle concentrado de constitucionalidade de normas estaduais é majoritariamente uma forma de dirimir questões internas ao Estado, e não de regular as intervenções do Estado na sociedade. Consideramos que o fato de existir uma multiplicidade de legislações estaduais sobre servidores e sobre organização administrativa torna prima facie compreensível essa preponderância de entidades do setor público no manejo do controle concentrado. De forma inversa, as entidades de classe e de trabalhadores, cujos interesses são mais diretamente ligados a matérias de competência da União, têm nas ADI-F uma participação correspondente a quase o dobro de sua atuação nas ADI-E. Já entidades empresariais têm uma participação tanto numérica quanto proporcional bastante semelhante nos dois grupos, o que indica a existência de interesses relevantes regulados por legislação nos dois níveis federativos.

O caráter estático dessa informação geral deve ser complementado por uma análise da modificação dessas relações no tempo, o que pode ser percebido no seguinte gráfico, que diferencia as ações pelas legislaturas federais.

Gráfico 5.3 Entidades corporativas, por governo : percentual

Gráfico 5.3.1 Entidades corporativas, por governo, contagem

Embora esses gráficos não permitam fazer inferências causais entre políticas de governo e perfis de litigância, o uso de períodos de 4 anos para diferenciar as ações mostra seu movimento de médio prazo, no qual fica claro que a participação de cada tipo de entidade variou bastante ao longo do tempo.

Nas ADI-F, a mudança mais evidente foi o um incremento substancial da participação das entidades do setor público, que teve um incremento de mais de 50% nos governos do PT, com relação aos períodos anteriores. Além disso, é notável o decréscimo da participação de entidades de trabalhadores ao longo dos governos do PT, culminando pela quase ausência de sua participação ao longo do governo Dilma, em que apenas uma ADI foi proposta por esse grupo.

Para essa situação contribuiu sobremaneira o grande aumento no número de ADIs apresentadas pelas entidades corporativas ligadas ao MP e ao Judiciário, que mais do que triplicaram ao longo dos governos do PT, somando neles cerca de ¼ das demandas desde o início do governo Lula. Esse dado é relevante porque se o caráter corporativo do controle concentrado era previsível a partir da seleção de legitimados, não era previsível que houvesse uma concentração tão grande de demandas que judicializam os interesses dos principais atores do sistema de justiça. Esse incremento substancial de um julgamento de causas de servidores públicos ligados à área da Justiça merece uma atenção especial, pois ele aponta para uma convergência crescente de interesses corporativos entre Julgadores e Requerentes.

Já nas ADIs-E existe uma configuração diversa, pois há uma relativa estabilidade das participações. Desde o início, há uma preponderância do setor público, que representa a maioria absoluta das ações desde o governo FHC-1, e mantém-se relativamente estável em patamares próximos da metade das ações. A participação das entidades empresariais também é estável em torno de 1/3 das ações, sendo que uma mudança nesse padrão ocorreu apenas no governo Lula1, quando houve um grande incremento de ações do setor público que diminuiu a participação percentual das entidades empresariais, embora o número de ações propostas tivesse permanecido estável com relação o governo FHC2. Nesse grupo, devemos atentar para o fato de que não houve uma alteração muito substancial na participação das entidades ligadas ao sistema de justiça, que sempre representaram uma parcela considerável das demandas.

1.1.2. Governadores de Estado

O segundo grupo de requerentes de grande porte é dos governadores de Estado, que até 2005 respondia pela maior parte dos processos, o que foi na época identificado por pesquisas como a de Werneck Vianna e outros. O perfil de litigância dos governadores depende muito das relações do governo com a Assembleia Legislativa, visto que a ampla maioria dos atos impugnados por esses atores é composto pela legislação estadual, quase sempre de seu próprio estado.

Gráfico 6. Governadores por ano: Federal/Estadual

Na impugnação de atos federais, percebe-se que a participação dos governadores é muito pequena e o único momento em que ela se destaca é quando 12 governadores diferentes impugnam a mesma Resolução n. 117 do Senado Federal, em dezembro de 1997, que dispunha sobre o endividamento das unidades da Federação e que terminaram sendo julgadas prejudicadas em 2004 porque a referida resolução foi revogada em 1998. Já a impugnação de leis federais nunca ultrapassou o patamar de 3 por ano.

Em níveis globais, percebe-se que houve uma grande litigância entre 1989 e 1991, fundamentalmente voltada à impugnação das constituições estaduais, especialmente nos temas de administração pública, que os governadores tiveram sucesso em caracterizar como matérias de competência privativa dos governos estaduais e que, portanto, não poderiam ser tratadas nas constituições dos estados. Desde então, a impugnação de normas das constituições estaduais se reduziu bastante, e a impugnação da legislação estadual infraconstitucional se tornou majoritária.

Esses dados consolidados são de difícil interpretação porque não evidenciam o fato de que os padrões de impugnação em cada unidade da federação é muito diverso. Para avaliar essa diversidade, construímos a seguinte tabela, que mostra a evolução do ingresso de ADIs movidas por governadores contra atos estaduais.

Tabela 6.1. ADIs de Governadores, por governo

Na maioria dos Estados, o número de ADIs movidas pelos governadores não voltou a atingir patamares semelhantes a esse período de impugnação das Constituições Estaduais. Nos Estados que têm uma participação mais significativa (acima de 8%) do total das ADIs movidas por governadores (DF, ES, RS, SC e SP), existe um alto nível de impugnação ao longo de dois ou três governos. Já nos estados que têm participação de menos de 1%, existem legislaturas ao longo das quais não houve sequer uma ação.

Além disso, é perceptível uma redução constante da litigância geral dos governadores entre 2003 e 2010, o que não deve ser correlacionado com o governo federal, visto que a impugnação à legislação federal não teve um movimento semelhante. No período de 2007 a 2010, na maioria dos Estados não houve impugnação dos governadores com relação à legislação estadual, o que permitiu que SP atingisse mais de 25% de participação com um número de processos que na legislatura anterior corresponderia a apenas 10% do total.

Níveis reduzidos de litigiosidade dos governadores se repetiram ao longo dos dois primeiros anos da atual legislatura, e foi justamente essa redução substancial que propiciou que as Entidades Corporativas passassem a ocupar o papel preponderante na invocação do controle concentrado de constitucionalidade.

Por fim, como mostra o gráfico a seguir, são poucos os governadores que sistematicamente impugnam atos de outros estados, sendo que 50% dessas ações foram movidas por São Paulo e Paraná. Além disso, existe uma concentração também no polo passivo dessas impugnações, sendo que quase metade dessas ações impugnam atos de SP e do Rio de Janeiro.

Tabela 6.2 ADIs de Governadores impugnando atos de outros estados

1.1.3. Procuradoria-Geral da República

A PGR ocupa a terceira maior posição, mas apenas por causa da atuação do MPU ao longo da gestão do Procurador-Geral Cláudio Fonteles. Se excluirmos os anos de 2003 a 2007, a participação global da PGR seria reduzida de 20,22% para 17,36%, o que seria menos do que os Partidos Políticos.

Gráfico 7. PGR: processos por procuradores-gerais

A participação da PGR deve ser analisada com cuidado especialmente porque o sistema de ADIs vem substituir o sistema anterior, em que o único legitimado para promover o controle concentrado das normas era essa instituição. Além disso, este é o único legitimado que tem como missão institucional explícita a proteção dos direitos coletivos e a defesa do interesse público, o que deveria resultar em uma impugnação centrada em interesses coletivos, e não em interesses corporativos ou partidários, como os que movem os demais legitimados. Se existe uma abertura maior para que as ADIs funcionem de fato em defesa dos direitos fundamentais dos cidadãos, ela deveria estar concentrada em uma atuação mais intensiva e focada da PGR, que infelizmente não é evidenciada por esta pesquisa, pois os dados levantados apontam justamente no sentido contrário.

1.1.4. Partidos políticos

Os partidos políticos, como não são submetidos a critérios de pertinência temática, têm ampla possibilidade de atuar em defesa dos interesses públicos. Ao mesmo tempo, a sua atuação é a mais ligada às relações dos partidos com os governos federal e estaduais, o que torna o seu perfil de litigância diverso dos demais.

Gráfico 8. Partidos Políticos: total

Observa-se que há uma grande dispersão nos requerentes desse grupo, pois mesmo o partido que mais ingressou com ADIs concentra pouco mais de 20% das ações, e muitos são os partidos que ingressaram com mais de uma dezena de ações. Além disso, esse gráfico deve ser lido com cuidados, tendo em vista que várias das ações dos partidos envolvem mais de um partido e que nós levamos em conta apenas o primeiro litigante. Assim, o resultado é ainda mais plural do que o que o gráfico indica.

Esses números globais, porém, são pouco relevantes, tendo em vista que o perfil de litigância de cada partido esteja diretamente vinculado com sua posição frente aos governos e grupos majoritários que editaram as normas que se busca impugnar. A preponderância numérica do PT ocorre apenas pela sua atuação enquanto ele estava na oposição ao governo federal, sendo que as ADIs ajuizadas pelo PT ao longo dos governos Lula e Dilma foi muito pequena.

Gráfico 8.1 Partidos por Governo

Esse gráfico mostra que houve um pico de impugnação pelos partidos no segundo governo de FHC, e que essa quantidade atípica não deriva da ação de um único partido, mas da ação de várias entidades, sendo notável inclusive que a participação do PT caiu tanto numérica quanto percentualmente do governo FHC1 para o FHC2. Um ponto a ser notado é que um grande número de ações foi movido por partidos numericamente pequenos, como o PC do B os partidos que compõem atualmente o bloco parlamentar PR, PRTB, PSL, PTC e PT do B, que juntos ajuizaram cerca de 1/3 das demandas no governo FHC2. Outro ponto que fica nítido é que a litigância dos partidos em termos de ADI diminuiu sensivelmente de intensidade ao longo dos governos do PT. Mesmo levando em conta que a pesquisa engloba apenas os dois primeiros anos do Governo Dilma, o número de ADIs ingressadas por partido é apenas 1/3 do que houve no Governo Lula2, de modo que a manutenção desse padrão conduziria à continuidade da redução.

Uma peculiaridade dos partidos é o fato de que eles são o único grande grupo de demandantes que impugnou mais atos federais que estaduais, o que sugere que a sua atuação está mais ligada à defesa dos interesses eleitorais do partido, uma vez que a legislação eleitoral é de competência privativa da União. Se dividirmos as ADIs dos partidos em impugnações a atos federais e estaduais, teremos a seguinte distribuição:

Gráfico 8.2 Partidos por Governo: Federal/Estadual

Esse gráfico deixa nítido que o número de ADIs-F teve um pico no Governo FHC1, decorrente da atuação intensa do PT, que praticamente deixou de existir desde que esse partido assumiu o governo federal em 2002. Todavia, o aumento significativo nas ações movidas pelo DEM e pelo PSDB, que compunham a base do governo FHC e passaram à oposição, fez com que não houvesse uma queda tão grande nos governos Lula, cujos totais ficaram em torno de 20 processos por ano. Mais notável é a queda ao longo dos dois primeiros anos do governo Dilma, em que as impugnações caíram para o patamar de 11 ações por ano, um decréscimo de quase 50%.

Já no âmbito das ADIs-E, a situação é muito diversa. Há uma concentração imensa de ações no governo FHC2, que somaram 3 vezes mais processos que os iniciados pelos partidos no governo FHC1. Esse grande número de ações, movidas majoritariamente por partidos pequenos, não se manteve ao longo dos governos do PT, e assim como no caso das ADIs-F, houve uma queda na média anual muito significativa no governo Dilma.

Essas são variações amplas, que convergem em uma recente diminuição no número de ADIs ajuizadas por partidos políticos, que chegou aos mínimos históricos ao longo do governo Dilma. Embora a análise das decisões esteja reservada para um momento posterior deste trabalho, avançamos parte dessas análises porque elas permitem esclarecer um pouco esses movimentos de ajuizamento.

O gráfico a seguir mostra que o índice de procedência no caso das ADIs-F é muito baixo, nunca superando 6% dos processos ajuizados. E o gráfico subsequente esclarece que o índice de deferimento de liminares era relativamente baixo se comparado ao dos demais processos até o fim do governo FHC, quando começaram a ser sentidos os reflexos da mudança processual que reduziu sobremaneira a concessão de liminares, que passaram a atingir apenas 5% dos processos nos últimos governos. Essa fixação dos índices de procedência e de concessão de liminares em torno de 5% dificilmente tornam a via da ADI uma alternativa atraente para os partidos políticos como uma via efetiva de invalidação de normas no plano federal.

Gráfico 8.3 Partidos: situação dos processos (F/E)

Gráfico 8.4 Partidos: liminares

No âmbito das ADI-E, observa-se uma retração muito semelhante ao das ADI-F no que toca à concessão de liminares, que foi reduzida severamente ao longo deste século para todos os processos, e não apenas para aqueles ajuizados por partidos políticos. Uma queda semelhante não foi operada, contudo, nos índices de deferimento de ações que tem mais do que a média de duração desses processos (o que engloba os períodos Lula1 e anteriores). No campo da legislação estadual houve mais sucesso na litigância dos partidos, mas curiosamente o número de procedências cresceu do Governo FHC2 para o Lula1, mesmo que o número de ações tenha caído para menos da metade.

Gráfico 8.5 Partidos: decisões procedentes

Esse gráfico indica que as decisões de procedência se concentram em poucos partidos e estão mais relacionadas com a impugnação da legislação estadual do que da legislação federal. Ao longo de toda a vigência da Constituição de 88, os partidos que mais litigaram não chegaram a anular mais do que seis leis federais por ano e nenhuma das ações que eles propuseram desde o segundo governo Lula chegou a ser julgada procedente na impugnação de atos federais. Essa informação é relevante especialmente porque, no âmbito estadual, já foram julgados procedentes quase 10% dos processos, o que é um índice alto especialmente tendo em vista que só foram julgadas cerca de 20% das ADIs-E ajuizadas nesse período. E um fato a ser notado é que tanto o PSDB quanto o DEM, que são partidos centrais na atual oposição, nunca obtiveram decisão de procedência na impugnação de atos federais, somente de atos estaduais.

Como 95% das ADIs-F ajuizadas no governo Dilma ainda não foi apreciada, não é possível fazer observações sobre o perfil que deve aflorar desses julgamentos. Mas, caso esse índice nulo de deferimento de ADIs-F se mantenha nos próximos anos, é pouco provável que os partidos que têm outras vias abertas continuem a se utilizar desse sistema com a frequência atual. E possivelmente essa queda vertiginosa na média anual de ajuizamentos já possa ser um ajustamento do comportamento dos partidos ao baixo retorno do seu esforço no ajuizamento de ADIs, que podem vir a ter seu papel reduzido a promover o estabelecimento de agendas de discussão na mídia, em vez de servirem como efetivo modo de tutela judicial de interesses partidários. Todas essas peculiaridades indicam que o perfil de litigância dos partidos é diverso e complexo, e que a manutenção de índices relativamente altos de litigância com níveis tão baixos de procedência aponta para um uso das ADIs menos voltado para a obtenção de provimentos judiciais do que como meio de pressão ou de conquista de visibilidade. Nesse sentido, a presente pesquisa corrobora a de que "a despeito das pequenas chances de sucesso na arena judicial, políticos podem se beneficiar por contestar políticas majoritárias porque angariam em torno de si considerável atenção pública, decorrente em especial da visibilidade que os meios de comunicação dedicam a esses episódios"[13].

Embora essa tese precise de análise mais específica para ser comprovada, o gráfico seguinte o número de decisões de procedência é muito menor do que as de prejudicialidade, que indicam a mudança posterior na legislação impugnada. Além disso, o gráfico mostra que boa parte dessas decisões de prejudicialidade tem uma duração relativamente rápida, o que indica que não se trata de uma prejudicialidade decorrente de longos transcursos de prazo, mas de alterações relativamente céleres (de um a dois anos) na própria legislação.

Por um lado, essas constatações parecem corroborar a tese de Taylor e Da Ros no sentido de que "encarar a influência política dos tribunais apenas sob a ótica dos casos em que aqueles efetivamente alteram a legislação significa restringir sobremaneira a análise e deixar sem apreciação táticas políticas importantes que envolvem os tribunais mesmo em contextos em que a vitória judicial não é esperada". Todavia, cabe reconhecer que essa é uma utilização da tática judicial que envolve pouco o judiciário, pois trata-se apenas de uma utilização estratégica dos impactos políticos da cobertura da mídia sobre o caso, o que não aumenta propriamente a "influência política dos tribunais", mas a influência política dos partidos a despeito dos tribunais.

Ademais, uma verificação dos níveis de litigância dos partidos a partir de 2008, quando Taylor e Da Ros publicaram essas conclusões parece indicar que os benefícios políticos das táticas judiciais não se mantêm nos mesmos níveis da década de 1990, tendo em vista a retração constante nos níveis de litigância partidária desde 2002. Essa retração, que já havia sido diagnosticada por esses autores em 2007, apenas se acentuou com o tempo.

Naquele momento, Taylor e Da Ros aventaram a hipótese de que a mudança na legislação poderia estar na raiz dessa mudança, mas rejeitaram essa ideia por considerar que "embora plausível em uma análise inicial, essa hipótese contribui muito pouco para explicar a variação observada"(2008, p. 844), o que justificam a partir de duas teses: (1) que a maioria dos proponentes partidários recorre aos tribunais como meio de obter visibilidade e não provimentos judiciais e (2) que os custos de ajuizamento continuam baixos e que o STF é a última possibilidade de se derrotar determinadas leis.

