Costa, Alexandre. Cartografia da racionalidade moderna. Em: Milovic, Miroslav; Sprandel, Maia; Costa, Alexandre.; Nascimento, Wanderson (orgs.). Sociedade e Diferença. Brasília: Casa das Musas, 2005.

O presente texto foi originalmente publicado em 2005, como um dos artigos que compunha a coletânea Sociedade e Diferença, organizada pelo Grupo de Pesquisa Pensamento Social. Em 2021, realizei uma atualização do texto às normas ortográficas atuais e uma pequena revisão, que levou a alguns pequenos acréscimos e à correção de alguns equívocos.

1. Entre metáforas e paráfrases

Teorias são metáforas sobre o mundo, mesmo quando pretendem ser descrições. Por trás (mais precisamente, por dentro) da linguagem pretensamente denotativa dos textos que compõem as teorias, pulsam valores, símbolos e narrativas mitológicas que integram os nossos modos de organizar experiências e constituir a realidade. E esses elementos que subjazem à teoria são justamente o ponto cego das concepções tradicionais e modernas.

As perspectivas tradicionais não tematizam seus próprios pressupostos porque eles são tidos como verdades óbvias. Não uso aqui o termo pré-moderno porque ele seria uma fonte de equívocos, tanto por sugerir que as perspectivas tradicionais deixaram de existir após a consolidação da modernidade (sendo que elas permanecem até os dias de hoje), quanto por seu uso sugerir a existência de uma escatologia (no sentido histórico da palavra), na qual as concepções pré-modernas evoluíram para as concepções modernas e estas para as concepções pós-modernas (outra expressão, aliás, também geradora de muitos equívocos, mas que utilizaremos, na falta de um nome mais apropriado).

A tradição nunca discute os seus próprios mitos, pois é justamente sobre eles que se constroem os discursos tradicionais, cuja base de justificação é a autoridade de suas narrativas particulares. As abordagens tradicionais são dogmáticas, na medida em que estabelecem um jogo de linguagem em que é inadmissível a crítica aos pressupostos nos quais que ele se sustenta. Elas não se colocam como portadoras de uma verdade, mas como portadoras da Verdade.

Cada discurso tradicional apresenta suas narrativas mitológicas como se fossem históricas e considera seu relato particular sobre o mundo como a imagem o mundo. Além disso, seus pressupostos são dotados de uma atemporalidade que os torna imutáveis, pois eles são apresentados como parte da própria natureza e não como uma construção social.

Porém, como afirmava Nietzsche, a Verdade não passa de um conjunto de metáforas que, de tão usadas para falar do mundo, passam a ser compreendidas como uma descrição da realidade.

A verdade é um exército móvel de metáforas, de metonímias, de antropomorfismos, numa palavra, uma soma de relações humanas que, foram poética e retoricamente intensificadas, transportadas e adornadas e que depois de um longo uso, parecem a um povo fixas, canônicas e vinculativas: as verdades são ilusões que foram esquecidas enquanto tais. (Nietzsche, 2005, p. 13).

Ocorre que a simples cristalização histórica de uma metáfora na forma de uma verdade não pode servir como sua justificação. Por mais que as pessoas vivenciem uma afirmação como evidente, o sentimento social não é um bom índice de valide objetiva, pois, neste contexto, dizer a verdade significa apenas mentir “segundo uma convenção estabelecida” (Nietzsche, 2005, p. 13).

Quem vive dentro de uma cultura não costuma perceber essa convenção, pois seu olhar tender a perceber percebe a metáfora como se fosse o fenômeno descrito. Um cidadão grego não precisava justificar perante seus pares que todos deveriam reconhecer a precedência e a autoridade da pólis sobre os indivíduos; um cristão não precisa explicar para outro os motivos pelos quais os mandamentos do seu deus são obrigatórios; um pai não costuma exigir explicação dos motivos pelos quais ele tem o direito e o dever de cuidar de suas crianças. Tudo isso é vivenciado como parte da ordem objetiva do mundo: fatos tão evidentes e naturais que não faz sentido algum colocá-los em dúvida.

Para toda concepção comprometida com uma determinada tradição, a função das teorias científicas e filosóficas é a mesma que a função das artes: representar o mundo cuja existência independe dos homens e que se desvela perante um olhar cuidadoso. Nesse tipo de abordagem, a atividade cognitiva é percebida como um exercício de contemplação e não de criação. Apesar da advertência de Hobsbawm de que “traçar um paralelo entre as artes e as ciências é sempre perigoso, pois as relações entre cada uma delas e a sociedade em que vicejam são muito diferentes” (2001, p. 301), creio que a aproximação dessas perspectivas abre espaço para uma série de metáforas muito ricas (e sempre arriscadas...).

O teórico, tal como o artista, não tinha por objetivo criar novos conceitos e símbolos, mas simplesmente representar o mundo em palavras e imagens, o que fazia com que a qualidade tanto da arte como da teoria fosse medida em razão de sua fidelidade ao modelo original. Ocorre que a fidelidade não é o critério de avaliação das metáforas, e sim das paráfrases, entendidas como uma redescrições que tentam ser o mais fiel possível ao original, sem agregar novos sentidos.

Quando a arte é mimesis, ela é tomada como uma repetição do mundo e é avaliada por ideais de verossimilhança. Quando a teoria é re-presentação, ela é entendida como a habilidade de elaborar um discurso abstrato que corresponda efetivamente à realidade, evidenciando o modo de ser de cada ente e os padrões naturais que regem suas interações. Essências, valores e finalidades são elementos que não se mostram para os sentidos, mas para a razão.

É certo que o mundo dos antigos, reabilitado pelos modernos, era bem diferente daquele que a ciência contemporânea nos apresenta: somente a partir de Hume, no século XVIII, é que se consolidou a redução do real ao empírico. A revolução científica promoveu uma mudança que os filósofos perceberam como uma forma de reducionismo: as mecânico-causais tornaram-se as únicas explicações aceitáveis. Platão, por exemplo, explicava o mundo mediante um discurso narrativo (alegórico ou dialógico) que muitos filósofos contemporâneos provavelmente estariam mais dispostos a catalogar como literatura do que como filosofia.

Platão narrava conversas, e a narrativa é uma espécie de discurso literário, cuja natureza metafórica parece incompatível com o discurso teórico da modernidade. Por mais que suas personagens falassem “sobre o mundo”, os textos platônicos não constituíam uma descrição abstrata da ordem natural. Frente à espinhosa questão de explicar o que é a justiça, Platão optou por descrever uma cidade justa. Frente à espinhosa questão de explicar como podemos conhecer as verdades últimas, Platão nos oferece a narrativa de que a alma havia percorrido o mundo das ideias e que, por isso, era capaz de conhecer os padrões objetivos da natureza.

Platão usava dos discursos como um expediente retórico voltado a persuadir seus leitores de que suas posições, defendidas sempre pela personagem Sócrates, eram mais adequadas. Por isso mesmo, seus textos não eram os mais claros e lineares: a opção pelo diálogo compromete a clareza, mas aumenta o potencial persuasivo dos diálogos platônicos. Esse caráter “narrativo” foi abandonado pelas ciências modernas, que substituem as falas de personagens concretos pelo discurso impessoal, que descreve os fenômenos a partir de uma descrição abstrata de suas causas. Não há lugar nas ciências para as metáforas e alegorias de Platão, mas apenas para o estilo aristotélico, que descreve de modo claro e preciso o modo como as coisas são e as formas pelas quais elas se relacionam.

