Antes de redigir um projeto, é preciso realizar uma série de estudos preparatórios, sem os quais não é possível formular um problema de pesquisa sólido.

Não há um modelo fixo para esses estudos, pois eles dependem do conhecimento que o pesquisador tem sobre o tema a ser investigado e também do seu domínio acerca dos instrumentos teóricos e metodológicos que precisará utilizar.

O mais comum é que os estudos preparatórios comecem de forma pouco estruturada, com a leitura de textos que chamem a atenção do pesquisador. Essa leitura assistemática é uma das partes mais interessantes do trabalho, uma fase de descoberta em que cada pessoa vai seguindo a sua intuição e descobrindo uma série de coisas novas. Cada texto que lemos nos remete às publicações que constam das referências, e vamos abrindo uma série de portas, despertando novos questionamentos, possibilitando a formulação de hipóteses inovadoras.

Nos cursos de pós-graduação stricto sensu, as disciplinas funcionam como estudos preparatórios, com a peculiaridade que eles são dirigidos, e não livres. É nesse contexto, inclusive, que se inserem as disciplinas de metodologia de pesquisa, pois é necessário desenvolver um repertório de conhecimentos metodológicos e teóricos que viabilizem o planejamento e a realização da pesquisa.

Esses estudos mais abertos vão ganhando um foco mais preciso na medida em que o pesquisador começa a fixar o seu tema, ou seja, a área na qual realizará a pesquisa. Quando a temática do trabalho fica suficientemente definida e começam a aparecer as primeiras ideias acerca do problema de pesquisa, torna-se inevitável a realização de uma revisão da literatura, ou seja, de um estudo voltado a levantar exaustivamente a produção acadêmica relevante que dialoga com o seu problema (mais frequentemente, com as várias ideias de possíveis problemas que vão sendo gestadas).

Revisão é um termo vago, pois várias atividades muito diferentes podem ser chamadas de revisão. Pode ser apenas uma listagem de textos que tratam de um certo tema (o que normalmente é uma escolha inadequada), pode ser uma revisão sistemática (que segue protocolos rígidos), pode ser uma revisão crítica (que culmina em uma descrição do campo mapeado), pode ser uma revisão de estado da arte (focado nas contribuições mais recentes e inovadoras).

Por mais que a sua revisão de literatura organize sistematicamente as publicações que você mapeia, a expressão revisão sistemática tem um sentido técnico: ela não é um estudo preparatório, mas ela é propriamente uma investigação, em que o objeto de pesquisa é um campo de pesquisas (Jesson e outros 2011).

Essas revisões tendem a gerar artigos autônomos e a lidar com grandes conjuntos de informações (que chegam aos milhares de obras). Por se tratar de investigações autônomas, essas revisões precisam evitar ainda com mais cuidado os vieses de seleção (especialmente, para evitar a localização apenas de textos com os quais o pesquisador tende a concordar e para garantir o caráter exaustivo do trabalho), o que exige abordagens metodologicamente bem planejadas.

Há algumas décadas, revisões sistemáticas não eram trabalhos comuns. Porém, com a recente combinação de (i) uma multiplicação exponencial do número de publicações e (ii) a disponibilidade de softwares capazes de pesquisar os dados dessas publicações, a construção de revisões sistemáticas tornou-se um elemento fundamental para garantir a coesão de campos de estudo com ampla produção acadêmica (especialmente, com produção empírica ampla, que conduz a resultados colidentes e a interpretações divergentes dos dados).

Qualquer que seja o modelo de revisão de literatura, essa atividade envolve a tentativa de identificar a produção acadêmica relevante sobre um determinado tema. Para ela poder ser exaustiva, é preciso que o tema seja suficientemente restrito, visto que temas amplos apontariam para uma quantidade de trabalhos grande demais para ser revisada. É por isso que a revisão de literatura não pode ser feita no começo do processo de planejamento, quando o tema ainda é muito indefinido.

O caráter exaustivo das revisões é muito importante para evitar que o pesquisador invista seu precioso tempo em questões que já foram devidamente equacionadas. A revisão deve ser capaz de identificar os dados disponíveis, as perspectivas que têm sido usadas pela literatura mais recente e as metodologias de pesquisa aplicadas em um campo. Além disso, o caráter exaustivo limita o viés de seleção, pois exige que o pesquisador mapeie trabalhos que convergem com as suas intuições, mas também trabalhos que apontam em sentido diverso.

Para fins do projeto de pesquisa, seria descabido realizar uma revisão sistemática, que é um tipo específico de investigação, e não apenas um elemento de apoio. De fato, a realização de uma revisão sistemática exigiria a elaboração de um projeto específico, que determinasse os seus limites e os seus procedimentos. No contexto do projeto de artigo ou dissertação, o que se espera é um mapeamento da produção existente sobre o seu objeto específico, que deve ser suficiente para identificar os pontos em que o seu trabalho pode contribuir. Nas palavras de Jesson e outros, a sua revisão deve possibilitar a identificação do knowledge gap que você enfrentará em sua pesquisa (2011 88).