Esses argumentos, contudo, não parecem oferecer a interpretação mais adequada dos fatos. Por um lado, o STF só representa a última possibilidade para atores que tenham pouca influência política, o que não é o caso dos grandes partidos de oposição e, por mais que os custos sejam baixos, as possibilidades de ganho são também muito reduzidas. Além disso, a tese de que o interesse principal é a visibilidade parece desconsiderar que a política de liminares anteriormente existente representava possibilidades concretas de uma apreciação bastante célere da liminar, e que esse julgamento provisório sobreo mérito (e não apenas as repercussões midiáticas do ajuizamento) pudesse estar no centro das táticas judiciais de impugnação. Embora a retração do ajuizamento posterior a 2007 não pudesse ser prevista pelos autores, não parecia haver motivos sólidos para considerar comprovada a tese de que o interesse fundamental era o da visibilidade do ajuizamento e não o da combinação de eficácia e visibilidade que poderiam decorrer de uma apreciação da cautelar. Além disso, devemos ressaltar que existe um risco crescente de que decisões desfavoráveis possam inviabilizar outras estratégias de mudança, tendo em vista que o STF cada vez mais tem decidido para além dos pedidos formulados pelos autores (Sundfeld e outros, 2010, pp. 60 e ss). Por tudo isso, divergimos de Taylor e Da Ros, considerando que a mudança legislativa imposta pela Lei n. 9.868/1999 teve influência decisiva nos padrões de julgamento e de ajuizamento de ADIs, especialmente pelos partidos políticos.

Essa discordância, contudo, deve ser entendida com cuidado, tendo em vista que ela resulta em um fortalecimento da tese central dos autores, tendo em vista que a mudança no padrão de liminares teria acarretado uma redução do interesse político no controle concentrado, mas não uma anulação desse interesse. Portanto, permanece sólida a tese de Taylor e Da Ros no sentido de que o ajuizamento da ADI não pode ser entendido como a simples busca por um provimento judicial positivo, mas que deve ser interpretado (especialmente depois de 2002) como parte de uma estratégia política mais ampla, que está centrada na mudança legislativa das normas impugnadas e não em sua alteração judicial, especialmente considerando que o nível de prejudicialidade nos atos federais é bem mais alto que na impugnação de atos estaduais.

Gráfico 8.6 Partidos: ações prejudicadas

Por fim, devemos ressaltar que as informações levantadas ao menos colocam severas dúvidas sobre as teses de que o grande número de ADIs ajuizados por partidos indica um alto grau de judicialização da política. Uma vez que essas ADIs, especialmente das ADIs-F, têm uma função mais política (de agenda e pressão) do que judicial (no sentido de postular decisões), especialmente dentro do atual padrão de concessão de liminares, estaríamos mais frente a uma instrumentalização estratégica do judiciário do que de uma judicialização da política propriamente dita.

1.2. Perfil dos Atos Impugnados

Que tipo de atos esses requerentes buscaram impugnar? O início da resposta a essa questão está no gráfico seguinte, que indica os totais globais de objetos de impugnação.

Gráfico 9. Atos Impugnados Total

Salta aos olhos que a imensa maioria dos processo buscou impugnar atos de natureza legislativa, especialmente a legislação produzida pelos estados. As ADIs voltadas contra leis estaduais somam mais de duas vezes o número de ações que impugnam legislação federal e mais de dez vezes o número de ações que solicitam a declaração de inconstitucionalidade de atos emanados do poder judiciário e do MPU. Mesmo assim chama atenção o fato de que existe um expressivo número de ADIs voltadas contra atos do Judiciário ou do Ministério Público, que foram impugnados em número maior do que os atos normativos do poder executivo tanto no âmbito federal como no estadual.

Cruzando as informações globais sobre requerentes e atos impugnados, chegamos ao seguinte gráfico:

Gráfico 9.1 Atos Impugnados por Requerentes

Esses dados revelam que não apenas a maioria dos processos teve por objetivo a impugnação de atos legislativos estaduais, mas que esse é o padrão da maioria dos atores. Entre os grandes grupos de requerentes, somente os partidos políticos exibem uma preponderância de impugnações da legislação federal, o que se explica em grande medida porque a legislação eleitoral e partidária é de competência privativa da União.

Há também um número relevante de ações voltadas a impugnar legislação federal e atos normativos dos poderes executivos, mas esses são minoritários com relação às impugnações da legislação federal, especialmente porque contamos como legislação federal as medidas provisórias, por estarem todas essas normas no mesmo grau de hierarquia. Além disso, existe uma complexidade peculiar, que dificulta o tratamento diferenciado das medidas provisórias e das leis: como as medidas provisórias normalmente modificam leis, torna-se difícil definir se o que se impugnou foi a medida provisória que alterou a lei ou se foi a lei, na redação dada por uma medida provisória. Ademais, quando as medidas provisórias são convertidas em leis, resta ainda mais complexo definir se a impugnação da lei de conversão deve ser entendida como o questionamento de uma lei ordinária ou de um ato decorrente do poder executivo. Essas dificuldades sugerem que devemos tratar as medidas provisórias como integrantes da legislação federal, uma vez que elas têm o mesmo grau hierárquico, e que eventuais tentativas de traçar padrões de julgamento que lhes são próprios devem ser feitos com cuidados metodológicos redobrados.

Devemos reconhecer, porém, que essa análise de valores globais calculados em um período de mais de 24 anos não têm um significado muito denso, visto que variou bastante ao longo do tempo a participação de cada um desses atos. Uma análise mais cuidadosa deve avaliar a variação desses dados no tempo, sendo que o gráfico abaixo aponta para a variação nos grupos de atos impugnados.

Gráfico 9.2 Gráfico Ato impugnado por ano

Os dados revelam que a ampla preponderância de impugnações a atos estaduais não deriva de um momento de pico, pois eles representam sempre o maior grupo de processos. Embora a impugnação da legislação federal e dos atos do presidente da República também alcance patamares relevantes, fica claro que o sistema de controle concentrado representa, em grande medida uma forma de controlar os atos legislativos e administrativos estaduais, cujo montante foi na maioria dos anos superior a 50% dos processos distribuídos e nunca baixou de 40% desse total.

Além disso, devemos observar que existe uma grande disparidade no número de ADIs por unidade da federação, como vemos a seguir.

Gráfico 9.3 Atos impugnados por Unidades da Federação

As ADIs concentrando-se especialmente em atos praticados por estados nas regiões Sul e Sudeste, e também no DF, em que a maioria das unidades teve por volta de 200 ADIs, salvo Minas Gerais, em que houve apenas 136. Mas esse número já é bem superior à média das outras regiões do país, em que nenhum outro estado ultrapassou a marca de 100 ações.

Não se deve esperar uma correlação imediata entre a população e o número de ADIs contra a legislação estadual, visto que não há uma correlação entre a população de uma unidade federativa e o número de leis que ela precisa editar. Um dos fatores que poderia explicar essa desigualdade seria uma questão institucional, relativa a escolhas políticas que resultam em maior impugnação dos atos, o que deveria resultar em uma concentração especialmente grande de impugnações pelos Governadores com relação a atos legislativos do próprio Estado. Essa hipótese é bastante compatível com as informações do gráfico a seguir, que conta apenas as ações movidas por Governadores de Estado e cuja cor indica uma concentração maior de ADIs na unidade.

Gráfico 9.4 Unidades da Federação: Impugnação por governadores

Percebemos que a concentração de ADIs na maioria dos estados do Sul e Sudeste aumenta consideravelmente, exceto no Paraná (onde permanece constante) e em Minas Gerais, onde cai consideravelmente, indicando que não há uma política de impugnação de atos legislativos pelo Governador. Nos demais estados, somente há uma concentração muito grande neste mapa em Rondônia, Amapá e Alagoas, o que indica a presença de uma política dessa natureza. Não obstante o Rio de Janeiro ser o estado com maior número de atos impugnados, uma política de impugnação pelos governadores é menos evidente, pois ele tem apenas o sexto maior número de impugnações movidas pelos governadores, o que é um número menor do que o que corre, por exemplo, no DF e em Rondônia. Esse fato torna claro que a posição de destaque do RJ em número geral de ADIs decorre especialmente de uma concentração das atuações da PGR, dos partidos e das Entidades Corporativas, que são especialmente intensas nesse estado.

Capítulo 2. A Situação Atual dos Processos

Um dos pontos mais relevantes da presente pesquisa é mostrar como esses processos são decididos e verificar em que medida essa estrutura de controle dos atos estaduais pode ser justificada pelos argumentos com que normalmente se justifica a necessidade do controle concentrado. E o que ocorreu com esses processos ao longo do tempo? Uma resposta inicial para essa questão é oferecida pelo seguintes gráficos:

Gráfico 10. Situação dos processo por ano de distribuição

Gráfico 10.1 Situação atual (percentual)

2.1. Fases dos processos

Esses gráficos mostram a situação dos referidos processos no termo final da pesquisa, indicando que os processos apresentam quatro estratos.

  • Fase pré-julgamento: Processos iniciados entre 2011 e 2012.

Nesse período, que corresponde aos dois primeiros anos do Governo Dilma, são poucos os processos julgados, e as poucas decisões existentes são pela improcedência ou extinção dos feitos. Isso indica que há um maior esforço para o julgamento de causas mais antigas que essas, pois não se verifica sequer um grande número de decisões que importem uma rápida extinção do processo.

  • Fase de julgamento acelerado: processos iniciados entre 2010 e 2003

Os julgamentos de mérito aumentam substancialmente nos processos iniciados ao longo do Governo Lula. No gráfico de percentuais, percebe-se que há uma redução gradual e constante dos processos que aguardam julgamento, que cai de 4/5 para cerca de 1/3 dos processos. Os dados sugerem que há um esforço consistente de trabalho no julgamento desses processos, o que resulta em um incremento gradual do número de processos apreciados.

Logo no 4º ano, o número de extinções monocráticas atinge patamares estáveis, o que indica que os motivos para a extinção sem julgamento de mérito se estabilizam em torno de 15 a 20%, não importando o momento em que eles foram ajuizados.

  • Fase de estabilização: processos de 7 a 14 anos

Nesse período, a cumulação de trabalhos gera uma redução dos processos aguardando julgamento, mas em um ritmo menos acentuado que na fase anterior. Esse número cai até se estabilizar em torno de 10 a 15% e é também sensível o incremento em decisões de extinção. Notável também é a grande variação anual do nível de procedência dos pedidos.

  • Fase residual: processos com 15 anos ou mais

Nessa fase, o número de processos a serem apreciados se fixa no patamar de 10 a 15%, o número de decisões de extinção ultrapassa 50% dos processos e não podemos notar um incremento gradual em nenhum dos resultados típicos.

Essas informações são bastante inconclusivas, pois o número das decisões e dos processos que ainda aguardam julgamento varia bastante ano a ano. Uma melhor compreensão do sentido dessas variações será propiciado ao longo do trabalho quando são analisados os elementos que compõem essas variações. De todo modo, as variações que parecem anti-intuitivas nesse gráfico demandam uma análise mais cuidadosa, especialmente a imensa variação nos níveis de procedência.

2.2. O perfil das liminares

2.2.1. O tempo das liminares

É preciso avaliar também o modo como as liminares perduram no tempo, visto que uma das teses que poderia explicar a longa duração dos processos seria a existência de liminares que garantiriam as pretensões dos demandantes, que poderiam perdurar quase indefinidamente. Considerando o grande contingente de processos que aguarda julgamento há mais de cinco anos, seria verossímil imaginar que um dos motivos pelos quais esse estado se mantém seria o fato de que tais processos se encontrariam em uma situação relativamente estável por contarem com liminares deferidas. Seria compatível com esse cenário a tese sustentada por Werneck Vianna et alii, enunciada em 1999 e reiterada em 2005, segundo a qual "o STF tem preferido exercer o controle da constitucionalidade das leis mais no julgamento das liminares do que no do mérito".

Entretanto, uma análise da situação efetiva desses processos indica que tais conclusões não correspondem aos fatos, especialmente a partir de 2001, visto que a maior parte dos processos que aguarda julgamento não tem liminares deferidas. Como mostra o gráfico a seguir, apenas 17% das ações que aguardam julgamento têm liminares deferidas, mas essa situação deve ser analisada com cuidado porque o gráfico abaixo mostra que o perfil de concessão de liminares mudou drasticamente desde o início deste século.

Gráfico 12. Processos aguardando julgamento - liminares

Cabe ressaltar que o pequeno contingente de liminares prejudicadas em processos aguardando julgamento se refere basicamente a processos repetidos, nos quais a apreciação prévia de liminares sobre as mesmas normas prejudicou a análise do pedido de liminar em processos posteriormente ajuizados. Esse gráfico é melhor compreendido caso seja segmentado entre os processos distribuídos no séc. XX e XXI, pois o padrão de julgamento de liminares é bastante diverso nesses períodos.

Gráfico 12.1 Processos aguardando julgamento -- situação das liminares xx/xxi

Entre os processo distribuídos até o ano 2000 e que ainda aguardam julgamento, 50% contam com liminares deferidas, o que torna plausível a tese de que essas situações se encontram estabilizadas, visto que, como mostraremos a seguir, a maioria dos processos julgados nessa situação tem decisões de procedência. Das 281 liminares atualmente vigentes em ADIs, 178 se referem a processos distribuídos entre 1988 e 2000, e apenas 111 se tratam de liminares editadas ao longo deste século. Essa disparidade se torna explicável na medida em que desde o ano 2001 houve uma queda muito acentuada na apreciação de liminares, tanto para a concessão quanto para a denegação, além de um aumento substancial no número de ações que sequer fazem pedido de liminar.

Gráfico 2.2 Situação de liminares por distribuição por ano

Percebe-se claramente que até o ano 2000, havia um alto índice de concessão de liminares, sendo que os deferimentos alcançavam de um terço a metade das ADIs ajuizadas. Em 2000, esse número caiu para 21% e nos últimos dez anos ele não superou a marca de 10%. Ainda mais notável é queda no número de liminares indeferidas, que representavam cerca de 20% dos processos e passaram a ser residuais ao longo deste século. Essa combinação de fatores indica que tal mudança de perfil de julgamento foi propiciada pelas alterações processuais introduzidas pela Lei n. 9.868 de novembro de 1999, cujo art. 12 viabilizou o julgamento do mérito da ADI sem a prévia análise da liminar. Até então, o padrão de julgamento era o de apreciar inicialmente a Medida Cautelar, gerando uma decisão independente e um acórdão autônomo. Esse processo reforçava a relevância da liminar e exigia uma espécie de duplo julgamento, pois uma apreciação cuidadosa da liminar terminava por avançar boa parte dos debates referentes à declaração de inconstitucionalidade.

Essa situação é corroborada pelos índices relativamente baixos liminares com avaliação prejudicada pelo fato de o processo ser apreciado antes da apreciação da liminar, e também pela grande mudança no perfil desses processos, descrita no gráfico a seguir.

Gráfico 12.3 Liminares prejudicadas

Antes da referida alteração processual, era mínimo o número de ADIs julgadas procedentes antes da apreciação da liminar, pois só era típico deixar de apreciar liminares nos casos em que a ADI era extinta sem o julgamento do mérito.

Nos processos distribuídos desde 2002, passou a predominar a prejudicialidade de liminares em virtude do julgamento de mérito dos processos, o que aponta para uma utilização intensiva do rito do art. 12, que permite a apreciação direta do pedido ao Plenário. A utilização maciça desse rito focou os esforços do Tribunal nos debates sobre julgamento principal e terminou por reduzir na razão de cinco vezes a concessão de liminares, que caiu de uma média de 40% para uma média de 8%. Com isso, aumentou bastante o número de liminares prejudicadas e tornou majoritária o número de ações que aguardam julgamento sem qualquer apreciação da liminar, como mostra o gráfico abaixo.

Gráfico 11.4 Liminares em processos aguardando julgamento, por ano de distribuição

Assim, Werneck Vianna et alii tinham razão quando apontaram em 1999 para uma predominância do controle feito por julgamentos liminares, mas revela-se extemporânea a repetição desta ideia em 2005 [Ob. cit., p. 76], momento as inovações processuais no rito das ADIs já tinham imprimido uma mudança radical no perfil de apreciação das liminares, que caiu drasticamente e se fixou desde 2002 em patamares bastante reduzidos.

2.2.2. Liminares em processos antigos (de 1988 a 2000)

Por mais que a ampla maioria dos processos aguardando julgamento seja de ADIs ajuizadas nos últimos 5 anos e que não contam com qualquer tipo de decisão provisória, já foi descrito que a maior parte das liminares vigentes se refere a processos distribuídos no séc. XX. A estabilidade dessas ações no tempo fez com que cogitássemos tratar essas liminares longevas como similares aos processos decisão de deferimento, na medida em que os interesses dos requerentes se encontram resguardados de forma estável e o senso comum indica que o Tribunal tem a tendência de manter as liminares.

Essa percepção foi corroborada pela pesquisa da SBDP, em cujo universo observou-se confirmação do resultado da liminar por 90% das decisões finais de mérito que tiveram liminares deferidas contra atos do poder executivo. Cabe ressaltar que, nessa pesquisa, consideraram-se atos normativos do executivo não apenas aqueles editados pelos órgãos e entidades do poder executivo da União, mas também as leis e Emendas Constitucionais que partiram de projetos de inciativa privativa do executivo, o que explica certas divergências entre os perfis identificados no trabalho da SBDP e aquelas apresentadas no presente estudo (Ministério da Justiça, 2001).

Todavia, colocamos em dúvida a ideia de tratar as liminares longevas como quase deferimentos ao verificar que apenas cerca de 60% dos processos com cautelares deferidas terminam sendo julgadas procedentes quanto ao mérito.