Embora a passagem de uma passagem da metáfora narrativa para uma perífrase teórica tenha tido inspirações aristotélicas, a ciência moderna se afasta radicalmente das estruturas explicativas dos gregos. Os modelos aristotélicos, que tanto mobilizaram os pensadores medievais, entendiam que as interações entre os fenômenos deveriam ser explicadas de forma causal (o que veio a ser admitido pela ciência moderna), mas Aristóteles pensava que havia quatro formas diferentes de causas: finais, eficientes, materiais e formais.

Essa multiplicidade de razões explicativas se dava porque os gregos viam a realidade como uma ordem natural em que o comportamento de cada objeto era determinado externamente por suas relações de causa e efeito com outros fenômenos (que constituem a causa eficiente) mas também era determinado internamente, por sua própria essência, pelas funções que lhe eram próprias e pela sua forma peculiar. A ciência moderna alterou radicalmente a metáfora geral do mundo, que passou a ser visto exclusivamente como um mecanismo, que deveria ser explicado exclusivamente por relações de causa e efeito. A defesa filosófica dessa posição foi realizada primeiramente por Descartes, que designou esse pressuposto como mecanicismo: a ciência deve explicar a natureza exclusivamente em termos de causação eficiente, ou seja, da identificação de quais são os fenômenos que desencadeiam determinado resultado.

Na matriz aristotélica de pensamento, dá-se especial relevo à finalidade: muitos fenômenos não são explicados por suas relações mecânicas, mas por meio da identificação de que eles constituem uma realização das finalidades intrínsecas a certos objetos. Essa é uma concepção que foi especialmente cara aos teólogos cristãos, visto que dava dignidade filosófica ao dogma religioso de que o mundo havia sido criado por um deus, segundo um plano determinado, em que cabia a cada ser realizar as finalidades que lhe foram designadas pela divindade.

Devemos ressaltar que esse tipo de pensamento teleológico até hoje pode ser encontrado em certas abordagens ditas científicas, especialmente em concepções escatológicas da história ou de leituras superficiais da teoria darwiniana (quando se fala, por exemplo, que o objetivo do desejo sexual é possibilitar a reprodução da espécie) ou de abordagens ecológicas (quando se pensa que a finalidade das plantas é servir como pulmão do mundo).

O desenvolvimento da ciência moderna alterou bastante nosso conhecimento, mas restou presente a identificação da verdade com uma descrição fiel da realidade. A redução mecanicista das explicações científicas à causa eficiente não se deu porque os filósofos decidiram utilizar um repertório mais restrito de explicações, mas porque os cientistas entenderam que o próprio mundo era um mecanismo a ser compreendido em termos de fenômenos que desencadeavam outros fenômenos. Os modernos não aboliram a teleologia da ciência, mas aboliram as finalidades naturais da própria natureza: cabia à ciência simplesmente refletir essa espécie de desencantamento. Dessa forma, as concepções modernas continuaram tratando as artes e as ciências como formas de representar do mundo.

Nesse contexto, as representações pictóricas medievais foram sendo consideradas cada vez mais toscas, pueris até, em seu irrealismo. Tome-se, por exemplo, a passagem do estilo bizantino para o estilo renascentista, que encontra especial ressonância na introdução da perspectiva na pintura, que pode ser claramente sentida, por exemplo, na comparação de obras de Cimabue, Giotto e Masaccio. A ideia de que era preciso observar a natureza de forma objetiva e retratá-la o mais fielmente possível atravessava tanto as artes do renascimento como as nascentes perspectivas científicas. Nesse processo, as representações antigas foram julgadas merecedoras da maior deferência, pois antiguidade greco-romana fornecia muitas obras que o renascimento fixou como modelos canônicos a serem seguidos: o rigor das esculturas de Fídias e das proporções arquiteturais dos gregos e dos romanos.

Os primeiros modernos não supunham, ainda que a realidade pudesse ser uma invenção nossa. O desafio dos homens era compreender o mundo, desvendar suas leis, descobrir o modo do seu funcionamento. Quem enfrentou este desafio acreditava estar renovando a arte e a filosofia, mas não entendia que estava moldando uma nova natureza e um novo homem: os primeiros modernos entendiam que estavam apenas desvelando uma realidade que, embora sempre tenha existido, não era devidamente conhecida. Para eles, não se tratava de uma revolução que instituía uma nova ordem, mas de um renascimento, em que se operava o retorno à verdade e aos valores esquecidos.

Embora esta valorização da paráfrase implicasse um culto da representação, isso de modo algum significava uma necessária desvalorização da capacidade criativa. O gênio parafraseador não é quem inventa o mundo, mas quem inventa formas novas de representá-lo, esclarecendo o que outros não viam e tornando compreensível o que era confuso. Imenso é o desafio desses artistas que se esforçaram para conquistar a capacidade de traduzir em imagens (ou em palavras) a vida, a tensão, a luz, a dor, o medo. Quando Leonardo inventou o sfumato, ele se tornou capaz infundir uma nova vida às imagens. Compare com os dele os quadros de Mantegna ou de Uccello, e estes parecerão retratos de estátuas! Mas da Vinci não pretendia ter inventado os seres humanos, assim como Michelangelo não inventou a confiante energia do David a espera de Golias.

O mundo é o modelo criado pelos deuses e não pelos homens, de forma que as teorias filosóficas e científicas, tal como as obras de arte, devem apenas refleti-lo. O reflexo, a tradução, a representação, a mimese, todas essas palavras expressam a ideia de uma fidelidade ao modelo, o que somente pode ser conquistado a partir de um olhar objetivo. Frente a esse novo olhar sobre o mundo, a arte e os conhecimentos dos medievais pareceram ultrapassados. Essa nova objetividade, manifestada em padrões de pensamento que vieram a ser chamados de racionais, consolidou-se gradualmente como o padrão correto de descrição do mundo.

Mas o humanismo do renascimento ainda não era o racionalismo moderno, pois a valorização do homem não implicava a negação da transcendência, havendo ainda espaço para a metafísica tradicional, o misticismo e a teologia. Embora o papel do filósofo fosse refletir o mundo, este ainda não havia sido reduzido ao mundo finito dos fenômenos empíricos. Além disso, apesar de a razão ser um instrumento com força crescente, ainda vigia a crença tradicional de que boa parte do mundo era oculta à investigação racional. Assim, antes do século XVII, a racionalidade dedutiva e matemática era um instrumento importante, mas não era a única forma reconhecida como correta.

No quattrocento italiano, Nicolau de Cusa utilizava metáforas matemáticas, mas ainda supunha a existência de um intelecto acima da razão, à qual seria impossível compreender o infinito (Reale e Antisseri, 1990, p. 65). Seu contemporâneo Alberti desenvolveu a perspectiva linear e matematizada como um dos sistemas de representação do mundo (Francastel, 1990, p. 34), porém este era apenas um dos instrumentos à disposição dos artistas para efetuar seu trabalho. Com o tempo, a razão passou a ser entendida como a única forma de compreender o mundo, recusando as outras formas de acesso pelo fato de elas não serem capazes de conduzir à certeza — e busca da certeza é o desafio da modernidade.

Não é à toa que Descartes afirmou que se comprazia “sobretudo com as matemáticas, por causa da certeza e da evidência de suas razões” (1985, p. 36). Essa certeza que ele encontrava na matemática não era simplesmente subjetiva (não era apenas um sentimento de estar certo), mas a convicção de quem tem consciência de que conhece a verdade.