O que deve estar contido na revisão de literatura? Uma boa lista de sugestões está contida no livro Doing a Literature Review, de Chris Hart (citado por Jesson e outros 2011):

• What are the key sources?
• What are the key theories, concepts and ideas?
• What are the key epistemological and ontological grounds for the discipline?
• What are the main questions and problems that have been addressed to date?
• How has knowledge in the topic been structured and organised?
• How have approaches to these questions increased our understanding and knowledge?
• What are the origins and definitions of the topic?
• What are the major issues and debates about the topic?

Essas são questões que, se bem respondidas, conduzem a uma excelente revisão da literatura. Note que elas não conduzem apenas a uma abordagem quantitativa, mas envolvem a construção de critérios de relevância, de classificação de abordagens, de identificação de controvérsias.

Instrumentos típicos que auxiliam nessa tarefa são os sites de bibliotecas, especialmente os portais de periódicos (como o da Biblioteca Central da UnB - BCE) e diversas bases de dados, que são acessíveis na página de Bases de Dados da BCE, inclusive a ampla base de periódicos da Capes, que é acessível aos estudantes de pós-graduação. Outro recurso muito importante são as bases internacionais de livros e periódicos, entre as quais se destaca a ZLibrary, que contém uma infinidade de textos, em vários formatos e várias línguas.

Quando a produção no seu tema é pequena, você pode ter de ampliar um pouco o escopo, para alcançar a produção acadêmica conexa, com a qual você pode dialogar. É evidente que tudo o que você puder ler e estudar é bem-vindo, mas é preciso ter cuidado para que a revisão não seja muito enviesada. Por isso, seja na produção específica do seu tema, seja na produção acadêmica conexa, é preciso ter em mente que a produção específica não opera por meio da ocultação das dúvidas e das posições divergentes (que é o que fazemos no discurso dogmático do direito), mas no diálogo claro e transparente com todas as posições. Você não está defendendo uma tese, mas investigando um objeto, e por isso precisa estar sempre atento para a questão dos vieses.

Estruturalmente, a revisão pode ingressar como uma das divisões do projeto (em um subtítulo específico), mas revisões mais sucintas normalmente aparecem como parte da introdução ou da justificativa. Isso depende, em geral, das exigências dos programas (que por vezes estabelecem a necessidade de uma revisão de literatura em seus modelos de projeto); ou da extensão da sua revisão (que, quando é muito complexa, pode demandar um subtítulo autônomo); ou da abordagem
adotada (estudos quantitativos costumam concentrar as referências à literatura no início do texto, por vezes em tópicos apartados).

Independentemente da estrutura escolhida, tenha em mente que a função estratégica da revisão de literatura é demonstrar aos examinadores e aos orientadores que você conhece adequadamente a sua área. Uma revisão insuficiente tende a gerar bibliografias pobres, demasiadamente focadas em obras clássicas.

No caso específico do direito, ela pode gerar uma multiplicação de referências a manuais, que empobrecem a bibliografia porque a função dos manuais é didática e não científica. Os manuais são frutos de estudo, e não de pesquisa, tendo em vista que eles compilam informações sobre os seus temas de uma maneira bastante panorâmica. Já as pesquisas são normalmente veiculadas por meio de artigos ou de livros especializados, e não por grandes compilações de caráter didático.

Falhas na revisão bibliográfica normalmente indicam um conhecimento limitado, ou ultrapassado, que dificulta a formulação de uma pesquisa adequada e gera o risco desnecessário de se investir muito tempo em uma pesquisa que já foi, ou que já está sendo realizada.

A realização de investigações, especialmente em graus de mestrado e doutorado, exige que os pesquisadores dialoguem efetivamente com a produção recente, sem o que não é possível avaliar o grau de originalidade dos trabalhos nem calcular efetivamente a contribuição que representariam para o campo jurídico.

Tome cuidado para que as confusões entre estudo e pesquisa não gerem uma revisão inadequada. Pessoas acostumadas a realizar estudos muitas vezes planejam a revisão de literatura estabelecendo uma lista das obras que gostaria de ler: essa lista de desejos pode até mostrar um certo conhecimento sobre o campo, mas a revisão de literatura não é uma indicação das obras que o pesquisador se propõe a estudar, e sim um mapeamento de obras que já foram estudadas e que, por isso, permitem uma descrição suficiente do campo de pesquisas no qual se insere o trabalho planejado.

Outro ponto importante é que uma boa revisão não é uma lista interminável de obras. O caráter exaustivo não supõe uma lista imensa de textos, mas um levantamento criterioso, que permite a identificação da produção mais relevante. Em certos casos, os editais substituem a revisão de literatura por uma bibliografia de referência, esta sim composta por uma lista de obras, que deve vir ao final do seu projeto e indicar a literatura que você mapeou que deverá ser analisada ao longo do trabalho. Como esse tipo de listagem ter por objetivo possibilitar que os membros da banca avaliadora julguem se o candidato é capaz de mapear a bibliografia relevante, não caia na armadilha de apresentar simplesmente uma lista exaustiva. A multiplicação de referências a textos de menor interesse gera listas intermináveis que sugerem que você não tem a habilidade de selecionar, na bibliografia existente, as obras de maior relevo.