12.5 Gráfico: julgamento de mérito de processos com liminares deferidas (geral)

Uma análise dessa informação segmentada por ano de destruição mostra uma variação muito grande ao longo do tempo e dados muito esparsos nos últimos anos, quando a concessão de liminares caiu a níveis que inviabilizam uma análise em termos de percentuais.

Gráfico 12.5.1 : julgamento de mérito de processos com liminares deferidas (por ano)

Todavia, é relevante perceber que essa média foi praticamente a mesma tanto nas liminares concedidas em processos distribuídos no séc. XX quando no XXI, apesar da imensa disparidade no número de cautelares deferidas.

Gráfico 12.5.2 : situação de processos com liminares deferidas (XX/XXI)

Gráfico 12.5.3 Julgamento de mérito de processos com liminares deferidas (XX/XXI)

Contudo, se retirarmos do espectro de análise as liminares deferidas que terminam por ser julgadas prejudicadas, que somam 32% do total, chegamos a cifras bastante compatíveis com os números do SBDP, com 85% de procedência e apenas 4% de improcedência, patamar esse que também é semelhante nos julgamentos de processos distribuídos nos séc. XX e XXI. Essas são cifras bastante relevantes, visto que elas indicam que ADIs com liminares concedidas têm praticamente o dobro do índice global de procedência e metade do índice global de improcedência, de modo que, como era de se esperar, o perfil de julgamento dos processos com liminares deferidas é realmente muito diversos do perfil global. Mesmo considerando que cerca de 1/3 das ações nessas condições terminam sendo julgadas prejudicadas, devemos reconhecer que esse alto índice de prejudicialidade decorre do alto grau de mudanças legislativas nas temáticas tratadas pelas ADIs, que se concentram em áreas de direito administrativo e de organização do Estado.

Considerando o índice global de 85% de procedência das decisões em ADIs com liminares previamente deferidas, parece razoável compreender que essas ações são politicamente muito próximas a decisões de deferimento, pois elas tutelam os interesses dos requerentes de forma praticamente idêntica a uma decisão de mérito. Embora não sejam decisões juridicamente equiparáveis, elas têm para os atores um nível muito similar de utilidade e terminam por desencadear processos de mudança legislativa bastante similares ao que ocorreria em uma decisão de procedência, que conduz os atores políticos a buscar novas formas normativas para garantir os seus interesses, de forma compatível com a interpretação do STF sobre a Constituição. Embora devamos reconhecer que uma análise mais completa do perfil do controle concentrado deva compreender uma categorização das decisões em sede de cautelar, essa classificação ultrapassa os limites do presente trabalho e é menos relevante para compreender a situação atual, tendo em vista que na última década houve uma reduzida concessão de liminares.

Uma situação semelhante não ocorre com as liminares indeferidas, visto que não existe uma correlação sólida entre a improcedência da liminar e a improcedência da ADI.

Gráfico 12.6 Julgamento de processos com liminares indeferidas

Esses dados indicam que devemos tratar de forma diferenciada os processos que aguardam julgamento com liminares deferidas, mas não os que aguardam julgamento com liminares indeferidas. Assim, uma análise mais acurada da situação atual dos processos é dada pelo gráfico seguinte, que desagrega dos processos aguardando julgamento aqueles que têm liminares deferidas, o que modifica especialmente a situação do ano 2000, em que há um maior número de liminares ainda vigentes do que de processos julgados procedentes, e de 1998, em que esses números são equivalentes.

Gráfico 12.7 Situação dos processos distribuídos (desagregando liminares deferidas) Essa mudança também implica uma revisão da tabela de processos julgados, que fica assim determinada.

Gráfico 12.8 Situação dos processos julgados (desagregando liminares deferidas)

Percebe-se que, em geral, o número de liminares concedidas a cada ano e que permanecem vigentes não é tão variado quanto o número de ações deferidas e nem de processos totais julgados, variando de 6 a 22 processos por ano (em que o maior número é menos de quatro vezes o menor). A variação percentual é muito maior, visto que ela vai de 3 a 30%, o que implica uma variação de 10 vezes. Além disso, era de se esperar um aumento gradual no número de liminares que permanecem vigentes, na medida em que fossem sendo julgados os processos com liminares antigas. Contudo, o padrão que aflora é o de uma concessão bem mais restrita de liminares ao longo do séc. XXI, bem como a manutenção das liminares concedidas há mais de dez anos, que avaliaremos no ponto seguinte, sobre o tempo dos processos.

2.3. O tempo dos processos

Outro ponto relevante a ser percebido é o do ritmo de julgamento dos processos, que pode inicialmente ser percebido no seguinte gráfico de julgamentos por ano, que é mais detalhado que o gráfico anterior, pois indica todos os tipos de julgamento.

Gráfico 13. Situação dos processos julgados (detalhado)

Percebe-se que houve um aumento substancial nos julgamentos de mérito a partir de 2001, tanto no que toca à procedência como à improcedência. Se fizermos uma distribuição dos julgamentos entre as presidências do STF, verificamos que esse aumento coincide com o momento em que assumiu a presidência o min. Marco Aurélio, sendo que ao longo de seu mandato houve a maior concentração de julgamentos da história do Tribunal, a qual não se deveu apenas ao julgamento mais rápido de processos novos, mas especialmente a um visível trabalho da Corte no julgamento dos processos antigos. Essa mobilização se revela claramente no súbito aumento da duração média dos processos julgados, que salta de 1,8 anos em 2000 para 5,2 anos em 2001, o que mostra um esforço concentrado em diminuir o estoque dos processos antigos.

A estrutura desse esforço é nítida no gráfico seguinte, que simplifica um pouco os andamentos e agrega uma diferença na largura das colunas proporcional ao tempo médio de duração dos processos julgados.

Gráfico 13.1 Situação dos processos julgados (agregando tempo)

Fica evidente que em 2000 e em 2001 houve um incremento nos julgamentos de prejudicialidade dos processos muito antigos (com média superior a 7 anos) e uma extinção monocrática de muitos processos relativamente antigos (com média de 3,6 anos em 2000 e de 2,5 anos em 2001). Mas não se tratou apenas de uma busca no sentido de identificar os processos prejudicados que continuavam tramitando, pois ao longo da presidência de Marco Aurélio também houve 172 decisões de procedência, o que representa um recorde na história do Tribunal.

Uma análise desse fato poderia apontar para a necessidade de investigar a relação entre a mudança na presidência e o padrão de julgamentos, mas de fato cremos que o mais importante é que essa coincidência aponta para a necessidade de um grande cuidado no traçado de relações causais. Como veremos no tópico a seguir mudança no perfil de julgamento consistiu em uma acentuada queda a apreciação de liminares e incremento na avaliação direta do mérito. Essa alteração parece pouco ligada a qualquer alteração na Presidência, pois o padrão de julgamento que passou a ser dominante no STF a partir de 2002 é compatível como a simples adoção dos ritos processuais introduzidos pela Lei n. 9.868/99, que alterou o processo de julgamento das ADIs.

Ao nos depararmos com esse incremento substancial no número de decisões de mérito, uma interpretação que pareceu prima facie plausível foi a existência de uma mudança no perfil de julgamentos que implicasse um esforço mais concentrado no julgamento dos processos. Todavia, essa interpretação não se sustenta quando comparamos o número total das decisões que demandam do tribunal uma análise cuidadosa dos fatos e do direito envolvidos, que compõem dois grupos: o primeiro, evidentemente, é o dos julgamentos de mérito das ADIs; o segundo é o dos julgamentos que conduzem à concessão de liminares, visto que o indeferimento de liminares pode estar ligado a julgamentos com cognição mais reduzidas.

Gráfico 13.2 Decisões de mérito por ano

Gráfico. 13.3 Concessões de liminares por ano

Esses dados indicam que não houve nos últimos anos um esforço mais concentrado no julgamento de ADIs. Pelo contrário, o que se observa desde 2008 é que o esforço decisório em termos de ADIs sofreu uma redução significativa, o que se consolida especialmente no ano de 2012, que pode se tornar atípico devido à grande concentração de atividades no julgamento da Ação Penal 470, que tratou do mensalão e consumiu quatro meses de trabalho.

O que se percebe foi uma alteração clara no tipo de decisão que passou a ser prioritária a partir de 2002. Neste ano, que marcou a mudança de padrão, houve o pico de julgamentos, que alcançaram a cifra de 150 porque houve uma alta significativa nos julgamentos definitivos sem que a queda no número de liminares fosse ainda tão significativa. Entre 2003 e 2007, verifica-se uma continuidade incremento no número de decisões de mérito que é contrabalançada pela baixa concessão de liminares, gerando um total de avaliações de mérito que é compatível com o que houve ao longo da década de 1990. Foi somente a partir de 2008 que houve uma queda brusca no número de decisões de procedência, que baixaram de

60 pela primeira vez desde o atípico ano de 1989, no qual ainda estavam se consolidando os padrões de decisão. E em 2012 chega-se pela primeira vez a um patamar inferior a 20 decisões, o que é uma diminuição muito substancial quando consideramos que 1990 a 2007, esse número foi inferior a 80 apenas no ano de 2001.

Portanto, tudo indica que o incremento no número de julgamentos definitivos não pode ser creditado a um esforço coordenado de ações, mas significa apenas que o Tribunal tende a resolver as ADIs pelo rito do art. 12, o que evita uma apreciação independente do pedido de liminar (e que na prática significa um indeferimento desse pedido sem a necessidade de uma decisão que avalie explicitamente a cautelar). E o baixíssimo índice de indeferimento de liminares desde 2002 indica que somente tendem a ser levadas a julgamento as decisões em que o relator considera devida a concessão da liminar, pois caso contrário é possível adotar o referido rito e concentrar a atividade decisória no julgamento da ADI, mesmo que ela tenda a ocorrer apenas cinco anos depois do ajuizamento.

Isso quer dizer que até 2002 o Tribunal tendia a oferecer rapidamente um posicionamento provisório, o que era especialmente relevante para que houvesse interesse político em judicializar as questões de constitucionalidade via ADI. Desde então, o Supremo tende a oferecer uma solução definitiva, mas apenas depois de um processamento que dura em média cinco anos, o que contribui para um esvaziamento da função política das ADIs, cuja procedência pode vir demasiadamente tarde para justificar o interesse dos atores políticos de moverem ações desse tipo quando o objetivo for propiciar uma alteração legislativa mais imediata.

2.4. Processos prejudicados

As decisões de prejudicialidade são as que reconhecem que uma mudança nos fatos ou nas normas que tornam inviável a avaliação do pedido da ADI. O caso mais comum é a revogação da norma impugnada, que conduz o Tribunal a extinguir o processo, mesmo levando em conta que a revogação tem efeitos ex nunc e que uma decisão teria normalmente efeitos ex tunc. Até recentemente, alterações nas normas constitucionais que servem como parâmetro de avaliação eram entendidas como causas de prejudicialidade, mas julgamentos recentes modificaram essa diretriz e passaram a julgar a validade da regra em função do regime constitucional em que foram editadas. Existem também alguns poucos casos em que a prejudicialidade ocorre porque o Tribunal decidiu sobre a mesma regra em processo com objetos idênticos, seja em sede de controle concentrado ou difuso.

A decisão prejudicialidade normalmente indica um realinhamento dos consensos políticos que conduz a uma alteração das normas que deveriam ser cotejadas no controle judicial de constitucionalidade. Inicialmente, considerávamos a prejudicialidade como um dos tipos de julgamento sem apreciação do mérito, pois trata-se de uma decisão que juridicamente tem a mesma forma das demais decisões extintivas. Todavia, as peculiaridades desse tipo de decisão fazem com que ela deva ser tratada de modo diverso, pois o tribunal não decide pela prejudicialidade, mas apenas reconhece que as alterações normativas tornaram impossível o julgamento, o que tem uma implicação política muito diversa. Entendemos, assim, que esse contingente de processos deve ser tratado não como uma das formas de decisão, e sim como um modo peculiar de não-decisão, seja decorrente de um alongamento intencional do processo ou da impossibilidade de tratar da questão em um prazo no qual o julgamento seria útil. Para utilizar a expressão usada em recente pesquisa da Sociedade Brasileira de Direito Público, essas são "'ações sem resposta', que acabara 'ficando pelo caminho"(Sundfeld e outros, 2010, p. 10).

O alto índice de prejudicialidade impacta no índice de procedência, pois em muitos casos nos quais os argumentos de uma ADI são considerados fortes, o tempo médio de 5 anos de julgamento permite que atores políticos se mobilizem para alterar as normas antes de qualquer pronunciamento judicial. Com isso, muitas das decisões que poderiam ser de procedência acabam desaguando em prejudicialidade. Evidentemente, esse não é o caso de todos os processos, especialmente daqueles que se estendem por tanto tempo que a mudança legislativa não pode ser relacionada com uma decorrência, ainda que parcial, da judicialização. De todo modo, parece razoável supor que uma apreciação mais ágil dos processos tenderia a gerar, simultaneamente, a diminuição de índices de prejudicialidade e o incremento nos índices de procedência.

Embora a prejudicialidade sempre tenha sido uma decisão mais típica de julgamentos monocráticos, ao longo da última década houve uma diminuição severa no número de decisões colegiadas de prejudicialidade, acompanhada por um crescimento vertiginoso no número de decisões monocráticas nesse sentido, o que indica uma mudança substancial no modo como o STF maneja essas decisões. Como se trata de julgamentos que reconhecem mudança significativa nos fatos, eles tendem a demorar algum tempo, de modo que a duração média dos processos julgados prejudicados é muito próxima da dos processos com decisão de procedência ou improcedência.

13.4 Duração de processos julgados prejudicados

Um dos elementos para compreender o sentido dos julgamentos é a comparação entre o perfil dos processos e o perfil das decisões, que nos mostra o índice de julgamento das ações propostas por determinados atores e contra determinados tipos de atos. Essa análise vai ser feita quando nos dedicarmos a avaliar o perfil das decisões com relação a cada grupo de legitimados.

2.5. Processos decididos

A partir de agora, nós nos concentraremos no perfil das decisões, o que faz com que excluamos da análise os processos que aguardam julgamento e que, como já visto, correspondem a pouco mais de 1/3 dos processos. Entre os processos que foram apreciados, cabe distinguir 4 classes, cuja participação global nos processos é a seguinte:

Gráfico 14. Processos Julgados Global

Gráfico 14.1 Processos Julgados (por decisão)

Gráfico 14.2 Processos Julgados (por decisão)

2.5.1.Procedentes

Nesse grupo, identificamos tanto os processos com procedência parcial como procedência total. Há várias dificuldades na medição do real impacto dessas decisões de procedência, tendo em vista que os pedidos são muito diversos e certas decisões de procedência envolvem muitos dispositivos e outras envolvem apenas parcelas determinadas de um ato normativo. Assim, muitas das decisões de procedência parcial podem ter impactos maiores no ordenamento do que algumas de procedência total do pedido, o que faz com que um tratamento diferenciado dessas categorias não seja útil, tendo em vista que não fizemos um levantamento dos textos que cada ADI retira do ordenamento.

Além disso, devemos considerar que, especialmente entre as decisões mais recentes, há uma ampliação do uso da "interpretação conforme", de tal forma que decisões de procedência são dadas sem resultar em qualquer restrição ao texto da lei. Assim, decisões que antes seriam de improcedência (visto que existe um reconhecimento da compatibilidade entre o texto e a constituição) podem ser hoje apresentadas como de procedência, no sentido de se restringir explicitamente as interpretações consideradas compatíveis com a CF.

Apesar dessas complexidade, as decisões de procedência são o núcleo da nossa análise, por serem apenas elas que exercitam efetivamente o controle concentrado. Por mais que decisões de improcedência possam ser politicamente relevantes (como as decisões sobre as células-tronco ou sobre as cotas para negros, por exemplo), a ausência de pronunciamentos judiciais sobre o caso deixaria intacto o direito. Evidentemente, a decisão de improcedência tem relevância social, mas ela não se diferencia estruturalmente de uma decisão de improcedência no controle difuso.

Esses são os processos que consideramos mais importantes e foi apenas com relação a eles que fizemos uma avaliação minuciosa dos julgamentos, no sentido de compreender o perfil de deferimento das ADIs.

Eles compõem cerca de 1/3 dos processos que foram efetivamente julgados, sendo que o seu tempo médio de julgamento é pouco superior a 5 anos, como mostra o seguinte gráfico, sendo que metade deles é julgado em menos de 4 anos, como mostra o gráfico a seguir. Para esclarecer o sentido, cabe esclarecer que a mediana (contida no segundo gráfico) indica o ponto em que metade dos processos está acima ou abaixo. No caso específico, indica que metade dos processos foi julgado no tempo definido na mediana, sendo que grandes diferenças entre a média e a mediana sugerem a existência de um número pequeno de processos de longa duração, que eleva a média sem alterar substancialmente a mediana.

Gráfico 14.2 Tempo médio de julgamento

2.5.2. Extintos sem julgamento de mérito

Neste estrato, agrupamos as decisões em que se "indefere a inicial", "não conhece", "extingue o processo" ou "nega seguimento", e os dados das extinções s

Entre essas categorias, há um uso consistente das duas primeiras, que são conceitos consolidados na teoria do processo e indicam estratégias decisórias claras. A grande dificuldade está no uso reiterado do "não conhecimento" e do "negar seguimento", categorias ligadas originalmente ao campo recursal e incorporadas ao processamento das ADIs por sua presença no § 1º do art. 21 do RISTF. No texto original dessa disposição, de 1985, que repetia o texto do Regimento de 1970 era determinado que:

§ 1º Poderá o Relator arquivar ou negar seguimento a pedido ou recurso manifestamente intempestivo, incabível ou improcedente e, ainda, quando contrariar a jurisprudência predominante do Tribunal ou for evidente a sua incompetência.