A verdade tem esse caráter objetivo porque, se existe apenas um mundo, somente pode existir uma descrição correta dele. Não obstante, sabemos que as pessoas que dizem conhecer as verdades dizem as coisas mais diversas, e cada um deles acha que a sua verdade é a Verdade. Como explicar essa imensa discordância? Uma resposta possível é a de que a capacidade de distinguir o verdadeiro do falso não é idêntica em todas as pessoas e que, portanto, somente alguns de nós são capazes de ter acesso à verdade. Esse tipo de resposta gera perspectiva aristocráticas, pois apenas o cultivo do logos pode conduzir à verdade.

Aristocrática é a verdade da tradição, pois ela é um privilégio do Sábio, ou seja, da pessoa cuja autoridade intelectual é culturalmente reconhecida. Na história grega, os Sofistas já se tinham diferenciado dos Sábios, pois não portavam a verdade da tradição, mas apenas um conhecimento técnico e relativista. E contra os dois se ergueram os Filósofos, em nome de uma postura revolucionária, que não admitia as verdades calcadas no costume, mas postulava a verdade do logos.

Contrapondo-se a essa aristocracia do pensamento, moldou-se o homem moderno, cuja manifestação mais clássica é a do revolucionário Discurso do Método, de Descartes. Um pequeno livro, narrado em primeira pessoa: a voz de um sujeito e não a voz da tradição. Um sujeito que pretendia chegar à verdade pelas próprias pernas, por meio do uso altivo e independente de sua própria Razão.

Descartes percebeu claramente os homens têm a crença de que conhecem a verdade absoluta, mas que a maior parte do que é comumente aceito como verdade não passa de preconceitos herdados de uma determinada tradição. O fato de pertencer a uma cultura nos faz ter uma série de convicções subjetivas em relação ao mundo, mas o que importava ao conhecimento não era o sentimento de certeza, mas a possibilidade de ter uma certeza objetiva acerca do mundo.

A convicção subjetiva é uma experiência pessoal, assim como a fé. Mas, se ter fé é ter certeza sem ter motivos, a verdade que buscam os modernos é uma certeza objetiva, motivada, justificada por argumentos racionais. Ao perceberem que a verdade dos antigos e dos medievais era fundada em crenças tradicionais sobre o mundo e sobre a autoridade política, os modernos buscaram um fundamento mais sólido para os conhecimentos pretendiam ser objetivamente válidos.

Mas onde encontrar a base dessa certeza objetiva, se a certeza parece ser inevitavelmente um sentimento subjetivo de absoluta convicção? Como converter a certeza em verdade? Os gregos não precisavam responder a essa pergunta justamente porque eles nunca identificaram certeza e verdade. A certeza, fruto da dialética, tinha a ver com a verossimilhança e não com a verdade, que se mostra ao logos a partir da contemplação. Os cristãos medievais e modernos buscaram uma certeza que não podia ser alcançada pela razão, valorizando mais a fé que a demonstração.

Já a postura cartesiana implicou uma nova estratégia de resposta a essa pergunta. Em um primeiro momento, a pergunta parece insolúvel, pois a admissão de que somente há certeza subjetiva conduz à ideia de que não há critério de verdade fora do próprio sujeito. Esse é o ponto central da recusa da tradição como fonte de verdade e de obrigatoriedade, que Descartes traduz muito bem ao dizer que “a pluralidade das vozes não é prova que valha algo para as verdades difíceis de descobrir, uma vez que é mais verossímil que um só homem as tenha encontrado do que todo um povo” (1985, p. 43).

Já que eu posso duvidar de tudo o que está fora de mim, apenas o que está dentro de mim pode servir como base para uma certeza objetiva. Então, o único critério objetivo de certeza é a razão individual, o que implica uma rejeição de qualquer critério heterônomo de validade. Essa é uma posição revolucionária, pois desterritorializa a verdade, que é roubada dos espaços do poder estabelecido (universidades, autoridades acadêmicas, cânones tradicionais) e reterritorializada em um novo espaço: a reflexão individual, inspirada na tradição Socrática.

Parecia necessário preciso despolitizar a verdade, e essa despolitização foi verdadeiramente revolucionária, pois contrapunha-se diretamente às regras de poder simbólicos então vigentes. Uma verdade vista como fruto da objetividade e não da sabedoria, era uma verdade que não se submetia a qualquer dos instrumentos tradicionais de domínio simbólico do conhecimento. É claro que despolitização da verdade é só uma condição para a sua repolitização, pois a verdade é reterritorializada, mas em um novo terreno simbólico, no qual as verdades tradicionais não configuram conhecimento legítimo.

Essa revolução é especialmente intensa porque ela não traduz a simples certeza intuitiva dos adolescentes que se julgam donos da verdade, mas é fruto maduro do relativismo cartesiano, que nunca presumiu que o seu espírito “fosse, em algo, mais perfeito do que o das pessoas em geral” e que, frente à experiência da pluralidade de culturas e pontos de vista, defendia a revolucionária tese de que “todos os que possuem sentimentos opostos aos nossos nem por isso são bárbaros ou selvagens, mas que muitos usam, tanto ou mais do que nós, a razão” (Descartes, 1985, p. 42).

Embora Descartes não tenha inventado a modernidade, a sua trajetória é exemplar: o que o liberta do jugo da tradição foi a sua possibilidade de conviver durante longo tempo com a diferença. Na história que ele narra que, durante nove anos, não fez outra coisa “senão viajar pelo mundo, de um lado para outro, procurando ser mais um expectador do que um ator em todas as comédias que nele se representam” (1985, p. 53). Convém ressaltar que Descartes constrói seu discurso como uma narrativa diacrônica, que apenas no final converge para uma teoria sincrônica, em que ele determina as regras do método que ele propunha.

A posição cartesiana sugere que um homem que se abriu à diversidade não consegue afirmar ingenuamente que a sua cultura é objetivamente correta. Essa experiência da pluralidade incapacitou Descartes de oferecer a resposta etnocêntrica padrão, consistente em afirmar a superioridade natural de sua própria cultura, pelo simples fato de ela ser a sua própria cultura. Existe um misto de desamparo e de coragem no fato de que, diante da negação radical do argumento de autoridade e da prevalência da tradição, Descartes tenha concluído que “eu não poderia optar por ninguém, cujas opiniões me parecessem ser preferidas às de outrem, e achava-me como que compelido a tentar eu próprio conduzir-me” (1985, p. 43).

Essa experiência radical de observação solitária de um mundo estranho tem muita semelhança com o existencialismo do começo do século XX: ambos são o resultado angustiante da morte de um deus. O deus da Tradição, para Descartes, e o deus da Razão, para os existencialistas. A morte de deus deixa em seu lugar um vazio que os antigos crentes precisam preencher de novas formas. Esse horror ao vazio, esse desejo de segurança em um território no qual as bases da segurança foram minadas, aproxima Sartre de Descartes, por mais que em ambos sejam muito diferentes tanto as perguntas como as respostas. Segundo Guéroult, Descartes é um pensador que “no que tange à angústia, só conhece a da verdade – supondo-se que possamos chamar de angústia a inflexível vontade e a completa certeza de descobri-la.” (vide Descartes, 1985, p. 104). Essa angústia de quem encontra o nada onde esperava presença, essa náusea, irmana os filósofos da angústia da verdade com os da angústia existencialista da liberdade.