A revisão é uma descrição do estado da arte da produção existente, indicando os principais trabalhos, as inovações recentes, as pesquisas em curso que você conseguiu localizar. Você precisa organizar a produção que você encontrou, com a identificação dos principais autores, textos (livros, artigos e outros) que a compõem, cuja leitura e análise é para situar e desenvolver o trabalho.

É recomendável que o pesquisador adote um planejamento na condução de sua revisão de literatura, que inclua a definição de critérios para a seleção das obras
a serem consideradas e de procedimentos de busca e análise a serem realizados. Com o apoio de Creswell e Sampieri, Collado e Lucio, apresentamos algumas sugestões para esse fim:

  • comece pela identificação das palavras-chave do seu trabalho, ou seja, das expressões capazes de sintetizar as ideias e temas que serão abordados em sua pesquisa;
  • lançando mão das palavras-chave, recorra a alguns bancos de dados e diretórios de busca, bem como converse com seu orientador e com outros pesquisadores com experiência na área;
  • localize trabalhos sobre o tema escolhido (ou sobre temas e metodologias próximos a ele) e complemente sua busca aplicando os termos utilizados para descrevê-los;
  • caso não haja trabalhos sobre seu tema específico, amplie paulatinamente a abrangência de sua busca, estendendo-a a temas semelhantes, a campos de estudo aproximados e a investigações que utilizaram, em outras matérias, as estratégias metodológicas adotadas em sua pesquisa;
  • aproveite as revisões feitas nos trabalhos assemelhados e as referências deles constantes;
  • dê preferência às revistas científicas, às teses e dissertações ou outros trabalhos que contenham resumos sobre a literatura;
  • priorize trabalhos mais recentes, publicados nos últimos 5 anos;
  • identifique os autores mais importantes do campo de estudo;
  • analise os aspectos e variáveis abordados nos estudos anteriores.

A revisão bibliográfica mostrará a sua capacidade de identificar os interlocutores relevantes, os textos centrais e o tipo de literatura com a qual você vai trabalhar nas suas análises. Portanto, a multiplicação de obras irrelevantes, secundárias, ou de má qualidade, enfraquece o seu trabalho, pois sugere que não foram desenvolvidos critérios de relevância adequados.

Além disso, não se deve perder de vista que a revisão é feita para localizar tanto as presenças como as ausências, já que a sua pesquisa envolverá justamente a identificação das lacunas no conhecimento existente, que demandam novas pesquisas para aprimorarmos nossas descrições e explicações sobre determinados fenômenos. Uma boa revisão deixará clara a sua capacidade de dialogar com a produção recente, identificando alguma lacuna na literatura, cujo preenchimento é justamente o objetivo da pesquisa.

Em termos topográficos, consideramos útil que a revisão bibliográfica apareça no projeto entre o problema e a justificativa, porque a revisão faz uma boa mediação entre esses dois pontos, permitindo que os examinadores compreendam o modo como o objeto de pesquisa tende a suprir lacunas nos conhecimentos existentes e, com isso, viabilizando a compreensão das potenciais contribuições da pesquisa (que serão descritas na justificativa).

Para facilitar o trabalho de redação, e evitar um retrabalho constante, sugerimos que a revisão bibliográfica já seja feita usando algum software de gestão de bibliografias, como o Zotero (que é gratuito e open source, motivo pelo qual ele é utilizado para a biblioteca com os textos deste site), o Mendeley (que é gratuito, embora pertença a uma grande editora) ou o EndNote (que é pago e pertence a uma grande corporação). Uma comparação deles pode ser encontrada no site de apoio ao pesquisador da USP.

Nesses programas, há um trabalho um pouco custoso de inserir os dados (cada vez menos custoso, pois estão cada vez melhores as ferramentas de extração automática dos dados de textos lidos em formatos digitais), mas esse custo se paga rapidamente pelo tempo economizado ao longo do trabalho. Uma vez que os textos mapeados sejam incluídos nas bases de dados do seu programa, será mais simples inserir as citações no seu texto, bem como formatar as referências e a bibliografia. Além disso, esses programas têm formas de buscar referências em bibliotecas públicas, que podem conter os textos que você procura, inclusive com links que apontam para o seu conteúdo.

O uso desses gerenciadores de referências é especialmente fluido quando feito em processadores de textos para os quais esses programas têm plugins (especialmente no Word), que produzem automaticamente uma bibliografia que contém todos os trabalhos citados. Para quem usa outras estratégias de escrita (por exemplo, eu estou usando o Typora, que é um editor de Markdown), não existem esses plugins, mas o fato de ter as referências todas consolidadas permite a geração facilitada de bibliografias.