Essa norma foi alterada pela Lei n. 8.038/90, que determinou:

Art. 38 - O Relator, no Supremo Tribunal Federal ou no Superior Tribunal de Justiça, decidirá o pedido ou o recurso que haja perdido seu objeto, bem como negará seguimento a pedido ou recurso manifestamente intempestivo, incabível ou, improcedente ou ainda, que contrariar, nas questões predominantemente de direito, Súmula do respectivo Tribunal.

A Lei n. 9.868/1999 alterou essa disposição, introduzindo expressamente o indeferimento da inicial como categoria cabível nos casos em que se determinava a negação do seguimento.

Art. 4o A petição inicial inepta, não fundamentada e a manifestamente improcedente serão liminarmente indeferidas pelo relator.
Parágrafo único. Cabe agravo da decisão que indeferir a petição inicial.

Mesmo após essa Lei modificar a regra, atribuindo ao julgamento das ADIs uma categoria típica das ações e não dos recursos, o STF modificou seu regimento mantendo a disposição anterior, por meio da Emenda Regimental n. 21/2007, que estabeleceu o texto atual do dispositivo:

§ 1º Poderá o Relator negar seguimento a pedido ou recurso manifestamente inadmissível, improcedente ou contrário a jurisprudência dominante ou a súmula do Tribunal, deles não conhecer em caso de incompetência manifesta, encaminhando os autos ao órgão que repute competente, bem como cassar ou reformar, liminarmente, acórdão contrário à orientação firmada nos termos do art. 543-B do Código de Processo Civil

Além de contar com uma multiplicidade de categorias que se entrecruzam, devemos considerar também que todas elas tendem a dificultar a análise porque abrangem igualmente decisões formais (como intempestividade) e decisões materiais dificilmente controláveis, como a manifesta improcedência. De todo modo, uma análise do tempo dos processos e da quantidade de julgados, contribui para esclarecer o uso típico do STF acerca dessa categoria.

As decisões que "negam seguimento" alcançam um número relevante de 403 decisões e um alto nível de dispersão entre os julgadores, tendo sido utilizada com frequência inclusive pelos ministros mais recentes, fato que decorre provavelmente desta ser a expressão ainda prevista no RISTF para designar decisões imediatas do relator.

Tabela 15.1 Negativa de seguimento de ADIs

Essa é uma decisão que somente cabe aos relatores, inexistindo no plenário, que compõem a maioria das decisões que determinam a extinção do processo sem uma apreciação colegiada do mérito. Todavia, alguns ministros optaram por utilizar as categorias definidas na Lei e não no Regimento, e passaram a julgar preferencialmente em termos de "indeferimento da inicial".

Tabela 15.2 Indeferimento da inicial de ADIs

O "indeferimento da inicial" é uma decisão que somente vem sendo realizada desde 2001 e trata-se sempre de uma decisão monocrática que ocorre quase sempre quando o processo ainda é muito recente, sendo que a média de julgamento é de menos de sete meses nesse caso e metade dos processos é julgado quase imediatamente. A única exceção gritante é a da ADI 588, que foi indeferida mais de 16 anos depois do seu ajuizamento e que foi retirada dos nossos cálculos porque a sua presença distorce demasiadamente os dados. Esta é uma decisão que atinge pouco mais de 1% dos processos (apenas 41 casos) e que se concentra principalmente em 2 relatores: Ayres Britto (com 15 ADIs, todas em 2009) e Menezes Direito (com 8 ADIs). De fato, considerando que 11 das ADIs de relatoria de Ayres Britto eram impugnações de uma portaria do IBAMA ajuizadas por pessoas físicas, portanto manifestamente ilegítimas para a proposição, fica claro que se trata de um tipo de decisão pouco usada e que tende a extinguir de forma quase imediata processos que são manifestamente descabidos.

O "não conhecimento", por sua vez, é uma decisão com utilização bem mais ampla e que perpassa toda a história do tribunal, mas cuja utilização está cada vez mais restrita, sendo notável que em 2012 só tenha ocorrido uma decisão nesse sentido. De acordo com o RISTF, essa é uma decisão cabível quando o tribunal é manifestamente incompetente, mas a alteração do regimento que incorporou expressamente essa possibilidade é mais recente do que o seu uso. Em uma época na qual não se usava decidir pelo "indeferimento da inicial", as decisões rápidas de extinção do processo eram realizadas por meio dessa categoria, o que denota uma utilização da linguagem típica dos recursos extraordinários para a análise das ADIs. Essas decisões de "não conhecimento" são preponderantemente monocráticas (330 de 446), mas há um contingente grande de decisões de plenário (116). Em ambos os casos, trata-se de decisões normalmente muito rápidas, de cerca de dois meses, embora a existência de alguns processos mais demorados eleve a média para em torno de um ano e meio.

Tabela 15.3 Não conhecimento de ADIs

Uma análise mais minuciosa mostra que embora haja uma difusão razoável no uso dessa fórmula, ela é preponderante entre os ministros que estão no tribunal ao menos desde meados da década de 1990, sendo que 30% das utilizações se concentram nos ministros Moreira Alves (que só a utilizou para decisões em Plenário) e Celso de Mello (que normalmente a utiliza em decisões monocráticas). Essa informação é especialmente relevante porque este ministro, bem como outros que utilizaram essa estrutura de decisão com frequência até o início dos anos 2000, passou a usar essa fórmula de forma menos intensa ao longo dos últimos 10 anos.

Outro ponto relevante é que os ministros que utilizam com mais frequência o "indeferimento da inicial" praticamente não tiveram julgamentos monocráticos de "não conhecimento", o que reforça a tese da influência das preferências pessoais nas categorias usadas em tais julgamentos.

Já a extinção do processo, embora tenha ocorrido em 5 ações julgadas pelo plenário, é tipicamente uma decisão tomada em sede monocrática, onde ocorreram 141 decisões desse tipo. Esse tipo de decisão também se concentra fortemente em alguns relatores, pois mais de metade delas ocorreu em decisões relatadas por Celso de Mello (44 casos), Cezar Peluso (32 casos) e Menezes Direito (9 casos em apenas 3 anos). Juntos, esses 85 processos correspondem a quase 60% das decisões, o que indica que existe na opção pela extinção uma influência relevante do relator.

Tabela 15.4 Extinção do processo

Juntas, essas decisões somam cerca de 1/3 de todas as proferidas pelo Tribunal em sede de ADI, e um ponto muito relevante a ser ressaltado é que a maior parte delas é julgada antes de 3 meses. Essa média tão baixa se explica especialmente porque um número de processos é julgado de forma quase imediata.

Outra informação relevante é o fato de que alguns ministros têm um histórico de decisões de extinção bastante acentuadas, em comparação com as decisões de procedência, como vemos nos gráficos 15.5 a 15.7.

Tabela 15.5 Extinção do processo (por relator)

Gráfico 15.6 Extinção do processo (mérito/sem mérito)

Gráfico 15.7 Extinção do processo (Colegiada/Monocrática)

Se excluirmos as ações prejudicadas (cujo julgamento não decorre da atuação direta dos juízes, mas de modificações no campo dos fatos), o padrão de julgamentos fica muito diverso entre os vários julgadores. A maior parte dos ministros têm mais decisões de julgamento de mérito do que decisões extintivas, sendo que alguns deles (Eros Grau, Gilmar Mendes, Joaquim Barbosa e Carmen Lúcia) chegam a apreciar o mérito de mais de 75% dos processos julgados. Essa é completamente diversa no caso de Celso de Mello e Moreira Alves, que julgaram o mérito apenas 14% e 28% dos processos que relataram. E também é digno de nota que o Celso de Mello relatou ADI julgada procedente contra contra ato federal, o que indica que os índices de procedência se relacionam com a postura de cada ministro, que será avaliada em momento posterior.

2.5.3. Findo o processo

Essa fórmula designa alguns processos que foram declarados extintos em função da Ordem de Serviço 1-A de 2006, que constituiu um grupo de servidores para verificar a situação de alguns processos que constavam no sistema como em ramitação, mas que de fato já foram decididos. Nos casos em que identificamos, não há um esclarecimento dos julgamentos feitos, mas inferimos que a extinção não se deu mediante decisão do Plenário porque esse tipo de resultado geraria um acórdão que dificilmente não teria sido anexado. Assim, entendemos que a melhor forma de tratá-los seria incorporá-los ao grupo dos processos extintos.

5.4.Improcedentes

As decisões de improcedência são aquelas em que o tribunal avalia o mérito do pedido e o rejeita completamente. O número de decisões de improcedência nas ADIs é cerca de 5 vezes menor o de decisões de procedência, o que indica que, entre os processos que cumprem todos os requisitos para serem julgados, apenas 1/6 dos processos são considerados improcedentes.

A combinação dessa informação com o alto índice de decisões de "extinção" sugere que há uma prática consistente no sentido de utilizar critérios formais para excluir de forma mais rápida os pedidos que são considerados manifestamente improcedentes (e não apenas formalmente inadequados). Assim, as decisões de improcedência parecem reservadas a casos mais complexos, que demandam avaliação tão cuidadosa quanto os de procedência, uma vez que os tempos médios de julgamento das decisões de procedência e improcedência são muito semelhantes. Nesse sentido, cabe notar que os ministros com altíssimo índice de julgamentos de extinção (Moreira Alves e Celso de Mello), apesar de terem passado largo tempo no Tribunal, relataram menos de 1/3 de processos de improcedência do que a média os ministros que se destacam pelo alto índice de julgamento de mérito.

Tabela15.8. ADIs Improcedentes

2.6. Perfil das decisões de procedência

Uma comparação dos números de processos procedentes, classificados por ano de distribuição, indica um perfil muito diverso no âmbito estadual e federal. No âmbito federal, existe uma concentração da procedência nos processos iniciados em 1992 e 1997, correspondente ao primeiro ano do Governo Collor e ao segundo ano do Governo FHC1. No nível estadual, os picos atingem patamares bem mais elevados e adotam um ritmo diverso, concentrando-se no período inicial de impugnação das Constituições Estaduais e nos anos de 2003 e 2004.

Gráfico 16. Procedência Federal/Estadual -- Data de Distribuição

Este padrão não se repete nos julgamentos de procedência, o que indica que o momento de julgamento não está relacionado diretamente com o momento da distribuição.

Gráfico 16.1 Procedência Federal/Estadual, por Data de Julgamento

Nesta distribuição, vemos que nas impugnações da atos federais, apenas no ano de 2006 houve um julgamento de mais de 10 processos no ano. Quando agregamos ao gráfico anterior uma dimensão de tempo, representada pela largura da barra, fica claro que houve nesse momento um julgamento de processos antigos relativos a atos do judiciário, mas que as leis federais impugnadas eram de impugnação relativamente recente, diversamente do que ocorreu nos anos seguintes, em que foram julgados menos processos, mas todos relativos a impugnações mais antigas.

Gráfico 16.2 Procedência Federal/Estadual, por Data de Julgamento (+ Tempo)

Já nas impugnações de atos estaduais, verifica-se que os julgamentos de procedência começam baixos até que os processos cheguem na mediana dos julgamentos (cerca de 4 anos), quando ocorrem muitas decisões que impugnam as constituições estaduais. É interessante notar que embora o grande número de decisões de procedência das ações impetradas em 1989 e 1990 seja de impugnações das constituições estaduais, essas não foram as ações julgadas nesse primeiro pico de julgamentos, em que apenas 16 delas foram apreciadas. O gráfico indica que embora as impugnações a constituições estaduais tenham ocorrido de forma concentrada especialmente entre 1989 e 1994, esses processos foram julgados de forma diluída ao longo do tempo, com alguns momentos nos quais o Tribunal se concentrou no enfrentamento desse estoque, o que é indicado pelas barras muito largas referentes às ADIs contra constituições estaduais dos anos de 2002 e de 2007 a 2012, nos quais a maioria dos processos julgados tinha mais de uma década.

Outro ponto a ser notado é que o Tribunal mostra fases bastante diversas no que toca ao julgamento. Entre 1995 e 2000, enquanto a distribuição oscilou dentro de margens relativamente estáveis, houve uma retração visível no número de decisões de procedência, que deu um salto muito significativo a partir de 2002, quando houve um visível esforço de fazer face aos estoques de ações antigas e também do pico de ajuizamento de novas ações contra legislação estadual ocorrente naquele ano. O aumento radical na distribuição, decorrente basicamente de um incremento muito grande nas ações propostas pelo MP, foi acompanhado um incremento substancial nas decisões de procedência. Além disso, percebe-se entre 2008 e 2011 um esforço substancial no sentido de enfrentar o estoque de ADIs, o que gerou um incremento substancial na idade dos processos julgados procedentes. Esse esforço de colocar em dia a pauta é visível tanto no âmbito das impugnações a atos estaduais como federais, o que mostra um movimento institucional consistente nesse sentido.O tempo dos julgamentos de procedência

Um ponto a ser ressaltado é que os gráficos anteriores mostram que apenas duas ADIs-F ajuizadas depois de 2007 foram julgadas procedentes. E menos de 10% das ADIs-E distribuídas desde 2007 a 2010 foram julgadas procedentes, sendo que o índice geral de procedência nos períodos anteriores não foi inferior a 20%.

Gráfico 16.2.1 Procedência de ADIs

Isso indica que a nova sistemática de julgamento não tem sido capaz de oferecer uma resposta adequadamente célere. Uma vez que não apenas a concessão de liminares passou a ser bastante restrita, mas a própria apreciação de pedidos liminares passou a ser bastante reduzida, especialmente nas ADIs-F, é de se esperar que os atores envolvidos entendam que a ADI perdeu muito de sua relevância política nestes últimos anos, o que explicaria o reduzido ajuizamento dessas ações nos último anos, especialmente por parte de governadores de estado.

2.6.1. Comparação processos procedentes/não-procedentes

Gráfico 16.3 Processos procedentes contra atos normativos estaduais

Gráfico 16.3 Processos procedentes contra atos normativos federais

Outra comparação importante é aquela entre os perfis de procedência e de não-procedência, abrangendo por esse conceito não apenas a improcedência, que é um julgamento de mérito específico, mas também as extinções sem julgamento do mérito.

Uma análise dos dados mostra que a não-procedência é predominante nas ADIs contra atos federais, o que pode indicar coisas diversas. Por um lado, existe um índice de prejudicialidade 50% mais alto nas ADIs-F, o que impacta nos processos potencialmente procedentes. De toda forma, é notável que no caso das ADIs-E existem muitos anos em que o número de processos procedentes supera o de processos não-procedentes e, nos demais, existe um certo equilíbrio entre esses números. Assim, não há momentos em que se verifica uma predominância de decisões de não-procedência no âmbito das ADIs-E.

2.6.1. Perfil dos atos anulados

Gráfico 16.5 Atos anulados (geral)

Gráfico 16.6 Atos anulados segmentados por tipo de ato

Entre as decisões de procedência, a predominância da anulação de legislação estadual é imensa, alcançando mais de 80% das ações. Essa predominância é muito relevante para os objetivos desta pesquisa porque a maior parte da legislação que regula diretamente os direitos fundamentais dos cidadãos é de nível federal. Assim, essa concentração de anulações nos atos estaduais indica a prevalência de critérios formais ou de estrutura, o que será mostrado com mais detalhe no capítulo seguinte, que trata dos fundamentos das decisões.

2.6.2. Procedência por requerente

Antes de tratar dos fundamentos propriamente ditos, cabe identificar os atores que foram responsáveis pela impugnação dos atos anulados. O grupo de requerentes que obteve maior sucesso na anulação de atos foi dos governadores de estado, com 42,5 % das decisões de procedência. Como vemos no gráfico abaixo, essa predominância está diretamente ligada à prevalência de anulação de atos estaduais, tendo em vista que os atos anulados pelos governadores fora da legislação constitucional e infraconstitucional dos estados. De fato, a prevalência das ADI-E é tão grande entre as decisões de procedência que a ordem dos requerentes com maior índice de sucesso é idêntica no global dos processos e nas ADI-E.

Gráfico 16.7 Perfil dos requerentes e decisões de procedência por requerente

Gráficos 16.8 Perfil dos requerentes e decisões de procedência por ato impugnado, segmentado por requerente

Em segundo lugar, vêm o PGR, cuja posição de destaque se dá porque o MP foi responsável por postular a anulação de mais de 1/3 da legislação estadual invalidada pelo STF em sede de ADI. Já as Entidades Corporativas, que respondem atualmente pela maior parte das ações ajuizadas, obtiveram apenas 13% das decisões de procedência, informação que deve ser interpretada à luz do fato de que foi somente nos últimos anos que essas entidades assumiram a dianteira no número global de demandas, tanto por um incremento de sua participação quanto por um declínio acentuado do ajuizamento de ADIs novas por governadores.

Tendo em vista o tempo médio de julgamento e também o fato nenhum processo ajuizado depois de 2007 foi julgado procedente, é de se esperar que o julgamento dessas novas ações, que deve ocorrer ao longo dos próximos anos, tenderá a gerar um aumento significativo da participação das Entidades Corporativas nos julgamentos de procedência. Esse cenário é compatível inclusive com a evolução recente dos processos julgados, em que a o número de decisões favoráveis em processos da PGR e dos governadores caiu drasticamente e o de decisões das Entidades Corporativas se mantém em um patamar estável.

Gráfico 16.9 Decisões de procedência por ano, segmentadas por requerente

2.7. Decisões de Procedência por fundamentos invocados

Não fizemos uma tabela relativa aos assuntos da ADI, pois a base de dados que utilizamos para essa análise não apresenta dados suficientemente completos para sustentar uma análise estatística. Para este fim, poderíamos utilizar as informações catalogadas pelo próprio STF, mas elas são demasiadamente genéricas e incompletas.