Assim como Sartre não colocava verdadeiramente em dúvida a liberdade (considerada como constitutiva da condição humana), Descartes nunca colocou em dúvida a existência de uma verdade objetiva nem a nossa capacidade de alcançar essa verdade mediante o uso da razão. Ele não era um dos céticos que “duvidam apenas por duvidar e simulam estar sempre indecisos” (Descartes, 1985, p. 47), pois a sua questão era justamente a de desenvolver um método em que pudesse estar “seguro de usar em tudo minha razão, se não perfeitamente, pelo menos da melhor forma que eu pudesse” (Descartes, 1985, p. 47). Ele necessitava, portanto, de um ponto de apoio objetivo, de um alicerce sólido para reconstruir o edifício do conhecimento que a sua dúvida metódica colocava abaixo, numa atitude francamente desconstrutiva. Como ele próprio disse,

resolvi fazer de conta que todas as coisas que até então haviam entrado no meu espírito não eram mais verdadeiras que as ilusões de meus sonhos. Mas, logo após, concluí que, enquanto eu queria pensar que tudo era falso, cumpria necessariamente que eu, que pensava, fosse alguma coisa. E, notando que essa verdade “penso, logo existo” era tão firme e segura que as mais extravagantes suposições dos céticos não seriam capazes de abalar, julguei que podia aceitá-la, sem escrúpulo, como o primeiro princípio da Filosofia que procurava. (Descartes, 1985, p. 56)

Cogito ergo sum, ou seja, posso duvidar de tudo, menos de meu próprio pensamento e de minha própria subjetividade: essa é a certeza que pode me reconduzir à verdade. Uma certeza simultaneamente subjetiva (pois é sempre um eu que não duvida de sua própria existência e racionalidade) e objetiva (porque seria irracional pensar o contrário).

Se Descartes houvesse insistido nesse ponto com mais vigor, talvez tivesse chegado a formulações próximas àquelas elaboradas duzentos anos depois por Kant, no sentido de que o que chamamos de realidade é constituído pelos modos de ser dessa subjetividade que cogita. Entretanto, Descartes não colocava em dúvida que a realidade exsitia objetivamente, independentemente de nós, o que não abria espaço para o surgimento da hipótese de que a realidade poderia ser fruto da subjetividade, visto que o que chamamos de realidade não é o conjunto das coisas em si, mas o nosso peculiar modo de vê-las.

Descartes chegou a cogitar de que talvez os pensamentos que lhe ocorriam poderiam ser “dependências de sua natureza”, mas logo negou essa ideia em nome de um elemento perfeito que garantisse a objetividade e perfeição do mundo, no que renovou os argumentos ontológicos de Agostinho acerca da existência de Deus (1985, p. 59). Ele ainda postulava uma relação de identidade entre o mundo em si e a sua verdadeira descrição, de tal forma que o desafio cartesiano era o de reconstruir uma objetividade do conhecimento sobre a subjetividade da certeza. Um desafio imenso, diga-se de passagem, que somente se deixa resolver mediante a existência de uma certeza objetiva, cuja existência depende da nossa capacidade de distinguir objetivamente o verdadeiro do falso: ou seja da nossa Razão.

Logo tornou-se claro que a mentalidade moderna somente seria capaz de admitir um único critério de verdade objetiva: a subjetividade universal, que é descrita como uma racionalidade universal e igualitária, dado que “não somos uns mais racionais do que outros” (Descartes, 1985, p. 30). Nessa medida, seria possível provar que existem certos fatos cuja verdade precisa ser admitida por todas as subjetividades, provar que há certas normas cuja validade precisa ser aceita por todos os sujeitos, isso significa fundamentar (ou seja, demonstrar de maneira objetiva) a verdade dessas afirmações e a validade dessas normas. Assim, a busca de critérios objetivos já não era mais a procura da verdade justificada por uma tradição (e, portanto, uma verdade constituída coletivamente), mas de um ponto interior fixo, de uma certeza objetiva do sujeito.

A universalização da subjetividade é via moderna para garantir a objetividade do mundo, estando ela na base das principais concepções da modernidade. Essa é a base da estratégia contratualista que, formulada inicialmente por Hobbes, domina as teorias de legitimidade política moderna até os dias de hoje: com base na universalidade do interesse de garantir a própria vida, busca-se provar que cada homem individualmente deveria escolher a submissão e, com isso, fundamenta-se a autoridade do poder estabelecido. Também é esse o fundamento da estratégia dedutiva que orienta o pensamento lógico e matemático, visto que é com base na universalidade da racionalidade que toda dedução matemática, devidamente demonstrada, passava a ser apresentada como uma verdade objetiva. Por fim, trata-se também da base das estratégias empiricistas da ciência, que, apesar de todas as críticas dos epistemólogos dos séculos XIX e XX, ainda domina o pensamento científico: com base na universalidade da intuição sensível, uma vez comprovado indutivamente que uma regra geral é extraída de observações empíricas que poderiam ser feitas por qualquer sujeito, fundamenta-se a veracidade objetiva de uma proposição.

Todos esses elementos se vinculam à busca de uma verdade objetiva, fundada na evidência racional de certos fatos e argumentos. Esse é justamente o é o primeiro princípio do método cartesiano: “jamais aceitar alguma coisa como verdadeira que não soubesse ser evidentemente como tal”. As identificações da verdade com a razão, da racionalidade com a impossibilidade subjetiva da dúvida e da certeza objetiva com a evidência racional, elas podem ser tudo, menos evidentes e certas.

Para os medievais, a verdade última estava na metanoia (uma compreensão da verdade para além da limitada razão dos homens), que era talvez certa, mas não poderia ser evidente, já que essa era uma via aberta para poucos. Com a valorização moderna da evidência empírica, foi criada uma nova racionalidade, fundada em uma nova metafísica. Desde este momento até a desconstrução do conceito de evidência, feita por Hume e Kant no século XVIII, a história do pensamento moderno pode ser lida como a história de um conhecimento que considera evidente.

2. O olho que não se vê

Mas qual era o fundamento dessa evidência? Evidentemente, era a própria razão, pois tratava-se de uma evidência racional tudo aquilo que a razão não poderia pôr em dúvida sem recair em absurdo. A modernidade buscou a transcendência, o dever, a salvação, a felicidade e a virtude, mas sempre por meio da certeza racional. Ela efetuou a separação entre a certeza imotivada da fé (que não foi abandonada, mas passou a ser uma virtude ligada apenas aos aspectos da religião) e certeza motivada da filosofia e das ciências (ligadas ao pensamento fundado em evidências racionais), de tal forma que se pode falar de uma secularização do pensamento filosófico e científico.

Mas que razão era esta? Essa pergunta não foi respondida, pois a razão era o instrumento com o qual se olhava o mundo e, portanto, ela própria não podia ser tematizada. Os pensamentos podiam ser racionais, mas o próprio pensar era uma realidade objetiva que se impunha ao cogito cartesiano. Penso, logo existo.

Embora a modernidade não tenha respondido a esta questão, ela estabeleceu o critério básico de racionalidade (a evidência) e criou uma nova mitologia, fundada em um novo conceito de homem, em um novo ideal de verdade, uma verdade secularizada e voltada para a análise racional das coisas finitas (que são aquelas que cabem na razão), especialmente do próprio homem.