Uma análise dos assuntos foi feita pela pesquisa de Werneck Vianna e outros, mas não resta claro nela se houve uma reclassificação dos temas ou se foi apenas usada a classificação do STF(2007). Consideramos que essa pesquisa trata bem das correlações entre o perfil dos requerentes e os assuntos tratados nas diversas ações, e supomos que essa correlação torna razoável supor que a distribuição dos assuntos está diretamente relacionada com os interesses das diversas partes e que eles se mantém, ao menos de forma geral. Assim, tomaremos as conclusões daquela pesquisa como base para as nossas análises, que se concentram justamente na compreensão de um ponto que não foi abordado de modo analítico pelo trabalho de Vianna e outros: o perfil das próprias decisões, especialmente dos fundamentos constitucionais ligados aos processos de deferimento.

Uma das contribuições desta pesquisa foi classificar as decisões de procedência, analisando o tipo de argumentação nelas utilizada. Com isso, não tratamos propriamente do assunto do processo, mas o tipo de argumentação utilizada como justificativa da atuação do Tribunal. Interessa-nos compreender o perfil desses fundamentos, para poder avançar na compreensão do papel exercido pelo Tribunal ao anular atos normativos.

De fato, por mais que muitos processos relevantes tenham sido julgados improcedentes, esse tipo de decisão não contribui de forma relevante para avaliarmos a necessidade de atribuir ao STF o poder de judicial review. Nesses casos, a inexistência de qualquer poder de controle, como ocorre no Reino Unido, por exemplo, resultaria na permanência das decisões políticas dos órgãos legislativos e executivos. Se os processos mais relevantes para os direitos humanos forem sistematicamente julgados com decisões de não-procedência, não se justifica a manutenção do atual modelo de controle concentrado.

Os riscos de um controle que pode anular iniciativas democratizantes ou atuar de modo corporativo somente se justificam se houver um número razoável de decisões que atuem na garantia dos direitos fundamentais. Apesar disso, os debates sobre a legitimidade do controle judicial de constitucionalidade, bem como sobre o tipo de modelo desejável, normalmente são feitos a partir de uma reflexão sobre a sustentação filosófica dos modelos e sobre resultados esperados. Todavia, falta uma análise adequada dos resultados existentes, pois existe um risco muito grande de que exista um abismo entre os princípios declarados e o perfil da prática judicial. Cremos, assim, que a análise da necessidade do poder de judicial review, bem como a eventual redefinição dos seus limites, precisa concentrar-se especialmente no perfil das decisões de procedência, que demarcam os limites em que a atividade do tribunal contribui ativamente para definir os direitos e deveres dos cidadãos brasileiros.

O que nos interessa, de fato, é saber que tipo de intervenção o STF está mais disposto a realizar, o que contribui para identificar quem são os potenciais beneficiários de um incremento no ativismo judicial. Por isso, optamos por fazer uma classificação dos fundamentos utilizados nessas decisões, possibilitando identificar que tipo de argumento constitucional tem preponderância nas decisões do STF.

Essa classificação não pretende ser completa nem exaustiva, mas apenas representar de forma organizada os principais argumentos utilizados pelo STF, bem como identificar certas linhas argumentativas que concentram muitas das posições do tribunal. Por isso, as classificações utilizadas foram construídas de modo indutivo, a partir de uma pesquisa exploratória que identificou os principais argumentos utilizados e buscou sistematizá-los em algumas categorias.

O resultado desse processo foi que identificamos três grandes grupos de argumentos:

  • Inconstitucionalidade formal: sob este rótulo, agrupamos as decisões que não avaliam a compatibilidade material das regras instituídas com as normas constitucionais, mas que declaram a inconstitucionalidade de atos normativos tendo em vista a inobservância de critérios formais de validade, especialmente no que toca à competência dos legisladores e à observância do processo legislativo.

  • Inconstitucionalidade material: organização do Estado: nesta categoria, agrupamos decisões que declaram a inconstitucionalidade de atos normativos que tratam da organização do Estado (inclusive da separação de poderes e da organização do sistema tributário), que são formalmente válidos, mas que se chocam com o desenho institucional que o STF considera traçado pela Constituição Federal.

  • Inconstitucionalidade material: direitos fundamentais (Direitos individuais, coletivos e difusos): sob este rótulo, agrupamos as decisões que declaram a inconstitucionalidade material de quaisquer regras, inclusive as de organização do Estado, sob o argumento de violação dos direitos e garantias fundamentais ou de direitos difusos de estatura constitucional, como as garantias relativas ao meio ambiente. Embora se trate de uma inconstitucionalidade material, nós fizemos um tratamento diferenciado porque é a defesa desses direitos que normalmente inspira o discurso que fundamenta a possibilidade do controle abstrato de constitucionalidade.

Essa classificação guarda compatibilidade com a teoria constitucional que reconhece nas Constituições dois grandes papéis normativos: a definição dos aspectos básicos de organização do Estado e a definição dos direitos fundamentais das pessoas. Com isso, as duas primeiras categorias representam duas facetas da organização institucional: a que define critérios formais de organização do poder (especialmente competência e processos) e a que determina certas formas específicas de organização institucional válidas para todo o Estado brasileiro.

Devemos reconhecer que a divisão entre forma e conteúdo é em grande parte artificial, pois os elementos formais envolvidos na regulação do poder muitas vezes definem os conteúdos possíveis dos atos políticos (como é o caso das regras de competência). Porém, isso não infirma a capacidade explicativa das categorias adotadas, já que na avaliação da constitucionalidade formal o tribunal tende a se concentrar no respeito à definição da existência de competência e da observância dos processos, enquanto na constitucionalidade material o que se avalia é a adequação constitucional da própria norma (e não do seu processo de criação). E, no âmbito da constitucionalidade material, é cabível a distinção entre regras ligadas a observância dos critérios gerais de estruturação do poder estatal (que chamamos de desenho institucional) e dos critérios específicos ligados aos direitos fundamentais.

Um esclarecimento metodológico necessário é o de que foi necessário lidar com muitos casos nos quais há uma multiplicidade de argumentos de tipos diferentes que são convergentes (sobre um mesmo dispositivo) ou justapostos (sobre dispositivos diversos, no mesmo processo). Quando há mais de uma linha argumentativa por acórdão, a classificação material prevaleceu sobre a formal, e os direitos fundamentais sobre as normas materiais de organização. Assim, a classificação realizada não permite comparar a existência de vários argumentos no mesmo processo, o que é um dos limites metodológicos da pesquisa.

Gráfico 17.0 Julgamentos -- Fundamentos - Global

A pesquisa mostra que os fundamentos predominantes são muito diversos nos níveis federal e estadual. No nível federal, há um equilíbrio entre os fundamentos de processo legislativo, organização do estado e direitos fundamentais. Já no nível estadual a inconstitucionalidade formal alcança 55%, a material 40% e os direitos fundamentais apenas 4%.

2.7.1. Competência

Gráfico 17.1 Competência

A maioria das decisões procedentes em razão de invasão de competência anula atos estaduais que violam as competências legislativas da União, mas existe um contingente de 14 decisões em que são anulados atos estaduais que violam as competências dos municípios. Embora essas decisões sejam poucas numericamente, merecem uma atenção especial porque elas invalidam alguns atos que aparentemente teriam um caráter democrático e moralizador, ligando-se especialmente com a limitação dos salários dos vereadores e dos prefeitos por meio de atos estaduais, que foram invalidados em nome da autonomia municipal.

É revelador o fato de que simplesmente inexistem decisões que garantem a competência dos estados contra uma eventual extrapolação por parte da União. Esses são conflitos que existem e se relacionam com a (re)definição do pacto federativo, mas que não encontraram reconhecimento nas decisões do STF que analisamos.

Esse grande número de decisões relativas à garantia da competência da União contra eventual invasão por parte dos Estados é revelador sobre o papel do STF na manutenção do nosso modelo de Federalismo, em que a União tem um papel preponderante, apesar de dogmaticamente afirmarmos a inexistência de uma subordinação jurídica entre as unidades federativas. Tais decisões somam quase de 20% de todas as decisões tomadas pela Corte, o que mostra a sua função fundamental na manutenção da primazia da União no âmbito das competências legislativas. Esse papel institucional de reforço do poder central (que é integrado pela própria Corte) foi diagnosticado por Vanessa Oliveira, que afirmou haver "uma tendência do Poder Judiciário em favorecer o Governo central, em detrimento dos governos estaduais, nas questões de ordem constitucional que chegam ao STF", tendência essa que não é exclusiva da experiência federativa brasileira, tendo em vista que a Suprema Corte norte-americana, desde sua instituição, "esteve mais do lado do governo nacional do que do dos estados"(Oliveira, 2009)

Todavia, essas estatísticas devem ser encaradas com cuidado, já que mais de 1/3 desses pedidos foi feito pelos próprios governadores dos Estados, que, em vez de alterar legislativamente as regras aprovadas pelas Assembleias Legislativas, optaram por anulá-las judicialmente, o que indica uma razoável dificuldade em conseguir essas alterações mediante provocação direta das instituições representativas. Assim, por mais que reforcem as competências da União, esses pedidos muitas vezes se ligam politicamente aos interesses mais diretos dos governadores e de outras entidades, como restará claro a partir da análise do perfil das decisões alcançadas por cada categoria de requerente.

Gráfico 17.2 Competência por requerente

Embora seja preciso ressaltar que o maior requerente desse tipo de ação é o PGR, o que aponta para um órgão federal atuando em defesa da competência da União, devemos reconhecer também que a atuação da Procuradoria é em grande medida definida pelos requerimentos dirigidos por seus órgãos estaduais e também por entidades corporativas que têm fortes interesses locais e regionais. Assim, não obstante a ação efetiva do STF reforce consistentemente as competências da União, não podemos concluir apenas com base nas informações levantadas que o alto número de pedidos esteja relacionada com a predominância do interesse da União em litigar nesse sentido.

Embora as temáticas sejam as mais variadas no que toca a essas anulações, identificamos quatro grupos de matérias que tiveram mais de 10 processos julgados: legislação estadual sobre trânsito e transporte, sobre loterias e sobre regulação do judiciário estadual em matérias de competência exclusiva da União (mediante alteração da Lei Orgânica da Magistratura -- Loman).

Gráfico 17.3 Competência (por fundamento)

Algumas dessas temáticas concentradas não se distribuem de forma ampla, mas são concentradas em alguns períodos. Por exemplo, existe um contingente de 20 ações movidas pela PGR em 1994 e quase todas julgadas em 1995 para anular dispositivos de constituições estaduais que estabeleciam prerrogativas para os governadores que não estavam previstas na CF. Essa litigância concentrada e com resultado célere foi excepcional antes de 2000, pois essas ações ingressaram com constância desde 1989, mas somente passaram a ser julgadas em quantidades compatíveis com a demanda a partir de 2002, quando o número de julgamentos cresce e permite que a duração média dos processos seja substancialmente reduzida. Assim, mesmo o número excepcional de ações ingressadas entre 2003 e 2005 (já identificado no padrão geral de ajuizamento) resultou em julgamentos bem mais céleres que os ocorridos na década de 1990. Existe também uma concentração nas questões relativas a regulação estadual de loterias foram ajuizadas basicamente nos anos de 2003 e 2004, também pela PGR, como mostra o gráfico a seguir, que acrescenta ao anterior a informação sobre o requerente

Gráfico 17.3.1 Competência por fundamento, inserindo Requerente na largura das colunas

Esses exemplos mostram que alguns dos grupos relevantes de decisões procedentes se referem a problemas relativamente pontuais, que motivaram a edição de normas de conteúdo similar e também de impugnações repetidas com relação a elas, inclusive pelo mesmo requerente. Tratando-se do MP e levando-se em conta que se trata da impugnação apenas de atos estaduais, era inclusive de se esperar que a impugnação de um certo tipo de ato em um estado tenha a possiblidade de se multiplicar por meio de impugnações de casos semelhantes em outras unidades da federação, como foi o caso das prerrogativas de governadores. O gráfico abaixo mostra também que a essas impugnações concentradas corresponderam também julgamentos concentrados e bem mais céleres que a média.

17.3.2 Competência: julgamento, ano e duração

Outras questões têm uma distribuição mais ampla, como aquelas referentes a trânsito e transporte, que se acirraram nos anos de 2003 a 2005, e cujo julgamento se concentrou especialmente no ano de 2005, com 11 processos julgados de modo bastante célere.

Outro ponto relevante a ser notado é que, desde 2008, não tem havido julgamentos concentrados do mesmo ponto no que toca à competência dos Estados, sendo prevalentes julgamentos de temas diversos, identificados nas tabelas acima pela coluna azul que indica os temas que não se concentram em mais de dez ações ao longo do período analisado.

Por fim, cabe ressaltar que há uma divisão muito desigual na distribuição territorial desses processos. Metade deles se concentra em apenas quatro unidades da federação (DF, SP, RJ e SC), sendo que o DF tem o dobro de leis declaradas inconstitucionais por incompetência.

Gráfico 17.3.4 Divisão por Unidade da Federação

2.7.2. Processo legislativo

Um grupo relevante de processos determinou a anulação de normas por violação do processo legislativo. Entendemos por esse rótulo não apenas a violação das regras que regulam o processamento das proposições legislativas dentro do Congresso Nacional, mas também as regras que definem o modo pelo qual as normas jurídicas devem ser elaboradas, especialmente a violação de normas referentes a iniciativa privativa e a inobservância de critérios formais relativos à edição de normas.

Nesse grupo de processos, existe uma grande disparidade entre ADIs-F e ADIs-E. No âmbito federal, cerca de 85% dos casos resultaram da inobservância da reserva de lei por parte de atos do poder judiciário, do TCU e do Congresso Nacional. Já no âmbito estadual, mais de 90% das decisões anularam leis estaduais em sentido estrito, sendo que mais de metade delas decorreu da inobservância de inciativa privativa do poder executivo.

No âmbito federal, percebe-se que a grande maioria dos processos envolveu a impugnação de atos do Judiciário e do MP que violaram o princípio da reserva de lei, que exige a edição de lei em sentido estrito para a regulação de determinadas matérias, e que essas ADIs foram movidas majoritariamente pelo MP.

Gráficos 18, 18.1. 18.2. Painel: Processo Legislativo (assuntos, requerentes e atos)

Tal como ocorre com as demais ações, esses processos (especialmente os relacionados à iniciativa do executivo estadual) foram se acumulando ao longo de 1989 a 2001, quando passaram a ser julgados de forma mais célere. Cabe ressaltar que houve em 1991 um grande número de ações movidas por Entidades Corporativas para impugnar leis que instituíram tributos sem base em lei complementar federal, ações essas que foram julgadas de modo desconcentrado, e que desde então a participação dessas entidades foi bem reduzida.

Gráfico 18.3 Processo legislativo, por distribuição e duração

Gráfico 18.4 Processo legislativo no tempo

2.7.3 Organização do Estado

As decisões relativas à organização do Estado envolvem questões muito variadas, como as definições de competências dos órgãos e, principalmente, as regras sobre concursos públicos (cujos princípios gerais são definidos em nível constitucional) e as diversas aplicações do princípio da simetria. Neste ponto, cabe ressaltar que, sendo os concursos públicos compreendidos como uma decorrência da aplicação do princípio da isonomia à administração pública, a garantia do próprio concurso poderia ser entendida como um direito fundamental. Porém, classificamos como ações julgadas com base em direitos fundamentais apenas aquelas nas quais o tema foi de concurso público, mas o argumento utilizado foi uma referência à isonomia e não apenas à exigência constitucional de sua realização. Os 92 processos que classificamos sob este rótulo representam 28% do total das decisões de procedência.

Gráfico 19.1 a 19.3 Painel: Processo legislativo

O painel acima mostra que a imensa maioria desses processos envolve ADIs- E voltadas à impugnação de atos da esfera do legislativo estadual, sendo que praticamente 80% dessas ações foram movidas pelos governadores e pela PGR. A mesma concentração nos requentes não é observada no âmbito federal, em que há uma pluralidade de requerentes em um número reduzido de ações.

Quanto aos principais assuntos, observa-se que cerca de metade dos processos trata de assuntos variados, mas que há uma concentração especial nas ADI-F de ações referentes ao sistema tributário (35%), tema que também é relevante nas ADI-E, mas com peso bastante menor de 7,5%. No âmbito estadual, foi bem mais relevante a temática dos concursos públicos, responsável por ¼ das decisões de procedência e, com isso, sendo o assunto que mais concentrou decisões. Cabe destacar que também foram relevantes, nas ADI-E, embora com menos de 10% de participação, as questões de separação de poderes, organização dos Tribunais de Conta Estaduais e aplicações do princípio da simetria[14].

2.7.4. Direitos fundamentais

No âmbito dos direitos fundamentais, verifica-se que são apenas setenta e duas (72) ADIs julgadas procedentes dentro do espectro analisado. Esse número, bastante reduzido em face dos julgamentos que se centralizaram em questões formais e demais temas, mostra que a discussão sobre direitos e garantias fundamentais não tem sido propriamente o grande objeto do controle concentrado de constitucionalidade e, em rigor, pouco tem contribuído para uma maior compreensão de seus conteúdos, normalmente de grande abertura interpretativa. O gráfico abaixo permite verificarmos que, com relação ao número de processos distribuídos em cada ano, o número de decisões de procedência com relação a direitos fundamentais é reduzido tanto em relação às ADIs ajuizadas como em relação às decisões de procedência por outros assuntos.

Gráfico 20.0 Direitos fundamentais: Quadro geral

Este gráfico, porém, tem a desvantagem de ser pouco significativo nos anos mais recentes, tendo em vista que poucas das ADIs ajuizadas a partir de 2007 foram julgadas. Uma informação mais relevante para os anos mais recentes é avaliar a participação das procedências relativas a direitos fundamentais dentro dos processos efetivamente apreciados (o que implica a exclusão dos julgados prejudicados).