Essa redução da verdade à certeza pode soar hoje como uma infinita pretensão: a negação dos tradicionais limites reconhecidos à razão, que passou a ser utilizada como critério único para todo o pensamento humano, fosse ele vinculado física, à ética ou à lógica. Esse processo de criação de um novo homem, de uma nova razão, de uma nova objetividade, foi gestado ao longo de séculos e alcançou sua maturidade no início do século XVII, época que marca o início da modernidade filosófica.

Mas a modernidade é caracterizada justamente por essa pretensão de fazer o pensamento humano abarcar a totalidade do mundo e, simultaneamente, submeter todo o pensamento humano a uma só matriz, afirmando como único critério de verdade evidência perante o sujeito. Nesse processo, o mundo greco-romano reinterpretado pela cultura tardo-medieval, elegido como parâmetro de correção pelos renascentistas, passou definitivamente ao passado, transformando-se na Antiguidade que é história e não modelo. Trata-se da época em que Descartes colocou o sujeito como o fundamento da certeza filosófica, em que Hobbes tentava substituir uma fundamentação teológica do poder por uma fundamentação racional, universalizando a aceitação subjetiva da autoridade.

Esses pensadores inventaram um novo modo de perceber a história, em que o presente ultrapassa e suplanta o passado e o novo é sinônimo de bom. Eles julgaram ter encontrado a luz que os levaria para fora da caverna (não percebendo que eles haviam simplesmente inventado uma nova lanterna), e nós ainda vivemos no mundo que eles compuseram com seus novos instrumentos.

A partir desse momento, a redescrição unitária e matematizada do mundo ganhou os contornos de única descrição correta da realidade. Foi o tempo em que a perspectiva linear passou a ser entendida por muitos como o sistema correto de representação do mundo, e quando Galileu deu o último passo na matematização do conhecimento físico, traduzindo as constantes do mundo em equações matemáticas. Esse momento foi tão vital para as ciências que hoje é tipicamente conhecido como Revolução Científica.

Foi também esse o tempo que Cervantes inventou o romance moderno, voltando sua ironia demolidora contra as ideias medievais refletidas na loucura de Dom Quixote. Nessa mesma época, Shakespeare criava um novo sujeito no teatro, analisando desnudando a personalidade desse novo homem que surgia e Rembrandt pintava sua lição de anatomia, mostrando o orgulho das novas academias de ciências.

Olhando com os olhos contemporâneos, creio ser correto afirmar que a modernidade inaugurou um novo modo de pensar o mundo, mas não inaugurou um novo modo de pensar o próprio pensamento. Nesse campo, longe de promover uma ruptura com o modo tradicional de pensar, a modernidade simplesmente inaugurou uma nova tradição, com ídolos e crenças novos, porém fundados nas velhas ideias de naturalidade e evidência.

Então, o que mudou frente às concepções tradicionais não foi propriamente o objetivo reconhecido às ciências e às artes, mas a fixação da utopia de que era possível observar o mundo a partir de uma perspectiva objetiva. Mas a arte e a ciência ainda eram entendidas como a representação de um mundo objetivo, de um ponto de vista pretensamente objetivo e único, que pudesse organizar a experiência humana e construir uma representação perfeita do real. Esse novo critério de objetividade foi chamado de racionalidade.

Contra o pluralismo medieval, com suas crenças “ingênuas” e suas superstições “ridículas”, era preciso erguer o edifício da Verdade. E a Verdade, por ser a representação de um mundo objetivo, era única. Como há apenas uma verdade, o conhecimento verdadeiro não pode ser validamente contestado e duas verdades nunca podem estar em contradição. Nasce, então, a Ciência. Contra o pluralismo contraditório e multiforme do senso comum, uma só Racionalidade, um só Mundo, uma só Verdade.

E a Ciência, no fundo, é uma só, pois, sendo o conhecimento do mundo, todas as ciências particulares precisam dizer coisas compatíveis entre si. Portanto, há apenas um método científico, que deve conduzir à verdade, que é objetiva e acessível ao home. Nesse ponto, empiristas e racionalistas só divergem no detalhe, pois se ambos discordam do valor a ser dado para fatos empíricos, ambos concordam que a racionalidade é a base da ciência.

Na arte, Arnold Hauser aponta que o espaço da arte gótica é dominado pela justaposição de detalhes, de modo que a obra individual é composta por numerosas partes relativamente independentes, dominadas por um senso de coordenação e não de subordinação. A sobreposição de tempos e espaços diferentes dentro de uma mesma obra é recusada pela Renascença, que construiu um espaço plástico homogêneo, em que tudo o que pode ser apreendido é visto a partir de um mesmo ponto no espaço e no tempo. Essa concepção simultânea somente é possibilitada pela homogeneidade propiciada pela perspectiva central, que organiza toda a cena em torno de um único ponto. (Hauser, 2000, p. 281)

Esse tipo de objetividade, porém, não resistiu às críticas da modernidade madura, especialmente às críticas demolidoras de Hume e às quase-desesperadas tentativas kantianas de remendar o projeto da modernidade. Esses pensadores colocaram em xeque a objetividade das nossas representações do mundo. Questionando a ideia de causalidade, o Hume demonstrou que a certeza científica sobre fatos empíricos estava assentada sobre uma crença. Tentando salvar a verdade absoluta da matemática e da física frente as dúvidas levantadas pelo jovem Hume, o velho Kant teve que construir a revolucionária ideia de que o nosso conhecimento não é uma representação objetiva e direta do mundo, mas um fruto do modo humano de olhar o mundo. Depois desses pensadores, a triunfante modernidade

A objetividade mudou o foco: da objetividade frente às coisas, chegamos à objetividade frente aos homens. De uma racionalidade vista como o modo correto de perceber as coisas objetivas, partimos para uma racionalidade que é o modo objetivo como os homens percebem as coisas. Apesar da grande mudança no sentido, a palavra permaneceu a mesma: a Racionalidade.

Voltando ao paralelo com as artes, é possível identificar essa radicalização kantiana no impressionismo do final do século XIX. Monet, Renoir, Pissarro, todos eles perceberam que a pintura acadêmica de Ingres, inspirada ainda pelos princípios do Renascimento, não mostravam o mundo como ele é. A perspectiva renascentista e os modos tradicionais de pintar foram percebidos como uma série de convenções que tentavam conquistar a ilusão de tridimensionalidade a partir de jogos de claro e escuro, jogos nos quais a verdadeira luz se perdia, pois sem a gradação do claro e do escuro era impossível construir a perspectiva. Com esse tipo de técnica é impossível, por exemplo, pintar uma paisagem ao ar livre, e isso é algo que nós vemos.

Para os impressionistas, era preciso pintar exatamente o que o olho enxerga, e eles se esforçaram para pintar a luz exatamente como o olho humano a vê. Para quem acredita na objetividade do mundo, as várias pinturas de Monet da Catedral de Rouen são uma repetição talvez entediante, de visões sobre um mesmo objeto. Mas Monet pinta a luz, e a luz é diferente em cada uma das situações... a catedral já não é o objeto da pintura., mas o modo como o próprio Monet enxerga a luz em determinadas condições atmosféricas. E aí está a revolução: não se tratava de pintar o mundo, mas de pintar o modo como o homem via o mundo, de pintar a luz (que é o que vemos) e deixar que o olhar do observador construísse a imagem. Uma pintura de Seurat ou de Signac, que levaram ao extremo esse objetivo, não passa de uma série de pontos de cores básicas, que nossos olhos percebem como gradações de cor, desde que elas sejam olhadas suficientemente de longe.

Assim, a modernidade madura dos séculos XVIII e XIX mudou completamente o objeto de representação, mas, tal como Kant, manteve intangível o ideal de objetividade: objetivo não é o mundo, mas o modo de olhar. Porém, a objetividade do modo de olhar garante a objetividade das imagens. De toda forma, os impressionistas ainda supõem pintar o modo como vemos a luz e, sendo a luz externa a nós, a dualidade sujeito objeto ainda permanece no centro de sua concepção, pois a obra de arte ainda tem uma referência externa a ela mesma. A arte impressionista ainda não é a constituição de objetos, mas a representação de objetos, motivo pelo qual o impressionismo representa a modernidade madura e não a sua superação.

Mas, ao chegar nesse ponto, foi praticamente impossível evitar que os revolucionários pensadores e artistas do início do século XX, seguindo as intuições de alguns gênios extemporâneos do século XIX, especialmente de Nietzsche, Cézanne, Gauguin e van Gogh, olhassem para o espelho. Qual não deve ter sido o susto quando perceberam que a Racionalidade não era racional. Que a pretensa objetividade racional não era uma forma objetiva de ver o mundo, mas uma certa forma de construir um mundo. Daí para a percepção de que o artista não refletia o mundo, mas criava obras que constituíam um objeto independente no mundo, não faltava muito. E foi esse passo que abriu caminho tanto para a arte abstrata e conceitual quanto para a hermenêutica.

3. A imagem no espelho

Curiosamente, a racionalidade moderna é um conhecimento pelas causas eficientes (para o mundo) e formais (para a lógica) e, feita uma análise crítica da própria racionalidade, ela precisa admitir que parte de algumas ideias que não podem ser comprovadas. Se a base da evidência indutiva é a crença (crítica essa que representa uma radicalização das ideias de Hume), então não existe uma Racionalidade racionalmente demonstrável. Talvez o golpe mais duro nessa visão unificada, embora o menos evidente para as pessoas em geral, foi a elaboração das matemáticas não-euclidianas no século XIX, que sepultando a ideia da matemática única, demoliu as bases da unificação do pensamento moderno (Hobsbawm, 2001, p. 306).

A utopia da verdade única, do espaço homogêneo do renascimento, passou a ser vista como uma concepção ingênua e ultrapassada. Se a modernidade era ultrapassada, então era preciso criar um novo nome, pois o moderno é aquilo que ultrapassa e não o que fica para trás. Por isso, no campo das artes, o que atualmente chamamos de arte moderna foi a arte que surgiu, no início do século XX, como uma ruptura radical do espaço plástico renascentista. Mas, na filosofia, ainda permanece a convenção de chamar de moderna a ruptura com o medieval, o que nos fez designar as reflexões contemporâneas pela expressão “pós-modernidade”, esse termo ambíguo e provisório que tem a virtude de indicar que não sabemos bem onde estamos, mas sabemos que as velhas bússolas já não são capazes de nos orientar.

Os tradicionais explicitaram seus pressupostos, mas não se preocuparam em os justificar. Os modernos passaram séculos tentando fundamentar racionalmente as bases do seu pensamento, até terem que admitir que os pressupostos de uma teoria não são sujeitos à prova, pois eles sempre estão para além da própria teoria. A modernidade tardia teve que capitular, reconhecendo o vazio dessas tentativas de fundamentação, pois seria logicamente impossível fundamentar o fundamento último.

O processo de superação desse trauma é duro e ainda está em pleno desenvolvimento. Na arte, ele significou um rompimento com a função representativa da arte, ligando-a mais à expressão ou provocação de sentimentos do que à representação de algo ou do Belo. Na filosofia, ele levou a conjecturas como as de Deleuze e Guattari, que consideram o filósofo como um criador de conceitos e não como alguém que contempla o mundo.

Nesse meio-termo, certas concepções tentam reconstruir a modernidade em novas bases, buscando novos pontos de objetividade na qual se possa construir um critério único de verdade. Popper tentou substituir a falida comprovação da verdade por uma comprovação objetiva da falsidade. Kuhn introduziu uma noção de paradigma que implica a ideia de que, exceto em situações excepcionais de giro paradigmático, existe um conjunto de concepções apto a servir como critério suficiente de verdade. Em certo sentido, essas concepções representam a continuidade da busca de um chão firme em meio às ideias transitórias, da busca de uma objetividade possível, em meio à instabilidade de sentidos.

O homem da modernidade tardia era um homem cindido, como Gregório de Matos ou Goethe, como os pré-rafaelistas e os neojusnaturalistas. A modernidade fomenta personalidades barrocas que buscam ser ao mesmo tempo corpo e alma, que reconhecem a importância das abordagens empíricas mas entendem que elas não podem ser aplicadas a nosso universo anímico, a nossa interioridade criativa, a nossos valores fundamentais. Já no século XX, Freud diagnosticou que as pessoas eram levadas a reconhecer o desencantamento do mundo, mas esse desencantamento era sentido como uma falta e era uma das razões do sofrimento específico das subjetividades contemporâneas (vide Costa, 2021). O mundo, sem um conjunto de ideias que lhe atribua um sentido, é um lugar que para muitos pode parecer demasiadamente árido.

Em grande parte, o romantismo do século XIX pode ser visto como a projeção do sentido em um passado idealizado, em um tempo anterior à modernidade e à própria razão. Frente a uma razão que se sabe (ou intui) fragilizada, muitos buscaram suas forças em outras fontes: tradição, sentimento, paixão, instintos. Mas os românticos não eram medievais: eles viviam em dois mundos e sabiam que eles eram incompatíveis.

Nunca vi tamanha repetição da palavra racionalidade como na introdução de Weber ao célebre ensaio A ética protestante e o espírito do capitalismo, de 1905, na qual ele tenta caracterizar a racionalidade como uma peculiaridade da cultura europeia, não percebendo que a racionalidade europeia é apenas uma das perspectivas possíveis de o homem lidar com suas próprias experiências. Essa quase litania da racionalidade não poderia surgir senão em contextos de crise, que exigem afirmação ou a reafirmação das crenças fundamentais. E tudo duas décadas depois de Nietzsche ter escrito o seu Zaratustra, proclamando a morte da Razão moderna.

Na filosofia do direito, creio que a manifestação mais clara dessa cisão está na teoria pura do direito de Kelsen. Após insistir em uma fundamentação neokantiana da norma fundamental, Kelsen passou a afirmar que o fundamento do direito é hipotético, chegando mesmo a reconhecer, em obra não publicada em sua vida, que a norma fundamental não passa de uma ficção epistemológica.

Essa consciência kelseniana traduz, de modo acabado, a cisão do pensador moderno: uma teoria moderna sempre pretende falar sobre o mundo e, portanto, precisa supor que o mundo existe e pode ser conhecido. Mas essa pressuposição é percebida como ingênua e insustentável. Então, já que a razão não oferece bases sólidas para a construção da teoria, é preciso, é preciso fingir que essas bases existem, para ser possível um discurso científico porque racional. E outro não é o sentido da ficcionalidade da norma fundamental.

Essa situação de cisão interna, de reconhecimento do limite da razão e do inconformismo com esse próprio limite, tem seus reflexos também na arte, especialmente quando ela se desvinculou do Belo ou do Sagrado. Até hoje, muitos sentem a ausência de beleza nas obras de arte como uma perda, talvez irreparável em virtude dos tempos, mas uma perda a ser sentida e quiçá lamentada. Esse fato pode ser percebido na pintura abstrata de Kandinsky, na música dodecafônica de Schoenberg, na literatura contemporânea de Joyce.