Gráfico 20.0.1 Direitos fundamentais por data de julgamento

Entre os processos efetivamente julgados, segmentados por ano, percebe-se um padrão bastante diferenciado entre ADIs-F e ADIs-E. No caso das primeiras, as procedências em direitos fundamentais só ultrapassaram 20% no ano de 2006, sendo que desde então esse número não ultrapassou 11%. Mas devemos ressaltar que o número muito reduzido de casos faz com que essas quantidades sejam muito sujeitas a flutuações, já que o acaso de se julgarem mais 3 ou 4 ações em um determinado ano, o que não pode ser interpretado como um movimento consistente em uma determinada direção, é capaz de alterar substancialmente os resultados. Uma forma de diminuir esse fenômeno é ampliar os cortes temporais, sendo que uma segmentação dos dados em termos de governos mostra resultados mais consistentes.

Gráfico 20.0.2 Direitos fundamentais por data de julgamento

Nesse agrupamento, vemos que no âmbito das ADI-F as procedências relativas a direitos fundamentais alcançaram patamares muito variados, mas que não ultrapassaram 11%. Já no caso das ADI-E, esse valor só alcançou 11% no ano atípico de 2012, que teve um número tão baixo de julgamentos que uma queda numérica de 13 para 10, entre os anos de 2011 e 2012, foi acompanhada por um aumento substancial da participação percentual, o que indica que este dado nãoindica um incremento na relevância desses julgamentos, mas apenas uma retração nos demais processos julgados.

Não obstante o pequeno número de julgamentos dificultar a percepção de padrões globais de julgamento, os números globais de decisões baseadas em direitos fundamentais é sensivelmente maior desde 2002 (28 ADIs-F e 28 ADIs-E) do que no período anterior (11 ADIs-F e apenas 5 ADIs-E). Embora não possamos apresentar dados conclusivos sobre o motivo dessa ampliação, que pode ter decorrido de muitos fatores, podemos levantar a hipótese de que no período 1988 a 2002, essa proteção se dava principalmente por meio de liminares. Embora a comprovação (ou refutação) empírica dessa hipótese depende de uma classificação das liminares daquele período, o que extrapola os limites deste trabalho, essa hipótese não parece muito plausível tendo em vista que o padrão de concessão de liminares com relação aos processos julgados não indica uma prevalência da concessão de liminares em casos que terminaram sendo julgados com base em argumentos de direitos fundamentais, como mostra o gráfico abaixo.

Gráfico 20.0.3

Em razão do caráter reduzido de ADIs julgadas procedentes em matéria de direitos e garantias fundamentais, torna-se complexo efetuar uma categorização mais detalhada dos temas específicos. Isso se torna ainda mais difícil devido à própria amplitude de assuntos que normalmente se incluem na grande classificação "direitos e garantias fundamentais". Ao mesmo tempo, não raro se encontram dúvidas se, de fato, determinada temática específica poderia ser enquadrada na classificação "direitos e garantias fundamentais", exatamente porque não é pacífico doutrinariamente se determinados assuntos assim poderiam ser qualificados.

Por essa razão, o critério adotado foi, primeiramente, enquadrar nesta temática apenas as ADIs que, superadas as questões formais, efetivamente discutiram o mérito dos direitos fundamentais suscitados. Assim, o foco se volta para o próprio discurso do STF, isto é, se ele realmente utilizou argumentos que diretamente enfrentaram a questão dos direitos e garantias fundamentais apresentada. Em segundo lugar, buscou-se incluir nessa grande categoria temas que são histórica e doutrinariamente entendidos como "direitos e garantias fundamentais".

Uma análise global desses processos mostra que há uma grande variação em termos de requerentes, temas e atos anulados, como evidenciado nos gráficos a seguir.

Gráficos 20.1, 20.2 e 20.3 Painel Direitos Fundamentais

  • Atos Anulados

O primeiro dado que chama a atenção é que neste grupo de processos há uma inversão clara da preponderância estadual dos atos impugnados, que esteve presente em todos os outros recortes feitos nesta pesquisa. Uma das explicações plausíveis para essa inversão é o fato de que a legislação federal teria mais interfaces com os direitos fundamentais, pois a competência legislativa da união abrange uma temática mais variada e engloba vários dos temas em que a observância dos direitos dos cidadãos abre espaço para a impugnação de sua inconstitucionalidade. Vez que a competência legislativa dos estados é muito concentrada em questões relativas à organização do próprio Estado, era de se esperar uma concentração maior de impugnações ligadas ao desenho institucional. Porém, tendo em vista que o número de impugnação de atos estaduais é muito superior, essa inversão numérica permanece como um dado relevante.

Apenas nesse grupo de processos é que a legislação federal passa a ser objeto predominante de anulações, alcançando o patamar de quase 40% de todos os atos anulados (28), que é bastante superior aos 26% relativos à legislação estadual ordinária (19). Em um patamar logo abaixo destas, existem 4 anulações de cada um dos seguintes tipos de atos: Emendas à Constituição, Medidas Provisórias, Constituições Estaduais e Leis complementares estaduais. Essa preponderância dos atos federais é ainda mais clara quando agrupamos os atos legislativos estaduais e federais, como mostra o gráfico abaixo.

Gráfico 20.3.1 Atos agrupados

Assim, nas procedências ligadas a direitos fundamentais, metade dos atos anulados integram a legislação federal e menos de 40% integram a legislação estadual e apenas 11% foram editados pelos poderes executivo e judiciário. De toda forma, é relevante observar que a maioria desses atos diversos de leis em sentido estrito são do nível estadual (5) e não do federal (3), ainda que essa ordem de valores seja pouco significativa por estar demasiadamente sujeita a fenômenos de deriva (alterações aleatórias).

  • Requerentes

Uma análise do perfil dos requerentes mostra que, diversamente dos demais processos, existe uma participação global muito equilibrada do MP, das Entidades Corporativas e da PGR., o que implica uma participação substancialmente maior dos partidos políticos do que na média geral das ADIs.

Gráfico 20.4 Direitos Fundamentais: julgamento e requerentes

Essa relevância está ligada a outro ponto que já havia sido diagnosticado, que é o fato de os partidos serem o único grande grupo de demandantes que impugnam das ADI-F, os partidos políticos são o grupo responsável pelo maior número de decisões de procedência. O fato de as decisões de procedência terem se concentrado em alguns períodos determinados (pré-FHC e Lula1) não deve ser entendido como uma informação relevante porque não existe uma concentração correlata no ajuizamento dos processos, como mostra o gráfico a seguir.

20.4.1 Direitos Fundamentais: distribuição e requerentes

Assim, a concentração no julgamento não indica a existência de uma resposta concentrada a uma impugnação repetitiva (como ocorreu nos casos de inconstitucionalidade formal), pois há uma dispersão muito grande nos momentos de ajuizamento das demandas.

No âmbito das ADI-E existe uma dispersão maior dos requerentes, pois neste campo há uma participação relevante de governares de Estado, que não obtiveram nenhuma decisão de procedência em ADIs-F com base em argumentos de direitos fundamentais.

  • Temas

Uma análise dos direitos tutelados nos processos mostra uma variedade muito grande de direitos e apenas dois deles ultrapassam a marca de 10% dos casos: princípio da isonomia (com quase 20%) e irretroatividade das leis (com 11%).

Gráfico 20.5 Direitos Fundamentais tutelados

Essa multiplicidade de direitos pode ser reduzida algumas categorias, a partir da temática geral em que se enquadram esses direitos tutelados.

Gráfico 20.5.1 Direitos Fundamentais tutelados

Essa é uma configuração que aponta para uma concentração especial em duas temáticas, cada uma com cerca de ¼ das decisões: direitos de igualdade/proporcionalidade, que apontam para a falta de razoabilidade de certas estipulações legislativas, e garantias relativas ao processo judicial. Em um patamar pouco maior que 10%, há também dois temas clássicos entre os direitos de 1ª geração: irretroatividade das leis e direitos de liberdade. Também cabe notar que é minoritária a proteção a direitos difusos e direitos da ordem social, que aparecem com menos de 5% dos casos.

Essa é uma distribuição que aponta para uma argumentação centrada em direitos fundamentais de 1ª geração, ligados à garantia dos indivíduos contra a atuação estatal em suas esferas de liberdade (o que inclui os direitos de liberdade e os direitos processuais e a irretroatividade das leis), bem como as garantias de isonomia.

Esta, contudo, é uma informação que oculta o fato de que essas garantias liberais são utilizadas para defender vários tipos de interesses, o que fica claro quando segmentamos esses assuntos em termos dos interesses ligados à essas anulações de atos legislativos.

Gráfico 20.6 Direitos Fundamentais e Interesses

Observa-se, inicialmente, que a garantia dos interesses do interesse público (inclusive o de uso adequado dos bens públicos) é feita integralmente em termos de argumentos de isonomia e proporcionalidade. Já a proteção dos direitos individuais, sociais e coletivos dos cidadãos (incluindo os trabalhadores), envolve uma gama de argumentos e está especialmente ligada aos direitos de liberdade. E é no tema das garantias processuais que os interesses corporativos se sobrepõem aos interesses coletivos, o que é corroborado pelo gráfico abaixo, que mostra uma participação majoritária nessas decisões das entidades corporativas, representando a temática com maior concentração dessas entidades.

Gráfico 20..6.1 Direitos Fundamentais por tema e requerente

  • Requerentes

Gráfico 20.7 Direitos fundamentais por Requerente e interesse defendido

  1. Entidades corporativas

Esse gráfico também salienta o fato de que nessas decisões, as Entidades Corporativas sempre atuaram em defesa dos interesses dos seus integrantes e que em apenas um caso (a ADI 1.194) a defesa dos interesses corporativos conduziu a uma decisão que pode ser claramente interpretada como uma defesa reflexa dos interesses gerais, tendo em vista que se tratou da anulação de um dispositivo do Estatuto da OAB que tornava nula qualquer disposição contratual que retirasse dos advogados o direito aos honorários de sucumbência.

Um ponto que merece ser ressaltado é que existe um número desproporcionalmente grande de decisões favoráveis às corporações ligadas ao Sistema de Justiça, que tiveram tantas decisões procedentes quanto todas as decisões procedentes obtidas pelas entidades corporativas de empresas. E se incluirmos no Sistema de Justiça também a polícia, então esse número seria maior do que a de todos os governadores de estados reunidos. Esse ponto indica uma imensa concentração da utilização de argumentos de direitos fundamentais na defesa de interesses corporativos de servidores públicos do Sistema de Justiça e da Polícia, o que é ainda mais ressaltado pelo fato de que a única decisão procedente obtida por entidades de trabalhadores foi em favor dos interesses corporativos da própria entidade, e não dos trabalhadores, tendo em vista que trata da imunidade tributária de entidades sindicais (ADI 939).

A vinculação exclusiva de tais entidades aos interesses corporativos, contudo, não deve ser percebido como um desengajamento dessas entidades da defesa de interesses mais gerais, tendo em vista que é consolidada a interpretação restritiva que atribui a tais instituições legitimidade apenas para atuar nos casos que têm "pertinência temática" com os objetivos de tais entidades, o que limita a sua participação à defesa dos interesses corporativos dos associados. Essa interpretação, que não decorre de uma determinação expressa da CF, mas de uma interpretação restritiva do STF, que inicialmente foi exigido apenas das entidades de classe (ADI-MC 138, ADI-396, ADI 893) e posteriormente foi estendido também às confederações sindicais (ADI 1.114), o que inviabilizou que entidades corporativas atuassem com vistas à preservação do erário (ADI 1.151). A fixação dessa jurisprudência defensiva esvazia sobremaneira a potencialidade que essas entidades têm de atuar em defesa de interesses mais gerais.

Na referida ADI 1.194, por exemplo, vários foram os dispositivos impugnados pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), mas a maioria dos questionamentos não foi julgado porque o STF considerou a CNI como ilegítima para impugnar questões que ultrapassassem o direito dos empregadores. Além disso, a anulação do art. 24, § 3º foi feita como decorrência de uma interpretação conforme do art. 21, referente a fixação dos honorários dos advogados empregados, e não dos profissionais autônomos que defendem os interesses dos cidadãos em geral.

Assim, devemos ressaltar que a jurisprudência sobre legitimidade ativa para as ADIs fixa padrões que limita a atuação das Entidades Corporativas à defesa dos interesses de seus associados, deixando espaço apenas para uma eventual defesa reflexa dos interesses coletivos por parte dessas instituições.

  1. OAB

No sistema vigente, espera-se que a defesa dos interesses coletivos seja feito especialmente pelo MP e pelos partidos políticos, bem como pela OAB. Essa expectativa inclusive se revela na admissão de que esta entidade corporativa, ao contrário das demais, não está subordinada a critérios de pertinência temática. Todavia, as decisões de procedência obtidas pela OAB mediante argumentos de direitos fundamentais indicam que essa expectativa não se cumpriu.

Apesar do histórico da OAB na defesa dos interesses individuais e coletivos ao longo do regime militar, todas as decisões de procedência em ADIs se vinculam a interesses ligados a demandas judiciais, e não a uma proteção mais ampla dos interesses individuais e coletivos. Além disso, nos cinco casos em que a OAB obteve a anulação de uma norma com base em direitos fundamentais, a sua atuação tutelou interesses específicos, e não interesses mais amplos.

De fato, no caso da OAB, o problema fundamental não foi a prevalência de interesses corporativos dos advogados, que somente foram tutelados na ADI 4429, que defendeu o direito de percepção de aposentadoria de alguns advogados aposentados do estado de São Paulo. Por outro lado, apenas uma decisão baseada em direitos fundamentais teve um caráter mais geral: a ADI 1719, em que se anulou a disposição da Lei n. 9099/95 que restringia a sua aplicabilidade aos processos iniciados após a edição da lei, sob o argumento de que as inovações legislativas que beneficiassem os réus de processos em curso não poderiam deixar de ser aplicadas a eles, tendo em vista o princípio da retroatividade da lei penal mais benéfica.

O grande problema foi que nos outros 3 processos, ou seja, na maioria das decisões de procedência ligadas a direitos fundamentais, a OAB atuou na defesa de interesses de certos grupos de pressão que foram capazes de mobilizar a atuação da entidade, tendo em vista a ligação desses grupos com a atuação dos advogados.

A decisão mais emblemática foi a da ADI 4.414, em que a OAB utiliza os princípios constitucionais como argumento para inviabilizar a criação de varas especializadas em crime organizado. Essa ação, que mereceu o ingresso das Associações de Magistrados e do MP como amici curiae para se contrapor à OAB, gerou tal estranhamento que o relator Luiz Fux afirmou que "que todo o segmento jurídico alagoano tem assentado que quem ganha com a eventual extinção dessa vara contra os crimes organizados é exatamente o crime organizado" (2012: p. 26).

Apesar de a OAB justificar sua ação sob o argumento de que ela evitou que

"a sociedade como um todo fosse prejudicada no futuro, quando as condenações de pessoas envolvidas em ilícitos fossem questionadas no próprio Supremo em caso concreto e viessem a ser declaradas nulas em razão das inconstitucionalidades na criação da vara agora confirmadas pelo Supremo" (OAB: 2012).

Essa argumentação, contudo, parece pouco sólida perante os argumentos apresentados e os posicionamentos defendidos no processo pelas várias instituições que dele tomaram parte e do fato de um ministro do STF se ter dado ao trabalho de antecipar seu voto para afirmar, logo no início da apreciação, que não se pode perder de vista que há "direitos exercidos em nome do Direito, mas com finalidade completamente espúria" (2012: p. 27).

Além desse caso absolutamente peculiar, a OAB também obteve outras vitórias ligadas a grupos específicos de demandantes. Na ADI 948, anulou normas do Código Tributário de Goiás que estabeleciam um sistema de cobrança progressiva na taxa judiciária, o que beneficia os grandes litigantes perante os pequenos. E na ADI 394, sob o argumento do acesso à justiça, garantiu o interesse corporativo das empresas (também defendido pela CNI na ADI 173) no sentido de anular o condicionamento de certos atos (como mudança de domicílio da empresa e registro de alterações no contrato social) à quitação dos débitos tributários. Estranhamento, o min. Joaquim Barbosa usa nesse processo o argumento de que a impossibilidade da mudança de domicílio da empresa viola a liberdade de locomoção dos indivíduos, pois limita a escolha dos proprietários da empresa acerca do seu local de residência, o que reforça a percepção de que direitos dos cidadãos são utilizados pelo STF para garantir a proteção das empresas, mesmo que isso exija uma aplicação bastante ampliativa.

  1. Governadores

Diferentemente do que ocorreu no que toca à OAB, a participação dos governadores deu-se especialmente na garantia de direitos fundamentais e na defesa do erário. Os critérios de pertinência temática impostos aos governadores provavelmente foram a causa de não haver nenhum resultado positivo de sua atuação para anular leis federais com base em violação de direitos fundamentais, pois todas as ações procedentes foram ADI-E. Em especial, a atuação dos governadores se voltou a anular a concessão de benefícios indevidos pela administração, o que seria um dado mais relevante se não se tratasse de um número muito pequeno de decisões e se elas não estivessem completamente ausentes de 3 estados em que houve o maior número de impugnações de normas estaduais (RS, SC e ES). Assim, por mais que a atuação existente não mostre uma cooptação da atuação dos governadores por grupos de pressão ou interesses corporativos, ela se mostra demasiadamente limitada com relação à preponderância no ajuizamento de ADIs que foi ocupada pelos governadores até recentemente.