Então não há critérios objetivos para definir o que é arte? Não mais do que para definir o que é verdade. A superação do pensamento tradicional (e a modernidade não passa de uma tradição) sobre o próprio pensar passa necessariamente pela superação da própria necessidade de fundamentar. É preciso admitir, sem amargura, que nosso pensamento carece de bases sólidas e que não há um critério objetivo de verdade. Sem isso, estaremos reconstruindo a armadilha moderna, de identificar com a razão os critérios que nos parecem naturais. Todos os modernos caíram nessa tentação ao tentar fundamentar os valores básicos, como a Verdade e Ética.

Se o pensamento não é fundamentado, então ele não representa uma verdade, mas pode instaurar uma verdade, assim como um pintor pode instaurar uma nova estética, como fez Kandinsky ao inventar a pintura abstrata ou Picasso e Braque ao inventarem o cubismo a partir da inspiração de Cézanne. Mas, se as teorias científicas não são representacionais, elas são o quê?

4. Mapas de mapas de mapas

Toda teoria é uma metáfora e toda metáfora é um “poema em miniatura” (Beardsley apud Ricoeur, 2000, p. 58). E a poesia não representa a beleza que está no mundo, mas inaugura uma beleza própria, que somente existe dentro do universo da própria poesia. Inclusive, belos sentimentos costumam inspirar muitos maus poemas, como dizia Wilde com outras palavras.

A teoria é algo que se cria, algo que se instaura, algo que não precisa de justificação externa a ela mesma. Em especial: a falta de fundamentação não é um problema para a poesia porque a poesia, como o amor, não busca fundamentação. Ambos se limitam a existir, e perguntar-se sobre os motivos que levam uma poesia a ser bela é como perguntar-se sobre os motivos que levam uma pessoa a amar outra. A resposta pode ser uma bela teoria, que elabore um sentido para aquilo que não tem.

Se toda teoria é uma metáfora, então a explicação da teoria é uma metáfora sobre a metáfora. Mas não vale a pena cunhar o termo meta-metáfora porque, além de redundante, ele seria equivocado. A teoria é uma teoria de alguma coisa e, portanto, faz sentido falar em uma metateoria. Já a metáfora não é metáfora de alguma coisa, mas a criação de um sentido novo. Como afirma Ricoeur, as metáforas não são traduzíveis porque criam o seu próprio sentido. Elas podem ser parafraseadas, mas “uma tal paráfrase é infinita, incapaz de exaurir o sentido inovador” (Ricoeur, 2000, p. 64). Portanto, a metáfora de uma metáfora é uma metáfora nova, com novos sentidos.

O problema da modernidade é que ela tentou fazer da ciência uma paráfrase, sem perceber que, no fundo, estava construindo metáforas. E toda metáfora é perigosa, pois carrega em si possibilidades imprevisíveis de significação, como os aforismos de Nietzsche. Mas nesse perigo resta sua própria força, pois “não existem fatos, só interpretações”.

Na falta de um acesso direto que nos permita mostrar o mundo como ele é (uma espécie de paráfrase), construímos um discurso teórico que é a instauração de uma descrição linguística do mundo. Então, toda teoria pode ser vista como um mapa de um terreno imaginário, como o Aleph de Borges ou as cidades invisíveis de Calvino.

A metáfora cartográfica, muito presente nas teorias de Deleuze e Guattari (Guattari, 2000, pp. 31 e ss.; Deleuze e Guattari, 1995, vol. I) e retomada por Boaventura de Sousa Santos (2000, pp. 189 e ss.), parece-me a mais adequada para organizar nossos conhecimentos acerca do conhecer. De acordo com esse modelo de compreensão, conhecer é como se fosse traçar mapas. Creio que a principal virtude dessa perspectiva é evitar uma das maiores fontes de distorções ideológicas no campo da ciência, que é a quase onipresente confusão entre o conhecimento e o mundo. Como os mapas evidentemente não são o mundo, mas uma representação resumida e esquematizada daquilo que chamamos de realidade, a metáfora cartográfica ao menos põe um freio na nossa tendência idealista de resumir a coisa ao modelo que elaboramos para representá-la.

Além disso, ninguém imagina que um mapa cai do céu ou que está presente, imutável, em alguma espécie de mundo das ideias platônico. O mapa é sempre uma construção humana, tal como o conhecimento.

Também nos é muito razoável a ideia de que é preciso haver vários mapas sobre um mesmo terreno. Mapas que podem ter escalas imensas, quase 1:1, e acentuar todos os detalhes de uma determinada situação, evidenciando, por exemplo, cada curva de nível existente em um determinado monte. Eles podem ter escalas medianas, nas quais as peculiaridades de um determinado monte se perdem, mas é possível enxergar a serra traçando os seus caminhos sinuosos. E podem ter escalas mínimas, chegando ao extremo do mapa-múndi, em que nada resta de particular na representação.

Cada mapa desses serve a funções diferentes e representa coisas diversas. Um mapa físico, um político, um hidrográfico, um histórico, cada um deles tem o seu espaço e ninguém é louco o suficiente para afirmar que um deles é absolutamente melhor que os outros. O que se espera é que cada um deles cumpra bem algumas funções específicas.

Como não faltam pessoas para defender a primazia de uma determinada forma de conhecer (normalmente chamada de científica) ou que pretendem construir teorias que abranjam todas as facetas de um mesmo problema (como se o conhecimento fosse um inútil mapa de escala 1:1), a metáfora cartográfica parece-me oferecer um modelo extremamente produtivo para pensar o processo de conhecimento.

Especialmente porque a cartografia não possibilita apenas a elaboração de mapas individuais, mas também o estabelecimento de relações entre os mapas existentes, para retirar deles os conhecimentos relevantes. Essas relações, obviamente, não vêm prontas, mas precisam ser estabelecidas pelo intérprete. Se essas relações são possíveis, é porque somos capazes de enquadrar os diversos mapas em uma visão mais abrangente, que sirva como base para serem identificados os pontos de contato e de afastamento. Na nossa metáfora cartográfica, essa visão mais abrangente somente pode ser identificada como um outro mapa.

Esse metamapa (ou seja, uma cartografia de mapas e não de terrenos), por sua vez, pode abranger uma determinada região da cartografia, mas provavelmente ele não será capaz de abranger todos os mapas do mundo. Então, é possível imaginar um meta-metamapa (ou seja, um mapa de mapas de mapas), que tente ser ainda mais abrangente, servindo como ponto de encontro dos vários metamapas parciais. Apesar de o hífen ser gramaticamelmente dispensável nesse caso (eufemismo para não dizer que se trata de puro e simples desrespeito às regras gramaticais), creio que a sua presença facilita a compreensão da palavra. No limite, teríamos um meta-meta-meta-metamapa, ou seja, o mapa mais abrangente e genérico que se pode imaginar, que deveria representar o terreno comum entre todas as cartografias.

Esse mapa dos mapas, que seria uma espécie de mapa-múndi do conhecimento humano, por ser demasiadamente geral, teria um baixíssimo grau de detalhamento. E, se não fosse assim, seria inútil, pois o excesso de minúcias tornaria o mapa tão imenso que impediria a qualquer intérprete a formação de uma visão de conjunto.