  1. PGR

A atuação da PGR, que é institucionalmente responsável pela defesa dos direitos individuais e coletivos, teve um padrão bastante adequado a essa função no que toca às decisões ligadas a direitos fundamentais, marcada pela defesa do interesse público, especialmente por meio da impugnação de atos normativos que concediam benefícios indevidos a determinados grupos. No âmbito estadual, o padrão de atuação (tanto quantitativo quanto qualitativo) foi bastante próximo ao dos governadores de Estado, com a diferença de que a PGR também atuou na defesa de direitos difusos ligados ao meio ambiente.

Mas é nas ADI-F que a atuação do MP se mostra mais relevante, tendo em vista que ele foi o único ator que promoveu uma atuação consistente de defesas do interesse público, tanto na defesa de direitos individuais e coletivos quanto na proteção do interesse público contra atos que conferiam benefícios indevidos a determinados grupos. Além disso, merece ser ressaltado o fato de que em apenas um caso houve a utilização com sucesso de argumentos de direitos fundamentais foi usada para a defesa de interesses corporativos.

  1. Partidos políticos

A atuação dos partidos políticos, que não se submete a critérios de pertinência temática, teve um resultado que só não foi mais distante dos objetivos do controle concentrado do que a atuação da OAB. Houve 1 caso de defesa de direitos de minorias (ADI 1.946, em que o PSB defendeu direitos das mulheres) um caso de defesa de direitos de liberdades (ADI 1.969, em que PT juntamente com entidades corporativas impugnou limitações a direito de reunião no DF) e 1 caso de defesa do interesse público pela vedação da criação indiscriminada de cargos comissionados no TO (ADI 4.125, movida pelo PSDB). Houve também duas defesas pelo PC do B de direitos dos trabalhadores, que embora sejam interesses corporativos, mostram-se relevantes pela amplitude do alcance dessa defesa e pelo fato de que não houve processo baseado em direitos fundamentais com decisão de procedência que tenha sido movido por entidades de trabalhadores.

Todavia, houve um grupo da mesma dimensão na defesa de interesses de grupos de pressão, especialmente de servidores e aposentados, em processos movidos pelo PDT, PT, PSOL e PTB, o que mostra que os partidos foram cooptados para a defesa de interesses de grupos específicos mediante a sua possibilidade e ajuizar ADIs.

Além disso, praticamente metade das decisões de procedência foram ligadas à garantia dos interesses corporativos dos próprios partidos, em processos movidos por partidos dos mais diversos vieses ideológicos. Assim, resta claro que existe na atuação dos partidos uma grande participação corporativa, especialmente na defesa dos interesses dos próprios grupos partidários, mas também na atuação em nome de interesses corporativos de grupos que conseguem mobilizar a atuação partidária.

2.7.5. Decisões no tempo

Gráfico 20.8 Procedência no tempo

Uma análise do momento em que foram tomadas essas decisões indica que elas se concentraram especialmente a partir de 2003, mas a comparação desses dados com os anos de distribuição mostram que há uma grande desconcentração nos momentos de ajuizamento, o que mostra que a concentração decisória não responde a uma intensificação da demanda, mas decorre do fato de que houve uma ampliação geral nos números de decisões de mérito tomadas a partir de 2002 e 2003, o que levou a um maior número também de decisões relativas a direitos fundamentais.

2.7.6. Os interesses defendidos

Gráfico 20.10 Direitos fundamentais por interesse

Uma análise global dos interesses defendidos indica que no controle via ADI, mesmo nas decisões de procedência baseadas em direitos fundamentais, a defesa de interesses corporativos dos atores envolvidos prepondera sobre a defesa do interesse público. Assim, fica claro que a argumentação baseada em direitos fundamentais não é usada preponderantemente para a garantia dos interesses dos cidadãos, mas para a garantia dos interesses das instituições legitimadas para mover o controle concentrado.

Essa concentração é ainda mais forte no campo federal, especialmente em decorrência do grande número de decisões que beneficiam os partidos políticos que utilizam os direitos fundamentais como formas de evitar mudanças na legislação eleitoral e partidária. Porém, mesmo se excluirmos as 8 decisões que tratam dessa temática (que alguns podem não considerar como corporativas), ainda assim haveria uma incidência maior de defesa com êxito de interesses corporativos do que do interesse público, o que indica que o sistema de proteção do interesse público via ADI-F deixa muito a desejar.

Considerando que o único legitimado que atua consistentemente na defesa dos interesses públicos no âmbito das ADI-F é a PGR. Se desconsiderássemos a atuação da PGR no âmbito federal, a defesa dos interesses corporativos atingiria 75%, o que indica que há um problema da recorrente argumentação de que foi uma grande evolução do sistema ampliação dos legitimados operada em 1988. Na defesa dos interesses fundamentais da coletividade, a atuação das entidades corporativas foi completamente esvaziada pela jurisprudência defensiva do STF, a atuação da OAB e dos partidos políticos foi demasiadamente tímida (para não dizer quase nula).

Já no âmbito das ADI-E, a atuação conjunta da PRG e dos governadores de Estado possibilitou uma inversão desse quadro. No campo federal, há duas decisões de direitos fundamentais em defesa de interesses corporativos para cada decisão voltada à garantia de interesses gerais. Já no campo das ADI-E, há praticamente duas decisões relativas ao interesse público para cada decisão de interesse corporativo, o que se explica tanto pela baixa atuação corporativa dos partidos no âmbito estadual como pelo fato de que há praticamente duas vezes mais decisões ligadas ao interesse público nesse âmbito.

E tanto no campo das ADI-F como das ADI-E é preocupante o fato de que cerca de 10% das decisões indicam a cooptação dos atores (especialmente OAB e Partidos Políticos) por interesses de grupos de pressão que foram capazes de operar uma atuação que em certos momentos não foi apenas descolada do interesse público, mas foi contrária aos interesses da coletividade.

Esse panorama das decisões relativas a direitos fundamentais mostra que a defesa desses direitos foi um argumento minoritário nas decisões do STF em sede de ADI e que essa situação é ainda mais grave porque a maioria dessas decisões teve caráter corporativo ou de defesa de grupos de pressão, o que é ainda mais grave no âmbito das ADI-F, pois as decisões que anularam normas federais em virtude da inobservância de direitos fundamentais somam apenas 11 decisões ao longo dos 24 anos analisados pela pesquisa, e apenas 30% das decisões referentes a direitos fundamentais tomadas em sede de ADI-F.

Portanto, a conclusão geral da pesquisa é a de que a atuação do STF no julgamento das ADIs não se concentra nas decisões relativas a direitos fundamentais e que, mesmo nas poucas decisões que lidam com a efetivação de tais direitos, elas são majoritariamente ligadas à proteção dos interesses corporativos das entidades legitimadas, o que é ainda mais grave no âmbito federal, em que praticamente 60% das decisões têm um caráter corporativo.

  • Os relatores

Gráfico 20.11 Direitos Fundamentais por relator

Uma análise das relatorias ligadas a direitos fundamentais indica uma concentração maior das decisões em alguns relatores, especialmente Marco Aurélio, Ayres Britto, Joaquim Barbosa, Ricardo Levandowski e Eros Grau. Todavia, se nos concentrarmos nas decisões e direitos fundamentais que não lidam com direitos corporativos e de grupos de pressão, a distribuição seria mais dispersa, sendo que entre os julgadores que mais que relataram várias decisões de direitos fundamentais em ADIs, existe uma concentração muito grande de decisões de direitos corporativos e de grupos de interesse. Porém, essas decisões são tão poucas que uma ou duas decisões a mais para alguns ministros alterariam todo o quadro, o que indica que esse panorama é demasiadamente ligado a questões contingentes, de modo que não se torna possível indicar padrões decisórios sólidos a partir deles.

Gráfico 20.12 Direitos Fundamentais por procedência

Uma vez que comparamos o número de decisões de procedência baseadas em direitos fundamentais e o número de decisões de procedência baseadas em outros argumentos, percebemos que somente no histórico de 3 dos ministros (Marco Aurélio, Ayres Britto e Levandowski) os julgamentos de procedência baseados em direitos fundamentais uma participação de 20% ou mais. Todavia, quando isolamos as decisões ligadas especificamente à garantia dos direitos individuais, coletivos e difusos, o resultado é que fica evidente o caráter praticamente residual desses provimentos, tendo em vista para a maioria dos ministros esses julgamentos representam menos de 5% das decisões relatadas de procedência e que a participação máxima desses processos, ocorrida nos feitos de relatoria de Ayres Brito, alcançam o patamar de 12% das decisões de procedência. Portanto, fica claro que a garantia do interesse público mediante a efetivação de direitos fundamentais está longe de ser o núcleo da prática decisória do STF em sede de ADI.

Conclusões

A quem interessa o controle concentrado de constitucionalidade?

Uma resposta que é praticamente um truísmo seria: aos legitimados para propô-la. Chegar apenas até este ponto não valeria uma pesquisa. Porém, os dados que levantamos mostram que este controle efetuado mediante ADIs não interessa muito a boa parte dos legitimados, dado que eles não o utilizaram de forma frequente nem de modo eficaz. O Presidente da República, as Mesas da Câmara e do Senado e as Assembleias Legislativas dos estados fizeram um uso bastante restrito desse instituto. Juntos, esses 4 legitimados respondem por menos de 2% das ADIs ajuizadas, seja no universo analisado nesta pesquisa, seja no universo total dos processos.

A Mesa da Câmara sequer chegou a propor qualquer ação, desde a criação do instituto, e a Mesa do Senado somente levou uma questão ao STF por meio de ADI. Somente nos últimos anos o Presidente passou a adotar a estratégia de judicialização de questões constitucionais, mas mesmo assim as primeiras ADIs foram voltadas à anulação de leis cujo veto presidencial havia sido rejeitado. Portanto, trata-se de uma utilização bastante pontual. Assembleias Legislativas estaduais tiveram um uso um pouco maior, mas ainda assim muito restrito e com um índice de êxito bastante reduzido. Por tudo isso, consideramos que esses agentes não tiveram (e não têm) um interesse especial na possibilidade de judicializar questões por meio de ADIs.

Situação diversa está nos outros quatro grupos de legitimados, que tiveram uma participação bastante ativa, respondendo cada um deles por 20 a 30% do total de ações. São eles: os partidos políticos, o Procurador-Geral da República, as entidades de Classe e os governadores de estado. Porém, mesmo nesse grupo, não é possível prever que esse interesse se manterá no futuro, pois alguns dos padrões decisórios que se fixaram ao longo dos últimos anos (com baixo índice de concessão de liminares, alto tempo de julgamento e decisões que ultrapassam os pedidos) podem contribuir para que alguns dos legitimados que atuaram intensamente no controle de constitucionalidade via ADIs passem a dar preferência a outras estratégias de anulação de atos contrários aos seus interesses.

Entre eles, os que mais se beneficiaram diretamente das ADIs foram os governadores, que contam com o maior índice de êxito e com a maior quantidade bruta de processos julgados e deferidos. O perfil dessas decisões indica que elas beneficiam diretamente os governadores envolvidos, na medida em que resultam normalmente dos conflitos políticos entre os governadores e as assembleias legislativas. Quase metade das ADIs dos governadores que obtiveram êxito (correspondentes a 20% do total das decisões analisadas) referem-se à garantia da iniciativa privativa dos chefes do executivo com relação a certas matérias do direito administrativo. Portanto, fica claro que os conflitos políticos intraestaduais são responsáveis pela grande maioria dos processos e decisões.

Essa configuração faz com que as assembleias legislativas sejam as grandes perdedoras do processo de controle concentrado, pois as leis estaduais representam cerca de 60% dos atos impugnados e impressionantes 82% dos atos impugnados. Considerando que em nosso sistema federativo a maior parte das competências legislativas é atribuída pela CF à União e não aos estados, esse é um resultado impressionante, pois indica que a atuação do STF no controle de constitucionalidade não lida com uma avaliação material dos atos normativos que têm repercussão mais geral, mas que elas lidam como o controle da autonomia estadual, seja por meio da garantia contra invasões das competências da União, seja pela imposição do desenho institucional federal mediante o princípio da simetria.

Esse tipo de comportamento é reforçado pela postura do STF em acatar preponderantemente argumentações que tendem a fortalecer as competências da União e a impor aos estados o seu desenho institucional. Essa tendência reforça o interesse de algumas partes em judicializar questões que podem ser resolvidas com base nesse tipo argumento, e também de caracterizar conflitos outros (como divergências materiais sobre as decisões políticas consolidadas em certas leis) como questões de invasão de competência federal. Somente esse tipo de deslocamento dos conflitos políticos para conflitos de competência legislativa poderia o altíssimo índice de impugnação de normas estaduais em ações movidas pelos governadores de Estado sob o argumento de invasão da competência da União pelas Assembleias legislativas. Todavia, devemos notar que esse é um tipo de impugnação que caiu drasticamente nos últimos anos, tendo em vista o baixo índice de ajuizamento de ADIs por governadores de Estado.

A atribuição de legitimidade aos partidos políticos, que também são um dos protagonistas na proposição de ADIs, parece decorrer da ideia de que eles poderiam atuar em defesa dos direitos das pessoas e interesses que eles representam. Embora existam alguns casos de defesa de interesses que podem ser considerados difusos, o perfil das decisões exitosas mostra que eles atuam preponderantemente em função de seus interesses institucionais e de conveniências político-eleitorais, dado que a grande maioria das decisões se refere à impugnação de normas de direito eleitoral ou normas que se refletem na distribuição de cargos eletivos, como é o caso do desmembramento de municípios, e no exercício do poder, como a criação e a nomeação de cargos.

Deve-se notar que a atuação exitosa dos partidos invocou direitos fundamentais em uma proporção abaixo da média e que a sua concentração em questões de desenho institucional revela uma atuação voltada aos interesses eleitorais do partido, no sentido de atuar na própria distribuição do poder político, mais que na defesa dos interesses das pessoas que esses partidos deveriam representar. Ademais, o altíssimo índice de indeferimento das ADIs dos partidos, que se liga diretamente com o alto índice de julgamento, sugere que a judicialização das questões é em muitos casos uma estratégia para conferir visibilidade a pretensões de partidos pequenos da oposição, e que própria existência da ADI pode ser mais um instrumento de retórica política do que uma estratégia de anulação de atos fundados em uma argumentação jurídica sólida.

A atuação do Ministério Público é a mais variada, e provavelmente a que mais se coaduna com a busca de conferir um sentido democrático para a ADI. Como a atuação do Procurador-Geral da República normalmente deriva de representações a ele dirigidas, elas podem abranger um campo maior de interesses sociais relevantes. Porém, mesmo no caso da atuação do MP identificamos uma grande concentração de processos voltados à garantia dos interesses institucionais ligadas especialmente às definições das atribuições dos ministérios públicos dos estados.

A grande concentração de ADIs exitosas do PGR fundadas em argumentos de competência e desenho institucional indica que são esses os fundamentos com base nos quais o STF tende a agir. Assim, não deve causar espécie o fato de o MP optar pela via da ADI nos casos em que é possível sustentar o pedido de inconstitucionalidade em argumentos de forma ou desenho institucional, já que esses argumentos tem reconhecidamente uma maior probabilidade de êxito. Porém, o fato de a atuação exitosa do MP ter ficado abaixo da média no que toca aos argumentos de direitos fundamentais não deixa de ser surpreendente. Se algum dos legitimados deveria atuar preponderantemente na defesa dos interesses difusos e coletivos, este deveria ser o próprio MP. De fato, a análise das decisões de procedência baseadas em direitos fundamentais mostra que somente o MP é o único ator sem a limitação da pertinência temática cujo êxito na defesa dos direitos fundamentais não foi preponderantemente ligada a interesses corporativos (como no caso dos Partidos Políticos) ou a interesses de grupos de pressão (como no caso da OAB).

Apesar de as decisões de procedência baseadas em direitos fundamentais indicarem que essas decisões decorreram normalmente de uma atuação voltada à garantia do interesse público, resta o problema de que a atuação com sucesso do MP esteve muito mais ligada a outras formas de argumentação, que normalmente se ligam a interesses mais particulares e não aos interesses gerais. Todavia, a pesquisa não pode responder se essa preponderância de decisões de procedência ligadas à inconstitucionalidade formal ou à organização do Estado decorre de uma impugnação preponderante com relação a essas áreas, pois escapa ao âmbito deste trabalho uma análise da porcentagem das ações movidas pelo MP que pode ser caracterizada como uma defesa de direitos fundamentais voltadas à garantia do interesse público. Assim, não podemos indicar em que medida o baixo índice de procedência em decisões de direitos fundamentais decorre apenas do perfil das decisões ou se ela se reflete também o padrão geral de impugnação de atos normativos pelo PRG.

Outro número que inicialmente surpreendeu foi que as ADIs procedentes com base na defesa de direitos fundamentais representaram 15% das decisões de procedência das Entidades de Classe, que juntas obtiveram 20 decisões nesse sentido, o que representa 27% de todas as decisões do STF que anularam normas com base em direitos fundamentais, número bastante próximo ao dos partidos políticos (19) e da PGR (21). Essa participação nas decisões ligadas a direitos fundamentais poderia indicar que tais entidades foram mais ativas na defesa do interesse público, mas essa seria uma interpretação enganosa, pois a jurisprudência defensiva do STF limitou a participação dessas entidades à defesa dos interesses corporativos. Assim, ainda que ao menos uma dessas decisões possa ser entendida como tendo resultados reflexos sobre o interesse público, o fato é que essa alta participação das entidades corporativas nos julgamentos de procedência baseados em direitos fundamentais indica que esse tipo de argumentação está sendo utilizada amplamente na defesa dos interesses corporativos.