Porém, apesar de sua generalidade, o supermetamapa teria que ser tão amplo que não caberia em uma folha só. Assim, nós somente o encontramos de forma fragmentada, como uma série de pedaços. Ocorre, porém, que as suas várias partes não formam um todo muito coerente, tal como a vida descrita por Drummond quando afirmou que: “Os cacos da vida, colados, formam uma estranha xícara que, sem uso, nos espia do aparador” (Andrade, 2003). Isso se explica pelo fato de que os vários mapas específicos que ele precisa topografar não são homogêneos e dizem coisas contraditórias. O mapa da poesia não diz sobre o homem o mesmo que o mapa da medicina. E menos ainda o mapa da poesia brasileira não diz sobre a mulher o mesmo que a psicanálise freudiana.

Não custa relembrar que o supermapa não é um composto dos mapas individuais: os mapas individuais cartografam topografias e os metamapas cartografam cartografias. Como eles têm objetos diversos, embora relacionados, não se pode esperar olhar para o metamapa e ver, dentro dele, os conhecimentos da física quântica. O que se pode esperar é encontrar algumas noções que deem um espaço para a física quântica e a relacionem com os outros conhecimentos, possibilitando o diálogo entre os mapas diversos.

Para dar conta de uma tarefa tão imensa, o supermetamapa precisa ser contraditório (pois guarda dentro de si muitos contrários) e vago, repleto de ambiguidades e potencialidades sutis de sentido. Se tivéssemos que apontar o metamapa mais próximo do supermetamapa, eu creio que ele seria o da poesia em geral, com todas as suas multiplicidades semânticas.

Visto com cuidado, o supermetamapa mostra-se repleto de vazios e de sobreposições, de símbolos imprecisos, de duplicações inexplicáveis, de distorções muito evidentes da realidade. Mas esse mapa, não deve ser olhado muito de perto. Aproximar-se demais dele é como mirar de muito perto um aparelho de televisão ou um quadro impressionista: a imagem que esses instrumentos proporcionam somente se revela plenamente a partir de uma certa distância.

Esse grande mapa é o senso comum. Sua função é ficar à distância e servir como base para que dialoguem entre si os mapas mais incongruentes (da poesia à física quântica), oferecer algumas simbologias gerais que terão ecos nos outros mapas (como a unidade, a causalidade ou a simultaneidade), mas que serão diversas em cada um deles, especialmente nos de grande escala.

O sonho da ciência moderna era fazer um grande mapa, perfeito, que substituísse essa colcha de retalhos incongruentes por um mapa sistemático e racional. Em lugar de sobreposições e vazios, um espaço homogêneo e contínuo. Em lugar de signos de conteúdo variável, uma linguagem bem definida e sem ambiguidades, normalmente identificada com a matemática. Construída essa base sólida, todos os outros mapas deveriam ser uma especialização desse grande mapa: no fundo, todos eles seriam parte do mapa.

Assim, é como se houvesse um grande mapa geral, que pudesse ser apreendido em uma escala muito pequena: um mapa-múndi do conhecimento. A escala desse mapa, contudo, poderia ser ampliada, incluindo os elementos que foram inicialmente articulados em mapas de escala um pouco maior (a física, a biologia, a química, o direito). E poderia ser ampliada ainda mais, englobando-se no mapa características ainda mais específicas (espeleologia, entomologia, pediatria, lógica) e cada vez mais específicas (estudo da formação de estalagmites, estudo da reprodução de uma espécie de tubarões, estudo das reações das crianças de seis anos a um determinado agente alergênico, estudo das implicações lógicas envolvendo uma combinação entre os operadores deônticos de obrigação e permissão, etc.).

Embora cada um desses mapas específicos houvesse sido historicamente construído de forma independente, deveria ser possível unificá-los no grande mapa do conhecimento científico. Imaginem a imensa satisfação do primeiro homem a unificar os vários mapas antigos e estabelecer o primeiro globo terrestre. Após limitar as incongruências dos mapas isolados, compará-los, descartar as imperfeições, inventar modos de fazer dialogarem perspectivas diferentes... A unidade, essa ideia mágica que os pré-socráticos buscaram na natureza, os escolásticos em Deus, a modernidade na razão: uma perspectiva única, que servisse como chave de compreensão para todos os mistérios do mundo.

Creio que a imagem arquetípica da ciência contemporânea foi oferecida no filme Powers of Ten, realizado pelos designers Charles e Ray Eames em 1977, e que a minha memória ligava a uma série de TV dos anos 80, baseada em um livro de Carl Sagan, chamada Cosmos: uma câmera focaliza em um casal fazendo um piquenique e a câmera vai subindo, mostrando as escalas de 1m, 10m, 100m, 1.000 m e assim por diante, até chegar a 1024 m, quando a Via-Láctea se torna um ponto, e depois volta, aproximando-se de um dos braços da galáxia, onde encontra o sistema solar; daí, centra-se gradualmente na terra, em um continente, em um país, em uma cidade, em um bairro, em uma rua, em uma pessoa, em uma mão, em uma célula, em uma molécula, em um átomo, em um próton. Cada um desses elementos é visto como um close de um grande e imenso mapa, que poderia ser infinitamente ampliado (na medida da infinitude do universo) ou reduzido (na medida da infinita divisibilidade do espaço), mas que sempre guardaria absoluta unidade com os mapas intermediários.

Essa unidade completa é o objetivo máximo da ciência moderna. A fragmentação do senso comum é o principal limite posto a essa unidade, e acredito ser ela um limite que não pode ser ultrapassado (crença esta que, obviamente, é uma questão de fé). Portanto, em vez de distorcer ainda mais os mapas, na tentativa de unificá-los, prefiro a busca de cartografar os mapas e metamapas, sabendo que esse processo é uma eterna simplificação (não representamos, mas esquematizamos o real), que ela é criadora (traçamos e não descobrimos os mapas) e que ela nunca leva a uma perfeita unidade (utopia tipicamente moderna).

5. Referências

  1. ANDRADE, Carlos Drummond de. Antologia poética. Rio de Janeiro: Record, 2003.
  2. COSTA, Alexandre. Os desafios da filosofia contemporânea. Arcos, 2021. Disponível em: "GHOST_URL/os-dilemas-da-contemporaneidade-2/"
  3. DELEUZE, Gilles e GUATTARI, Félix. Mil platôs, vol. I. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1995.
  4. DESCARTES, René. Discurso do método. Brasília: UnB, 1985.
  5. EAMES, Charles; EAMES, Ray. Powers of Ten. Filme de curta-metragem (9 min.), 1977. Disponível em: https://aeon.co/videos/the-classic-1977-film-that-put-the-vastness-of-the-universe-into-perspective.
  6. FRANCASTEL, Pierre. Pintura e sociedade. São Paulo: Martins Fontes, 1990.
  7. GUATTARI, Félix. Cartografias esquizoanalíticas. Buenos Aires: Manantial 2000.
  8. HAUSER, Arnold. História social da arte e da literatura. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
  9. HOBSBAWM, Eric. A era das revoluções. São Paulo: Paz e Terra, 2001.
  10. NIETSZCHE, Friedrich. Acerca da verdade e da mentira; O anticristo. São Paulo: Riedel, 2005.
  11. REALE, Giovanni e ANTISSERI, Dario. História da Filosofia. Vol II. São Paulo: Paulus, 1990.
  12. RICOEUR, Paul. Teoria da interpretação. Lisboa: Edições 70, 2000.
  13. SANTOS, Boaventura de Sousa. A crítica da razão indolente: contra o desperdício da experiência. São Paulo: Edipro, 2000.