Um dado também relevante é o de que as entidades patronais têm uma atuação mais ativa que as dos trabalhadores, sendo digno de nota que a única decisão que estas entidades obtiveram com base na aplicação de direitos fundamentais foi na defesa dos benefícios fiscais das entidades, e não dos interesses dos próprios trabalhadores. Em contraposição, tiveram uma participação constante e exitosa nas ADIs as entidades patronais e aquelas que defendem os interesses de servidores públicos, especialmente daqueles ligados ao sistema de justiça e à segurança pública (como juízes, delegados, defensores, membros do MP, advogados e policiais). Associações ligadas a outras profissões tiveram baixo índice de participação e índice nulo de procedência, o que indica que as classes envolvidas mais diretamente ligadas à aplicação do direito souberam aproveitar-se de modo mais eficaz dos processos de judicialização da política e que o STF foi bastante sensível às suas postulações.

O perfil geral das decisões e dos atores mostra que a combinação do perfil político dos legitimados com a jurisprudência restritiva do STF em termos de legitimidade conduziu a um modelo de controle concentrado que privilegia a garantia dos interesses institucionais ou corporativos. Apesar dos discursos de legitimação do controle concentrado normalmente se justificarem na necessidade de oferecer proteção adequada aos direitos dos cidadãos, o que se observa na prática é uma garantia relativamente efetiva dos interesses corporativos e não do interesse público. E mesmo quando o interesse público é efetivamente garantido por decisões em ADI baseadas na aplicação de direitos fundamentais, quase sempre peço MP ou pelos governadores, a maior parte das intervenções é no sentido de anular benefícios concedidos de forma indevida, e não de garantir direitos individuais, coletivos e difusos, que têm uma participação minoritária.

Assim, o sistema de controle concentrado de constitucionalidade vigente no Brasil possui uma predominância jurisprudencial de argumentos formais ou de organização do Estado, cumulada com uma atuação ligada a direitos fundamentais cuja maior parte é ligada à garantia de interesses corporativos. Há também um espaço razoável para a cooptação dos legitimados por grupos de pressão que, com isso, adquirem acesso ao controle concentrado, acesso esse que é vedado às entidades que defendem os interesses dos cidadãos, e não interesses coletivos de certos grupos profissionais. Com isso, não realizam o objetivo final do controle de constitucionalidade que seria o de servir como uma via concentrada e rápida para a solução de questões constitucionais mais amplas, especialmente para a defesa dos direitos fundamentais.

Mesmo o Ministério Público, do qual se esperaria uma participação mais intensa na defesa do interesse coletivo, não obtém uma quantidade relativamente maior de êxito nas questões ligadas aos direitos fundamentais do que outros legitimados. Embora a qualidade das decisões ligadas a direitos fundamentais do MP seja adequada, no sentido de que elas se voltam primordialmente à defesa do interesse público, a quantidade de decisões desse tipo não se diferencia fundamentalmente daquelas obtidas por partidos políticos e pelas entidades corporativas.

Essas constatações conduzem a corroborar a hipótese de que, na atuação concentrada, o STF realiza basicamente um controle da própria estrutura do Estado, voltada à preservação da competência da União e à limitação da autonomia dos estados de buscarem desenhos institucionais diversos daqueles que a Constituição da República atribui à esfera federal. Além disso, nas poucas decisões em que o STF anula normas com base na aplicação dos direitos fundamentais, existe uma preponderância de interesses corporativos.

Tudo isso indica que deve ser repensada a narrativa comum que atribui um grande mérito à Constituição de 1988 por ela ter ampliado substanciamente o rol de legitimados para propor ações de controle concentrado. De fato, o rol foi ampliado, mas basicamente com a introdução de entidades que atuam na defesa dos seus interesses corporativos e que são muito abertas à serem cooptadas por interesses de grupos de pressão. Além disso, devemos ter em mente que a jurisprudência defensiva do STF, com a afirmação e ampliação dos requisitos de pertinência temática, limitou sensivelmente a possibilidade de que as entidades corporativas pudessem adotar uma atuação que ultrapassasse a defesa corporativa dos seus próprios interesses. Todavia, essa percepção também deve ser temperada pela constatação de que as decisões obtidas pela única entidade corporativa que não está sujeita à pertinência temática, a OAB, estão longe de mostrar uma especial concentração na defesa do interesse público e dos direitos da coletividade.

Aparentemente, houve um ensaio de ampliação do acesso ao controle concentrado, que foi bastante tímido na Constituição de 1988, que ampliou o rol de legitimados apenas para entidades ligadas à defesa de interesses corporativos ou político-partidários, ou para as quais o controle concentrado é pouco relevante, como é o caso da Presidência da República. Essa abertura foi limitada tanto legislativamente como jurisprudencialmente com base na percepção de que um controle concentrado muito aberto poderia se tornar inviável (pelo grande número de processos) ou politicamente irrelevante (pela sua dispersão sem qualquer seletividade).

Nessa medida, o processo de fortalecimento do controle concentrado de constitucionalidade, especificamente no que toca às ADIs, aparentemente não se mostra apto a gerar um debate mais amplo das questões constitucionais relevantes para a população em geral, especialmente na medida em que os atores que podem protagonizar as ADIs estão mais vinculados aos seus interesses corporativos e institucionais que à garantia do interesse comum. Assim, o discurso que deu margem à ampliação do rol de legitimados na Constituição de 1988, como uma forma de tornar socialmente mais aberto o controle concentrado, mostra-se na prática vazio, pois os novos legitimados atuam quase que apenas em nome de interesses de grupos específicos.

O que assistimos desde a promulgação da atual Constituição foi uma ampliação do controle federativo e do controle corporativo, e não uma ampliação do controle voltado à defesa dos interesses coletivos, que continua sendo realizado fundamentalmente pela PGR. Nesse sentido, o retorno ao sistema da Constituição de 1967, em que apenas o Procurador-Geral da República tinha legitimidade para propor ADIs não parece que alteraria fundamentalmente a tutela dos direitos fundamentais, o que reforça a ideia de que os maiores beneficiados pela atual conformação das ADIs são alguns dos próprios legitimados.

Além disso, a atuação do STF reforça a tendência de que somente as questões formais e de desenho institucional sejam judicializadas, na medida em que elas é que têm uma chance razoável de êxito. Essa tendência dos julgamentos parece gerar uma retroalimentação no sistema, fazendo com que a judicialização somente seja uma escolha estratégica razoável quando as questões levantadas possam ser redescritas como problemas de competência, de procedimento, de desenho institucional ou de simetria. Em outros casos, aparentemente a via judicial se mostra pouco aberta para realizar um controle mais efetivo, ao menos na estrutura imposta pelo atual modelo de ADI.

Essas conclusões indicam que há um severo descompasso entre a prática jurisdicional e a teoria de que a Constituição de 1988, ao ampliar os legitimados, teria construído um "sistema de defesa da Constituição tão completo e tão bem estruturado que, no particular, nada a fica a dever aos mais avançados ordenamentos jurídicos da atualidade" (Coêlho, 2009). Fica evidenciada, nessa análise, que esse tão bem estruturado e tão completo sistema não tem efetivamente desenvolvido uma verdadeira defesa dos direitos e garantias fundamentais, tampouco a ampliação dos legitimados favoreceu esse movimento.

Ao contrário, a Constituição e os movimentos legais e jurisprudenciais posteriores favoreceram a construção de um processo gradual, mas efetivo, de retirada de outras vias, como o controle difuso e concreto, como instrumento para essa defesa de direitos e garantias fundamentais. A ampliação do controle concentrado, pouco cidadão e pouco efetivo na defesa de direitos e garantias fundamentais, vem sendo acompanhada da subtração da discursividade que acontece no sistema difuso. Em síntese, há um claro problema que agora começa a ser diagnosticado e que precisa de um forte debate cívico em torno do papel que devemos esperar de uma corte constitucional.

A questão a ser enfrentada é a dos processos de seletividade a partir dos quais são definidos os interesses que serão tutelados por meio do controle concentrado. Atualmente, há uma forte seletividade em termos de agentes legitimados (que fortalece o controle federativo e o corporativo), combinado com uma seletividade nas decisões judiciais (que privilegiam o controle formal e o material baseado em regras de estrutura administrativa, e não na eficácia dos direitos fundamentais). Assim, o problema fundamental não é de eficiência nem de celeridade, pois importa pouco saber quantos pedidos serão julgados e quando eles serão decididos, quando existe um comprometimento estrutural do sistema com redes de seletividade que contribuem para um esvaziamento das ADIs como forma de efetivação de direitos fundamentais e de garantia dos interesse público. De pouco adianta concentrar os esforços legislativos, administrativos e jurisprudenciais na conquista de uma maior eficácia, quando o problema fundamental do sistema de controle concentrado está nas formas perversas de seletividade que ele engendra.

Em face desses resultados e reflexões, ainda que devamos reconhecer que a presente análise ainda se encontra incompleta (pois não abrangeu todas as ações ligadas ao controle concentrado), os resultados obtidos são suficiente para gerar, no mínimo, algum ceticismo sobre a possibilidade de que processo de concentração pelo qual passa o sistema de controle de constitucionalidade brasileiro venha a gerar resultados positivos em termos de uma ampliação da efetividade dos direitos fundamentais.

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Notas


  1. Existem alguns mecanismos, como o instituto da Repercussão Geral, mas que são pouco eficientes em termos de definição dos casos que irão ao julgamento. ↩︎

  2. Essa abordagem, que é bastante forte no contexto alemão, tem ganhado presença marcante nas decisões do STF. Segundo ela, princípios jurídicos não são mais direitos individuais próprios dos cidadãos com uma característica defensiva contra intervenções estatais, mas, sim, máximas que alcançam toda ordem jurídica e podem ser relativizados conforme uma determinada proporção (Vide Alexy, Robert. Theorie der Grundrechte. Frankfurt a.M: Suhrkamp, 1994,). Essa modificação interpretativa, todavia, tem sido bastante criticada pela doutrina como uma forma de clara axiologização do discurso jurídico. Para tanto, vide Habermas, Jürgen. Between Facts and Norms. Cambridge: Polity Press, 1996, p. 246; Schlink, Bernhard. "German Constitutional Culture in Transition". Cardozo Law Review 14 (1993); Benvindo, Juliano Zaiden. On The Limits of Constitutional Adjudication: Deconstructing Balancing and Judicial Activism. Heidelbert; New York: Springer, 2010. ↩︎

  3. A Ação Direita de Inconstitucionalidade (ADI) nasce como uma decorrência de um processo de expansão das formas de controle concentrado de constitucionalidade que já começava a se desenhar desde a Constituição Federal de 1934 com a então denominada Representação Interventiva. Este instrumento, que tinha muito mais o intuito de resolver conflitos federativos em sua configuração originária, teve seu objeto ampliado nas seguintes constituições democráticas e, em 1965, com a Emenda Constitucional nº 16, passou a conviver com a Representação de Inconstitucionalidade. Tal como a ADI, a Representação de Inconstitucionalidade tinha como objeto o controle de constitucionalidade de normas estaduais e federais, mas sua propositura era possível apenas por intermédio Procurador-Geral da República.Com a Constituição Federal de 1988, todavia, outros órgãos passaram a poder provocar o STF por intermédio da ADI. Seu objeto são atos normativos federal ou estadual, inclusive emendas constitucionais (por questões formais. ofensa às cláusulas pétreas previstas no art. 60, §4°, da Constituição ou em razão de circunstâncias excepcionais que vedam o poder de emenda, como intervenção federal, estado de defesa e estado de sítio (art. 60, § 1°, da Constituição). ↩︎

  4. Criada com a Emenda Constitucional n° 3, em 1993, a Ação Declaratória de Constitucionalidade tem, como propósito, solicitar ao STF o pronunciamento sobre a constitucionalidade de uma determinada norma jurídica e, em caso de confirmação desse pedido, vincular o resultado às instâncias inferiores e à Administração Pública. Embora tenha sido criada muito com o intuito de permitir uma certa governabilidade diante de decisões inferiores contrárias a política econômica da época, as ADCs visam a pacificar uma determinada matéria controversa. Seu objeto é lei ou ato normativo federal. ↩︎

  5. Já prevista na Constituição Federal de 1988 (originalmente art. 102, parágrafo único e, posteriormente, § 1°, com a Emenda Constitucional n° 3/93), somente foi regulamentada com a Lei 9.882, de 1999. Seu cabimento é caracterizado pelo princípio da subsidiariedade, isto é, somente se não houver outro meio idôneo para questionar a matéria, será cabível promovê-la. Seu objeto, bastante vago, é ofensa a algum preceito fundamental, mas, em razão do princípio da subsidiariedade, ela acaba sendo utilizada nas hipóteses não cabíveis nas outras ações em controle abstrato e concentrado. É o caso, por exemplo, de atos normativos municipais e também direito pré-constitucional, isto é, normas anteriores à Constituição de 1988 que ainda vigoram no ordenamento jurídico. ↩︎

  6. Mendes, Gilmar. "Entrevista - Gilmar Mendes". Correio Braziliense. Brasília, 08.17.2008. ↩︎

  7. Segundo Gilmar Mendes, "a Constituição de 1988 reduziu o significado do controle de constitucionalidade incidental ou difuso ao ampliar, de forma marcante, a legitimação para propositura da ação direta de inconstitucionalidade (art. 103)" e , "por essa forma, acabou o constituinte por restringir, de maneira radical, a amplitude do controle difuso de constitucionalidade". (Mendes, Gilmar. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 1104, 1151). ↩︎

  8. São exemplos desse movimento: 1) a Emenda Constitucional nª 3, de 1993, que introduziu a Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC), com o intuito de uniformizar a jurisprudência por intermédio da vinculação de suas decisões; 2) as leis 9.882 e 9.868, de 1999, que trouxeram, além da regulamentação da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), que possibilita o controle de matérias antes não cabíveis em sede de ADIs e ADCs (legislação anterior à Constituição de 1988 e legislação municipal, por exemplo), possibilitaram a modulação de efeitos e a suspensão de julgamento de questão nas instâncias inferiores, caso a matéria estivesse em discussão no STF no controle abstrato e concentrado de constitucionalidade; 3) a Emenda Constitucional n° 45, de 2004, que trouxe os institutos da Repercussão Geral e Súmula Vinculante. Para maiores informações, vide Benvindo, Juliano Zaiden. On The Limits of Constitutional Adjudication: Deconstructing Balancing and Judicial Activism. Heidelberg; New York: Springer, 2010, p. 83-131. ↩︎

  9. Segundo Menelick de Carvalho Netto, esse sistema faz uma "importação por via legal de supostos típicos do controle concentrado ou austríaco de constitucionalidade das leis" (Carvalho Netto, Menelick. "A Hermenêutica Constitucional e os Desafios Postos aos Direitos Fundamentais". In: Sampaio, José Adércio Leite (ed.). Jurisdição Constitucional e Direitos Fundamentais. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. 163). ↩︎

  10. Essa situação ocorre em virtude do sistema de processamento eletrônico, que tem possibilitado a autuação de processos nos quais muitas vezes não é apresentada uma petição inicial, seja porque não foi apresentado o documento ou porque foi apresentado documento diverso de uma inicial de ADI. Nesses casos, o número ficou tomado, mas não há um processo correspondente a ele. ↩︎

  11. De agora em diante, ocultaremos dos gráficos de distribuição o ano de 1988, pois o número de ações nele iniciadas é excepcionalmente pequeno, tendo em vista que a Constituição foi promulgada no fim de outubro. Essa disparidade, além de poder inspirar interpretações equivocadas por quem leia o gráfico, termina por tornar bastante limitadas as comparações de perfil de ingresso, tendo em vista que em um número tão reduzido de processos pode ter composições muito dependentes de fatores aleatórios. Cabe ressaltar que essa opção não altera os gráficos de julgamento, tendo em vista que as primeiras ADIs foram apreciadas apenas em 1989. ↩︎

  12. Neste gráfico, não contabilizamos todas as liminares deferidas, mas apenas aquelas que se relacionam com processos que ainda aguardam julgamento, sendo excluídas as cautelares deferidas em ADI's cujo mérito foi apreciado. Essa escolha metodológica decorre do fato de que, como será evidenciado no capítulo seguinte, há uma alta correlação entre deferimento da liminar e julgamento de procedência, que visto que 15% das liminares concedidas vêm a ser revertidas por decisões de mérito. Esse número, contudo, deve ser analisado com cuidado porque, embora 85% das decisões que apreciam o mérito de processos com cautelares deferidas determinem a procedência, há um grande contingente desses processos que são extintos por prejudicialidade, o que reduz a 60% a correlação entre deferimento de liminar e procedência definitiva da ADI. Assim, por mais que o número de liminares deferidas possa ser relevante para a compreensão de determinadas situações, seria inadequado estabelecer uma equivalência entre liminares deferidas e processos julgados procedentes. Não obstante, é evidente que seria desejável estudo mais detalhado do perfil das liminares, mas ele ultrapassa os limites deste trabalho. ↩︎

  13. Sundfeld, Carlos Ari e outros (2010). Controle de constitucionalidade e judicialização: o STF frente à sociedade e aos poderes. Belo Horizonte: Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas. Disponível em http://democraciaejustica.org/cienciapolitica3/sites/default/files/controle_de_constitucionalidade_e_judicializacao. pdf. (Acesso em 5 de julho de 2013). ↩︎

  14. Cabe ressaltar que entre esses dois últimos temas existe uma certa indefinição, pois embora a CF determine expressamente que os TCE's devem adotar a forma constitucional estabelecida para o TCU (o que significa que essas normas têm uma aplicação direta no âmbito estadual), há decisões do STF que aplicam essas regras sob argumento do princípio da simetria, o que dificulta uma adequada divisão desses temas. ↩︎